Associação Desportiva e Recretiva de Lisboa tem conseguido desde 2021 alavancar o espírito associativo em prol da comunidade e com fortíssimas dinâmicas desportivas. Parceria com o Mirantense traduz-se na já emblemática "Subida da Rampa do Vale de Santo António"
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O associativismo como bandeira, abraçando intenções e valores, desbravando o seu caminho dentro de uma inspiradora irmandade pelo desporto popular. É algo que tem vindo a ser cultivado pela Associação Recreativa e Desportiva 'O Relâmpago', constituída em 14 de maio de 2021, ou 1 de maio conforme o apreço de cada um, com motivações ainda mais anteriores e passos seguros, intuídos de inquietações e visões do espírito coletivo, de batalhas sociais e dinâmicas desportivas. Sem sede ou espaço físico, mas muita imaginação e ginástica empreendedora, os amigos que fizeram o Relâmpago nunca mais pararam atuando para a comunidade e interagindo com diferentes coletividades em prol de momentos marcantes como até recentemente ocorreu com mais um concorrida e flamejante 'Subida da Rampa do Vale de Santo António', definida na ligação ao Mirantense. Um show de ciclistas, de maior ou menor vocação, um exercício de memória, um convívio sem amarras pela liberdade e um manual de gritos de justiça social. Tudo congregado em imagens de eleição para deleite de quem participou e quem ficou com insaciável vontade de não perder a próxima.
Numa conversa com Euprémio Scarpa, presidente do Relâmpago, vamos aqui encontrar muitas dessas razões para que Lisboa conheça muitos mais militantes desta associação. “Em meados de 2019, entre um grupo de amigos, surgiu a ideia de recuperar o espírito das antigas coletividades populares. ”Inspirados na fugaz existência do Relâmpago Futebol Clube, uma extinta agremiação desportiva do leste lisboeta, decidimos homenageá-lo batizando este projeto de Associação Desportiva e Recreativa “O Relâmpago”, descreve irradiando o amor perpetuado no tempo. "Somos apaixonados de coletividades, muitos de nós têm uma longa história de associativismo e esta paixão comum, bem como o carinho pela história e memória dos clubes de bairro e dos clubes mais populares", explica Euprémio remetendo-nos ainda ao que é a apresentação da ADRR no seu próprio portal. "Através da recuperação da memória de um clube, pretendemos resgatar também o espírito associativo fulgurante de outros tempos, de menor timidez na participação social. Ao mesmo tempo, o simbolismo do “relâmpago” está ligado à espontaneidade da associação popular, tal como sucedia nos inícios do futebol, e do desporto em geral. Este grupo de amigos com interesses e valores similares junta-se e cria uma associação ou clube, começando no futebol e outras modalidades, que depois se estende a uma presença social e a um papel comunitário muito mais completo". lê-se. "A Associação Desportiva e Recreativa “O Relâmpago” aparece como uma ferramenta coletiva de fomento do Desporto Popular, alavancando a sua prática para a integração e interacão social, também por via da participação comunitária a vários níveis.”
Numa cultura retro, também dinamizada por algum merchandising, o Relâmpago tem bem defendidos os seus pilares da sua atuação em Lisboa. "Consideramos pilar da nossa missão o fomento de desporto popular, mas também a preservação da memória dos clubes e associações: não dá para separar clubes dos seus bairros e locais: quando se fala de uma associação, estás a falar da história daquela gente e daquele território. Preservar a memória de um clube é preservar a história da sua comunidade", explana Euprémio Scarpa, muito entusiasmado em cada resposta, agarrando os pergaminhos de três anos de ação muito valiosa e recetividade monstruosa, mesmo contrariando uma gentrificação esmagadora para a alma, com tentáculos absurdos. A sobrevivência faz-se com esforço diário.
"O Relâmpago surgiu claramente em contra tendência ao que está a acontecer no tecido associativo/desportivo da cidade de Lisboa e do País, mas talvez aqui de forma mais gritante. A missão é mesmo poder colaborar com outros clubes populares para que possam recuperar um fôlego, acreditar que mesmo em 2024, continuam a ter um papel fundamental, que eles sentem terem perdido. Mesmo sem sede, o Relâmpago organizou sempre iniciativas junto de outras coletividades para que elas próprias se sintam, novamente, protagonistas e que ainda têm coisas a fazer. A nossa visão do desporto e do futebol em específico (mas não só, como demostra a Rampa) é que não é o enfoque principal, mas antes uma ferramenta de socialização, de intervenção comunitária. E, sentimos, que esta mensagem está a passar também nos nossos parceiros e nas pessoas que se cruzam com o clube", relata, desenvolvendo o espírito agregador fomentado pelo Relâmpago e o espelho para um futuro mais esperançoso quanto à distribuição de oportunidades. Vai soando o despertador. "A ideia é propor uma tomada de consciência sobre o estilo de vida associativo que havia antigamente, que ainda pode ser válido hoje em dia. Fomos um elo dinamizador dessa visão, recuperando a memória. O passado ajuda-nos a compreender e intervir no presente. Repito sempre 'conhecer o passado para perceber o presente e construir o futuro. A malta nova que nos espreita, procurava isso, esse tipo de abanão. O nosso lema é desporto para todos, quando vamos vendo que se transformou num privilégio de poucos. Aqui é desporto para todos, desporto inclusivo!", adianta Euprémio Scarpa.
Há 400 sócios e 35 por cento são mulheres
Fervilhando em cada resposta, sentindo o pulsar e a chama da convergência de sinergias, o dirigente associativo abre ainda mais o livro, folheando números que mimam o ego. Orgulhoso do impacto ganho na comunidade, da crescente mobilização e integração nas atividades acenadas de cima. "Já conseguimos ultrapassar os 400 sócios, 70 por cento deles com quotas em dia. E temos 35 por cento de sócias! Nesta ação da Rampa tivemos 30 a 40 voluntários e conta igual da parte do nosso parceiro Mirantense. Há uma magia especial e muitas pessoas estão a identificar-se connosco, pelas diferenças e ideias vincadas de solidariedade, entreajuda e protagonismo ativo, procurando o desporto mais esquecido ou marginalizado", sustenta, tocando num momento particularmente bonito. "Os convívios das sextas são outro grande exemplo do que conseguimos com 30-40 pessoas de todas as idades, sexos e origens. Jogam juntos pelo prazer de conviver", sublinha, valorizando os praticantes, 40 atletas para futsal, entre treinos de homens e mulheres, 30 inscritos em provas de atletismo pelo país, 10 a 15 atletas no boxe, mais 20 no xadrez e, ainda, 40 participantes em treinos livres de voleibol, algo parado pela falta de pavilhão. E, reforço, são números de um clube sem sede, sem apoios públicos, que vive somente dos seus sócios e pequenos patrocinadores locais, como consta do nosso regulamento", partilha.
Euprémio Scarpa dá conta também das afinidades interassociativas. "Não termos sede ajudou-nos a conhecer e organizar atividades noutras coletividades, entre as quais o Centro de Cultura Popular de Santa Engrácia, o Grupo dos 9, Sporting da Penha, Tejolense, CD da Graça, 11 Unidos, Operário FC, Praça da Alegria FC, no Porto. E, sobretudo, o Mirantense", confessa, espalhando uma canção de amor.
"A história da magia “Mirantenso-relampaguista” é falar de uma paixão que surgiu logo no início da nossa caminhada. O Mirantense reúne em si tudo o que sentimos deve ser uma coletividade: história, trabalho com a comunidade, desporto popular, lutas e superação de dificuldades. Poucos meses depois do 1ª de maio, da nossa festa de aniversário, fomos visitar a sede do Mirantense com um simples diploma, uma cartolina azul com um simples texto no qual estava escrito que o Relâmpago parabenizava o clube pelos seus 86 anos. Também o Mirantense foi fundado no dia 1 de maio. Estivemos a noite toda maravilhados com fotos antigas, troféus e a ouvir falar antigos sócios", recua e prossegue, ainda embriagado pela excelência do trato e cumplicidade que ficou. "Nós tínhamos feito trabalho de casa também, conhecíamos a história e a mística da coletividade e é por isso, quando alguém começou a falar da Rampa do Antigamente (a primeira foi em 1941, a última em 1954), saíram das gavetas da Direção livros com recortes e fotos daquela mítica prova! Foi o delírio entre os relampaguistas presentes, e com o entusiasmo típico de “irmãos mais novos” lançou a proposta de reeditar a Rampa! Os sócios do Mirantense devem ter ficado até assustados de tanto entusiasmo. O clube tinha passado anos duros: a gentrificação “comeu” a antiga e magnífica sede, a luta de querer uma sede lá no bairro, que não fosse desvirtuada ou transferida para outros territórios onde a Câmara oferecia espaços. Ainda veio o Covid. Era um clube ferido, mas ainda vivo e nós quisemos dar-lhe ainda mais força, um coletivo com o qual podiam contar, um coletivo com os mesmos sonhos", precisa, envolvido pelas memórias de um caminho que prosperou. "A resistência inicial foi desaparecendo. E ali nasceu a epopeia da nova “Grandiosa Rampa do Vale de Santo António”. O resto é história. Está à vista de todos e tivemos recentemente mais uma confirmação. O Mirantense tornou-se a nossa casa: aqui fizemos assembleias gerais, vamos apresentando livros, janta-se e bebe-se semanalmente, alguns de nós fazem parte dos Órgãos Sociais do clube. Aqui temos amigos e companheiros para a vida. Orgulhamo-nos de ter estado do lado deles nestes anos difíceis. São os nossos irmãos mais velhos."