Miguel Coelho: "Houve um rodopio de acontecimentos que não ajuda à estabilidade de uma equipa"
ENTREVISTA, PARTE I >> Miguel Coelho, treinador do FC Porto, assume, em entrevista exclusiva a O JOGO, que o “projeto do voleibol do FC Porto viveu a pior época”, acrescentando que 2024/25 foi também a menos conseguida por ele
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O primeiro tema, a fraca campanha em 2023/24, foi abordado por Miguel Coelho com toda a frontalidade.
Concorda que a época passada não correspondeu às expectativas do FC Porto?
—Concordo, é verdade que não correu conforme o esperado. Foi, de facto, a pior época do FC Porto desde sempre e acho que a pior época desportiva da minha carreira também.
A época não começou mal, com a conquista da Supertaça Ibérica, frente ao Benfica. O que aconteceu depois?
— Em primeiro lugar, há uma má construção do plantel, pelas razões que já identificámos, mas em que a culpa morre solteira: nem a administração, nem o staff têm “culpa” na construção do plantel. Junta-se um período eleitoral no clube a meio do mercado ou, pelo menos, na fase mais importante do mercado, em que havia alguma incerteza relativamente ao projeto. Não quanto à continuidade, que nunca esteve em causa, mas em relação ao projeto. Este é um problema identificado, do qual ninguém assume responsabilidade. É um mau timing e é um péssimo mercado, por conta desse mau timing.
Quer dizer que começaram a preparar a época, o plantel, tarde?
—A época começou a desenhar-se tarde, muito tarde. Começámos a formar o plantel em junho, o que é tardíssimo. Os mercados estão a mudar muito e mudaram muito rapidamente. O mercado sempre foi algo estabelecido na Europa e, depois, com alguns clubes da América do Sul. A partir do momento em que estas três novas ligas americanas entram, o mercado mudou. E nós apanhámos uma mudança de mercado com um período eleitoral que nos fez entrar ainda mais tarde nesse mercado.
Teve logo a noção de que isso estava acontecer?
—Tínhamos noção, em junho, de que o plantel poderia ficar já desequilibrado. Com uma agravante: uma das jogadoras que tínhamos na equipa, a Lauren Page, que estava assinada antes de sair de férias para o seu país – tinha assinado e foi apresentada pelo FC Porto – teve alguns problemas e também não se pôde juntar à equipa, isto a duas semanas de começar a pré-época. Ou seja, já não bastava o que tivemos de enfrentar durante junho e julho, com uma preocupação muito grande em relação ao equilíbrio do plantel. A tudo isto, a duas semanas de começar a pré-temporada, ainda tivemos de adicionar mais uma jogadora, quando já nem havia jogadoras no mercado.
Mas, voltando à primeira pergunta, a época até começou com uma conquista…
—Começou bem, mas já havia muitas red flags [bandeiras vermelhas], se pudermos pôr assim, à volta do equilíbrio que nós tínhamos no seis titular.
Foi-se notando nos resultados, em que não houve uma constância...
—Certo. E esse desequilíbrio também vem – e acrescentando uma coisa à pergunta anterior – não só da central Lauren Page, que rescinde duas semanas antes do início da época, mas também de uma oposta que vem, é apresentada, treina com a equipa e vai embora por problemas físicos [Johanna Alcantara]. Uma jogadora que, em boas condições, até se arriscaria a ser a oposta titular. Ou seja, houve um rodopio de acontecimentos que não ajuda à estabilidade de uma equipa.
“Os adversários, não todos, tinham uma base mais forte. Benfica e Sporting tinham um plantel melhor do que o nosso”
Sabendo-se da forma exigente como trabalha, como se foi adaptando a essas dificuldades?
—O meu trabalho no FC Porto, ou o trabalho de qualquer treinador em qualquer clube, é pôr a equipa que tem à disposição a jogar melhor. Esse é o trabalho do treinador. O trabalho do treinador não é ganhar, porque senão todos os treinadores seriam despedidos a cada época que passa. O nosso trabalho, com as armas que tínhamos à disposição, foi fazer com que a equipa jogasse o melhor voleibol possível.
Mas percebeu que chegar à conquista do Campeonato ia ser muito difícil?
—Eu percebi que os adversários, não todos, tinham uma base mais forte. Acho que Benfica e Sporting tinham um plantel melhor do que o nosso. Mais equilibrado, mais experiente, e volto também a esta experiência, porque esta experiência ganha títulos. A juventude ajuda, mas a experiência ganha títulos. Mas também senti que não era impossível ganhar a estes dois adversários. Taticamente, conseguíamos ir buscar coisas, ir buscar pontos que nos podiam ajudar, mas senti que os adversários tinham uma equipa com mais soluções do que nós. E provavelmente eles também se galvanizaram com isso.