Saeid Mollaei combateu no Mundial sabendo que tinha a polícia em casa a ameaçar os pais, para o obrigar a desistir. No final contou a sua história e apanhou um avião para a Alemanha
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A Federação Internacional de Judo (IJF) chegou a sonhar com o momento histórico: ter na final de -81 kg do Mundial, em Tóquio, um combate entre Saeid Mollaei, do Irão, e Sagi Muki, de Israel. Desde a revolução islâmica, em 1979, que o Irão não reconhece a soberania de Israel e impede encontros desportivos, mas desta vez tudo parecia bem encaminhado. Até o sonho passar a pesadelo. Mollaei foi ameaçado, perdeu nas meias-finais e acabou por fugir para Berlim depois de contar publicamente a sua história, um verdadeiro filme de terror.
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O cenário animador foi criado em maio, quando o Comité Olímpico do Irão escreveu à IJF, confirmando que iria "cumprir a Carta Olímpica e o seu princípio de não-discriminação". Era um abrir de portas que os combates da passada quarta-feira, 28 de agosto, tornaram entusiasmante. Tanto Saeid Mollaei, de 27 anos e campeão do mundo em título, como Sagi Muki, da mesma idade e duas vezes campeão europeu, venceram os primeiros combates de forma clara, provando terem qualidade para se encontrarem na final.
Às 15h30, horas locais, tudo mudou. Mollaei preparava-se para defrontar o russo Khasan Khalmurzaev, campeão olímpico, quando o seu treinador recebeu um telefonema do Irão. Era o ministro do Desporto, Davar Zani, a dar a ordem para desistir, evitando o potencial confronto com o israelita. Mollaei começou a chorar. A sua emoção tocou todos os presentes e Lisa Allan, diretora de competições da IJF, pediu ao treinador do Tajiquistão para ajudar o atleta iraniano.
Mollaei foi levado até ao presidente da IJF, Marius Vizer, que lhe disse ter de tomar a decisão mais importante da sua vida. O iraniano decidiu combater e bateu o russo. E a seguir o canadiano, medalhado olímpico de bronze.
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Antes das meias-finais, as autoridades iranianas acharam que o seu atleta tinha ido longe de mais. Uma delegação da embaixada entrou no Nippon Budokan e foi à zona de aquecimento, interdita, ameaçar o judoca cara a cara. Ao mesmo tempo, o presidente do Comité Olímpico do Irão, Reza Salehi Amiri, ligou ao treinador. A chamada era em vídeo e todos a ouviram. Ele explicou que as forças da Segurança Nacional já estavam na casa da família de Mollaei, que começou a receber mensagens de amigos a confirmá-lo. O medo era visível nos olhos do judoca, que mesmo assim combateu, só perdendo com o belga Matthias Casse no "golden score", aos 6m29s. A seguir, e na luta pela medalha de bronze, seria rapidamente batido por Luka Maisuradze, da Geórgia.
"Eu podia ter sido campeão do mundo hoje. Devido às leis do meu país e à prudência que elas exigem, fui obrigado a não lutar com o meu adversário de Israel"
"Fiquei com medo por mim e pela minha família e por isso não competi. Segui a lei e não competi. Lutei pelo bronze e só dei 10% do que podia, portanto cumpri a lei do meu país", disse depois Mollaei, no vídeo em que contou a sua versão da história: "Podia ter sido campeão do mundo hoje. Treinei e fiz tudo o que podia. Lutei e ganhei ao campeão olímpico, ao medalhista de bronze nos Jogos e a outros oponentes. Ganhei a todos. Devido às leis do meu país e à prudência que elas exigem, fui obrigado a não lutar com o meu adversário de Israel. A lei é assim. O Comité Olímpico do Irão e o ministro do Desporto disseram-me para não combater."
Terminado o Mundial, Mollaei apanhou um avião para Berlim e será na Alemanha que prosseguirá a carreira, tendo a garantia da IJF de que poderá ir aos Jogos Olímpicos do próximo ano como refugiado. "O meu sonho pode realizar-se, posso ser campeão olímpico", declarou, enquanto o presidente da IJF, Vizer, explicava que "não estamos a favor ou contra países, só queremos defender a integridade do desporto".