Nuno Frazão, pai e treinador, Miguel e Filipe, segundo e sexto depois de se terem defrontado, conversaram com O JOGO sobre os feitos da família e de Max Rod em Cracóvia'2023
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Foi de sorrisos abertos que a família Frazão passou o dia a seguir a um feito histórico - segundo lugar de Miguel na prova de espada dos Jogos Europeus, com o irmão Filipe em sexto e o colega Max Rod em oitavo -, mas sem perder a concentração, que amanhã iniciam todos a competição por equipas.
O último resultado semelhante foi em 2006, quando Joaquim Videira se sagrou vice-campeão do Mundo de espada, e o anterior o título europeu de florete por equipas, em 2000. Por isso, até eles admitiam a surpresa, a começar pelo treinador e pai dos dois jovens, o antigo olímpico Nuno Frazão.
Em frente à Aldeia Olímpica de Cracóvia, o trio conversou com O JOGO.
A medalha - e mais dois quartos de final - estava entre os vossos objetivos?
Nuno Frazão: "O nosso trabalho é feito com três patamares: objetivo, ambição e sonho. Este estava dentro do sonho. Era possível, mas como terceiro patamar das nossas metas. Se dissessemos que estávamos à espera de ter três portugueses naqueles lugares... obviamente não era verdade. Temos confiança no nosso trabalho, mas sabemos que é um percurso muito difícil; estamos entre os melhores do mundo, que têm outro nível de preparação e são mais velhos. Mas acreditamos muito no que estamos a fazer e discutimos cada toque como se fosse o último. Foi assim que conseguimos um dia memorável."
Qual foi a sensação de chegar à medalha de prata?
Miguel: "A sensação foi mesmo essa, memorável. Não contava com o segundo lugar. O objetivo era atingir o quadro principal e talvez o de 32, mas com a esgrima que estava a fazer fui avançando e ganhando confiança. Começou a fluir melhor e foi assim que cheguei à medalha."
Mas o vosso desempenho não se destacou só pelo pódio. Chegaram os três aos quartos de final...
Filipe: "É engraçado, porque em outras provas já consegui aplicar este nível de esgrima e sem progredir tanto. Agora consegui estar bem em todos os momentos decisivos, fui consistente ao longo do dia."
Só o Miguel teve 11 adversários. Já tinham vivido um dia de competição tão longo?
Miguel: "Tinha sido parecido no Mundial de juniores do ano passado, onde fui sétimo. Éramos muitos, até mais. A sensação foi diferente, porque agora consegui a medalha e lá tinha ficado à porta, mas já fora a sensação de ir além das minhas expectativas. Mantenho os pés na terra. Isto foi um dia, espero muitos assim, mas também estou preparado para ter outras provas em que não vá a este patamar."
O momento mais alto foi o confronto de irmãos nos quartos de final?
Filipe: "É um jogo que acontece todos os dias, mais do que uma vez, durante os treinos. Já nos encontramos em prova e foi mais um jogo. Apesar de ser meu irmão, era um adversário a que queria ganhar. Sendo um irmão, fiquei na mesma feliz por ser ele a ganhar."
Miguel: "Por acaso já tínhamos comentado que nos nossos jogos há muitas oscilações. Um ganha distância, o outro recupera. Só não estávamos habituados a acontecer isto num contexto internacional e num dia que estava a ser bom para os dois."
"Ter os dois [filhos] a defrontarem-se numa fase tão adiantada foi um grande orgulho"
Como foi para um pai e treinador ver os dois a discutir uma medalha entre eles?
Nuno Frazão: "Eu estava a assistir ao assalto do Max Rod, que estava também nos quartos de final e na pista ao lado. É um misto de sensações. A minha posição era a mais confortável. Ainda por cima tendo dois jogadores em patamares que não imaginávamos. Claro que fica um sentimento especial, por estarem a discutir uma medalha no segundo evento multidisciplinar mais importante do mundo. Ter os dois a defrontarem-se numa fase tão adiantada foi um grande orgulho. Mas faz parte da nossa cultura saber que o sucesso de um é o insucesso do outro. A esgrima não é como o atletismo, em que o último numa maratona pode bater o recorde pessoal. Aqui alguém ficava para trás e o outro entraria num registo histórico, ao receber uma medalha. O principal foi acabar em 15-14, provando que qualquer um deles merecia. Tiveram um dia extraordinário. E venceram adversários que já tinham sido medalhados antes."
Este foi um dos melhores resultados de sempre da esgrima nacional?
Nuno Frazão: "A esgrima tem, num passado recente, medalhas do João Gomes em Europeus, no florete, a equipa de florete foi campeã da Europa em 2000, o Joaquim Videira foi vice-campeão do Mundo de espada em 2006. Mas agora fizemos história nuns Jogos Europeus e sabemos que há alguns anos faltava à nossa esgrima um resultado com esta dimensão e visibilidade. Estamos muito contentes."
"É muito difícil chegar aos Jogos Olímpicos com o sistema de qualificação da esgrima; e isto não é falta de ambição"
O próximo passo é tentar a qualificação para os Jogos Olímpicos?
Nuno Frazão: "Faz parte dos objetivos e acumula todos os nossos três patamares, porque é tambem um sonho. Mas não um sonho que nos persiga. O Miguel dizia há pouco que não pode tirar os pés da terra. Tem toda a razão e isso não é falta de ambição. É muito difícil lá chegar com o sistema de qualificação da esgrima, privilegiando os jogadores que se vão apurar para a prova individual pelas equipas. Nós por equipas só desde o ano passados passamos a ter esta, com Filipe, Miguel e Max Rod. Começamos no Campeonato da Europa do ano passado. Além dos apurados das equipas sobrará uma pequena franja, que até deixará de fora alguns medalhados do circuito mundial. Mas temos um lema: enquanto os lugares estiverem em discussão, contem connosco."
Mas nestes Jogos Europeus, o segundo, sexto e oitavo significaram o melhor resultado coletivo...
Nuno Frazão: "Se olharmos aos resultados da prova individual como uma equipa, mais nenhum país tinha três nos quartos de final e ainda tivemos a prata. Fomos o melhor país. Mas o sistema da competição por equipas é diferente".
A medalha não faz pensar que pode chegar a Paris'2024?
Miguel: "O objetivo é continuar neste patamar. Na esgrima tanto podemos ganhar a mais fortes como perder com mais fracos. Aqui ganhei a alguns que estão num patamar mais avançado. O meu objetivo principal é chegar à qualificação olímpica de zona, que apura só um atleta. Mas vou mais por aí do que pelo ranking mundial."
Então só podem sonhar com o apuramento por equipas...
Filipe: "Como equipa também é difícil, que começamos no ano passado. Há jogadores mais experientes, muito mais à frente no ranking. Mas estamos focados. Esta equipa vai prova a prova e no Mundial do ano passado fomos 14.ºs. Pensamos só no jogo que temos à frente, por isso ultrapassamos equipas que em teoria eram mais fortes. Mas também tínhamos sido últimos no Campeonato da Europa, um mês antes. E logo a seguir os 14.ºs do mundo..."
"Eles fizeram natação, tiveram liberdade de escolha; mas nasceram neste meio"
O Nuno Frazão foi olímpico em Atlanta'1996, antes houve o Rui Frazão... A família está toda na esgrima?
Nuno Frazão: "O Rui Frazão é meu irmão, foi olímpico em Barcelona'1992, e chegamos ambos à esgrima através do pentatlo moderno. Ele primeiro, eu depois porque jogava futebol e tive de deixar devido às dores de crescimento num joelho. Foi assim que cheguei à esgrima e que toda a família acabou por cá estar."
E chamou os seus filhos...
Nuno Frazão: "Não, eles primeiro fizeram natação. Tiveram liberdade de escolha, queríamos que vissem e pudessem escolher outros desportos. Mas nasceram neste meio. Costumo dizer que o Filipe, quando nasceu, ainda passou pela sala de esgrima para eu fazer o treino e só depois chegou a casa."
Não estão a seguir as pisadas do pai e do tio?
Nuno Frazão: "Eles estão a escrever a sua história. É curioso serem irmãos, terem o apelido do pai e do tio, mas tal como na equipa que estamos a construir, com o Max, o importante é ter a individualidade de todos eles. Na equipa está o que cada um tem de especial. Eles não são iguais, são o Miguel e o Filipe."
É verdade, foram vocês que quiseram a esgrima?
Miguel: "Não sei bem como cheguei, foi natural. Estava naquela ambiente. Fiz natação, que os meus pais abriram outras portas. Mas houve uma fase em que tinha de decidir e abdiquei da natação por gostar mais da esgrima."
O irmão mais velho certamente começou primeiro?...
Filipe: "Ia todos os dias para o clube e aos três anos entrei para os mais pequeninos".
" O importante foi ver-se esgrima na televisão, isso já é algo de novo"
A esgrima tem poucos praticantes em Portugal. Como podem conseguir mais atletas?
Filipe: "Se calhar investindo nas escolas, que é onde todas as crianças estão. Temos de lhes mostrar que a esgrima existe e que, tal como nós, podem gostar. É um desporto divertido, não existe só a vertente competitiva. Em Portugal há milhares de clubes de futebol e nem todos vão chegar a jogadores profissionais. Podem entrar na esgrima encarando-a dessa forma."
Uma medalha nos Jogos Europeus pode ajudar a chamar gente?
Miguel: "A medalha pode ajudar, mas eles sabem melhor, que estão formados em Desporto. Eu estudo Comunicação Social. O importante foi ver-se esgrima na televisão, isso já é algo de novo. O destaque deste resultado pode mostrar a nossa história e levar alguns a pensar que querem experimentar. O resultado foi importante para isso. Espero que alguns venham e achem divertido".
Nuno Frazão: "Se esta medalha servir para fazer mais um atleta, já terá sido positivo".