Filipa Martins e o exemplo da ginástica: "As crianças não fazem nada. As tecnologias são prejudicais"
ENTREVISTA >> Acabada de chegar de um Mundial no Japão onde esteve fantástica - em duas finais, foi 7.ª no "all-around" e 8.ª em paralelas -, Filipa Martins regressou à universidade, mas, simpática e ótima conversadora, falou a O JOGO.
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Depois dos Jogos Olímpicos a Filipa disse a O JOGO que não tinha a certeza de ir a este Mundial...
-Sim. Não sabia como é que ia estar depois dos Jogos Olímpicos, porque tinha sido uma preparação um bocadinho dura e sabia que ia estar cansada. No entanto, antes dos Jogos já tinha decidido, na minha cabeça, que queria fazer o campeonato do Mundo e preparar os próximos três anos. Por isso decidi ir.
Pelos resultados que obteve, ainda bem que foi. Mas as expectativas que tinha eram a de chegar lá e fazer o que fez, com as classificações que conseguiu?
-Eu ia com boas expectativas, mas não imaginava que ia chegar tão longe. Queria chegar à final all-around e tentar a de paralelas, porque nos Jogos Olímpicos fiquei perto, mas sabia que era difícil também.
"Habitualmente sou sempre do último grupo, ali pelo vigésimo, vigésimo quarto lugar, não esperava apurar-me em sexto"
Conseguiu duas finais, era algo que tinha verdadeiramente pensado ou era mais uma coisa com que sonhava?
-A de paralelas sonhava um pouco, a outra acho que já era mais fácil chegar lá, embora não contasse ficar logo no primeiro grupo. Habitualmente sou sempre do último grupo, ali pelo vigésimo, vigésimo quarto lugar e não esperava apurar-me em sexto. Quando acabei a minha prova ainda faltava metade do dia seguinte de qualificações. Acabei logo em terceiro e sabia que a seguir não eram ginastas muito fortes, eram três ou quatro países, ou seja, sabia que a final era certa, o que ainda não sabia era em que posição ficaria.
Quando tudo acabou e percebeu que foi sétima e oitava, o que sentiu?
-Tive ali uma pequena falha nas paralelas, mas foi um sentimento muito bom, de perceber que ia conseguir um diploma para Portugal, o primeiro. Já tinha conseguido ir à final all-around duas vezes, em 2014 e 2017, mas nunca tinha ficado em lugares tão elevados... Foi um feito.
Disse um dia que chegar às medalhas era impossível ou praticamente impossível, mas a verdade é que não andou longe...
-Sim e não. Se formos analisar pelas notas sim, acabamos por ficar todas muito perto umas das outras, mas, na verdade, os três primeiros lugares ainda se distanciam um bocadinho. No entanto, este Mundial também era um pouco diferente, porque depois dos Jogos Olímpicos muitas ginastas acabam por optar não ir e vão outras mais novas, mais inexperientes e isso às vezes facilita para o meu lado porque já sou um bocado mais velha.
Por falar nisso, como é competir com adversárias de 16/17 anos?
-Não ligo muito isso. Também já tive a idade delas e já competi contra pessoas mais velhas, por isso é igual (risos).
ilipa não pára de fazer história na modalidade em que se iniciou com apenas quatro anos. A ideia dos pais era cansar uma criança hiperativa, depois era ir dar umas cambalhotas. Hoje é a melhor de sempre
Na verdade, com 25 anos também ainda é uma menina...
-(risos) Sim... mais ou menos. Sei que há muitas ginastas que me veem como referência, mas a verdade é que ainda não tenho a noção de que sou isso para alguém. Tento fazer o meu trabalho, esforço-me por conseguir aquilo que quero e esqueço-me que a minha dedicação e esforço pode cativar ginastas mais novas, que estão a começar.
Como é ser-se aquilo que alguém um dia já foi para si, alguém que é um exemplo a seguir?
-É bom, creio que Portugal também já precisava um bocadinho disso, alguém assim. Mas, como disse, sempre que faço algo não é pensar nos outros nem nas outras gerações, mas sim a pensar no meu trabalho e objetivos. Agora, percebo que consigo coisas que poderão cativar mais miúdas a fazer ginástica, o que também é bom porque cada vez se veem mais crianças a não querer fazer desporto. Aliás, hoje as crianças não fazem nada. As tecnologias são prejudicais.