Um etíope de uma família de agricultores partiu entre a multidão, apanhou os profissionais, para surpresa geral foi terceiro e ganhou 54 mil euros.
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Quando, por volta dos 35 quilómetros, o grupo da frente da Maratona de Nova Iorque se reduziu de 12 para cinco atletas, todos africanos, as interrogações surgiram: quem era aquele com o número 443, que se destacava entre os que corriam com o nome no dorsal, privilégio dos profissionais convidados?
Girma Bekele Gebre tem 26 anos e além de trabalhar com a família já ganhava dinheiro em corridas nos Estados Unidos. A sua proeza de domingo não tem precedentes e vai mudar-lhe a vida
A dúvida cresceu até ao final, quando o 443 abriu os braços para festejar o terceiro lugar, em 2h08m38s. Era Girma Bekele Gebre, um etíope amador que subitamente se transformava na surpresa do ano. O seu feito, num mundo das maratonas altamente profissionalizado, não tem precedentes.
"Não tenho patrocinadores. Nem empresário. Eu corro individualmente", disse no final o etíope de 26 anos, com a ajuda de um intérprete. Gebre é de uma família de agricultores, com os quais trabalhou nos últimos meses, em Adis Abeba, enquanto treinava com um grupo local para a maratona do passado domingo. A sua vida, no entanto, já vinha sendo sustentada pelos prémios de pequenas corridas que faz nos Estados Unidos, inscrito pelo clube nova-iorquino West Side Runners. Nenhuma delas comparável a uma maratona que faz parte do lote das seis maiores do mundo.
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Em 2018 existira uma proeza semelhante, a de uma enfermeira de Tucson, Arizona, que fora segunda na Maratona de Boston. Mas Sarah Sellers era uma atleta que tinha interrompido a carreira devido a lesão e tinha-se estreado um ano antes nos 42,195 km com uma vitória em Huntsville. E existe outra diferença ainda mais importante: ela partira junto das mulheres de elite, enquanto Gebre, ao largar entre os amadores, só depois dos cinco quilómetros se encontrou com os profissionais, já em Brooklyn, onde o percurso passa a ser comum. Como queria juntar-se aos primeiros, que por sorte começaram lentos, o etíope foi mesmo o mais rápido na fase inicial da corrida (tinha cinco segundos de vantagem pouco antes da junção).
Depois, foi uma surpresa constante. Era a primeira vez que estava entre alguns dos melhores do mundo, como os quenianos Geoffrey Kamworor e Albert Korir, que o viriam a bater, mas aguentou até aos últimos quilómetros, embora tivesse de beber a água ou as garrafas de Gatorade disponibilizadas pela organização aos 50 mil populares, enquanto os profissionais tinham abastecimentos personalizados, com sais e açúcares de consumo rápido.
Curiosamente, os West Side Runners tinham pedido para inscrever o seu etíope como atleta de elite, mas a pretensão fora recusada. Gebre só era conhecido em provas de amadores e no ano passado tinha sido 19.º nesta mesma maratona, em 2h18m18s, não sendo então sequer o melhor do seu clube - o também etíope Tadesse Dabi fora 12.º, em 2h13m57s. Desta vez, e mesmo vomitando mal terminou, Gebre foi a sensação do ano.
Evolução de Gebre
Cinco minutos e oito segundos foi a evolução de Girma Bekele Gebre entre a Maratona de Pittsburgh, que correra em maio, batendo na altura o recorde pessoal (2h13m46s) e sendo segundo, e a de Nova Iorque, onde ao terminar na casa dos 2h08 se tornou no 247.º maratonista do ano. A sua evolução em relação ao ano passado foi ainda mais brutal, pois tinha 2h16,29 como recorde pessoal. Ao evoluir cerca de oito minutos num ano, e mesmo tendo treinado em altitude, o etíope gerou algumas suspeitas.
Totalizou 54 mil euros em prémios
O terceiro lugar em Nova Iorque vai mudar a vida do humilde etíope. Girma Bekele Gebre recebeu um total de 60 mil dólares (54 mil euros) em prémios, ao somar o do terceiro lugar (40 mil dólares), ao da marca abaixo dos 2h09 (15 mil) e ao de melhor federado nova-iorquino (5 mil). Dizendo que a verba será para ajudar a família, vai poder trocar o quarto onde habitualmente dorme, na casa de amigos do Bronx, pelos hotéis pagos pelas organizações, pois não lhe faltarão convites, e a pagar. E até as sapatilhas Nike Next%, iguais às de Kamworor, mas que teve de comprar, lhe deverão ser oferecidas por uma multinacional que estará a esfregar a mãos de contente com tanta publicidade gratuita...