Desporto continua a ser ignorado: propostas das federações ficaram na gaveta dos políticos
Só três partidos apresentam medidas para o desporto: PS, BE e PAN. Propostas saídas das cimeiras das federações ficaram na gaveta dos políticos. Federações uniram-se nos meses de pandemia e estudaram formas de melhorar o desporto de um país que está na cauda da Europa nos índices de atividade física. Os partidos não aproveitaram
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A pandemia trouxe prejuízos talvez irreparáveis ao desporto português, mas também uma notícia positiva: as federações uniram-se de uma forma nunca antes vista, tanto em duas cimeiras, promovidas por Comité Olímpico de Portugal (COP), Comité Paralímpico (CPP) e Confederação do Desporto (CDP), como na formação de um grupo de trabalho com as cinco mais fortes - futebol, andebol, basquetebol, patinagem e voleibol.
Foram dois anos de trabalho intenso nos gabinetes, em busca de soluções para a crise imediata, mas surgindo igualmente ideias para permitir a recuperação e um futuro melhor. Tanto o Governo como os partidos políticos foram sendo informados, o COP fez mesmo uma ronda por todos, apresentando as propostas saídas da união de todo o desporto, e de eleições à porta a desilusão é profunda. O aproveitamento foi quase zero.
Tanto o Comité Olímpico como as principais federações se escusaram a comentários públicos em período de campanha eleitoral. É compreensível, pois as opiniões certamente não seriam muito positivas. Se da FPF nos chegou uma resenha das ideias mais importantes, do COP remeteram-nos para as propostas saídas das duas cimeiras e para o documento que José Manuel Constantino levou aos partidos, em novembro. Aí se elencam as principais medidas de um setor que pode dar um contributo fundamental para a saúde pública e que em 2019 representou 200 mil dormidas, de atletas e dirigentes vindos de centena e meia de países.
Com o início da campanha eleitoral, os dirigentes desportivos perceberam que, entre os nove partidos com assento parlamentar, só três - PS, BE e PAN - dedicam um espaço digno ao desporto. Os restantes têm poucas linhas e só referem generalidades - em regra mais ligadas à saúde -, enquanto o Chega não publica uma única linha.
O programa do PS é aquele que mais se aproxima das ideias do movimento desportivo - o que sustentou a crítica recente do secretário de Estado do Desporto, João Paulo Rebelo: "Numa rápida leitura dos programas eleitorais dos partidos, noto que muitos não conseguiram verter nada, ou quase nada, do que tencionam fazer para este setor" -, baseando-se em muitas das metas que constavam no Orçamento de Estado apresentado (e chumbado) em outubro passado.
Esse documento foi criticado pela generalidade dos agentes desportivos, por prever 43,1 milhões de euros para o setor (só mais três milhões do que no ano anterior, de crise profunda) e terem metas como colocar Portugal entre as 15 nações europeias com cidadãos fisicamente mais ativos. A realidade de 2017 (não há dados europeus mais recentes) revela Portugal no fundo da tabela, sendo mesmo o último quanto a cidadãos com atividade física "vigorosa", a que inclui... os atletas.
As propostas entregues aos partidos
O COP apresentou aos partidos, em novembro, o documento intitulado "Valorizar e Afirmar o Desporto", com medidas saídas da Cimeira das Federações Desportivas, que incluíam incentivo à prática de atividade desportiva e aquisição de serviços desportivos, fundo de pensões, regime fiscal específico dos praticantes, limitação à dedução do IVA nas despesas da atividade desportiva, bolsas de formação e reforma do regime jurídico do dirigente desportivo.
O resumo das propostas é o seguinte:
- Estabelecer com outros subsistemas desportivos, como o escolar, processos de identificação, seleção, orientação e promoção de atletas;
- Aprofundar relações de cooperação e parcerias técnico-científicas com instituições nacionais e estrangeiras, assegurando aos atletas acompanhamento adequado na sua preparação;
- Promover a investigação científica, o desenvolvimento tecnológico e a inovação nas Ciências do Desporto;
- Iniciativas junto dos escalões mais jovens, inspiradoras de uma atitude de exigência nos planos da preparação e da competição;
- Introduzir no Programa Nacional de Formação de Treinadores competências práticas em matéria de prevenção da manipulação de competições, abuso, assédio, saúde mental e violência;
- Organizar o percurso escolar dos jovens de modo a compatibilizar estudos e treino, nos termos já adotados para áreas artísticas;
- Fomentar, com as federações, iniciativas que levem a um aumento significativo do número de praticantes;
- Estimular a representatividade de dirigentes portugueses as organizações desportivas internacionais;
- Fomentar a relação do desporto com os segmentos económicos;
- Estratégia de organização de eventos internacionais.
FPF tem lista de medidas a aplicar
A Federação Portuguesa de Futebol, a pedido de O JOGO, explicou que gostaria de ver, nos programas dos partidos, medidas que promovam o aumento de federados, o crescimento do desporto feminino, aumento de infraestruturas desportivas, maior e melhor uso do desporto como promotor de saúde, educação e inclusão, maior reconhecimento pelos dirigentes desportivos benévolos, incentivo fiscal à retenção do talento nacional no país e maior combate ao racismo e xenofobia.
Um exemplo neozelandês
Há formas pouco dispendiosas de promover o desporto, como exemplifica a Nova Zelândia. Antes dos Jogos Olímpicos, todas as escolas do país foram desafiadas para cumprir a distância até Tóquio, estimada em 2044 quilómetros, individualmente ou em grupo, a uma média diária de 25 a 30 km. Mais de 250 escolas aderiram, recebendo cerca de 300 visitas de atletas olímpicos. Uma dica: de Portugal a Paris, onde há Jogos em julho de 2024, são entre 1600 (Porto) e 1700 (Lisboa) km...
DESPORTO NO PROGRAMA DOS PARTIDOS
PS: programa de 122 páginas, no qual aparece cinco vezes a palavra desporto
Um governo PS vai continuar a potenciar o contributo do desporto, concentrando a sua atuação em dois objetivos estratégicos principais: (1) afirmar Portugal no contexto desportivo internacional e (2) colocar o país no lote das 15 nações europeias com cidadãos fisicamente mais ativos, na próxima década. Para alcançar estes dois grandes objetivos, um governo PS vai: elevar os níveis de atividade física e desportiva da população, promovendo o desporto escolar e os índices de bem-estar e saúde de todos os estratos etários. Promover a excelência da prática desportiva, melhorando os Programas de Preparação Olímpica e Paralímpica. Impulsionar programas de seleção desportiva que identifiquem e garantam a retenção de talentos. Promover a articulação entre o sistema educativo e o movimento desportivo. Promover a conciliação do sucesso académico e desportivo, alargando ao ensino superior o bem-sucedido projeto criado em 2016 no ensino secundário, denominado Unidades de Apoio ao Alto Rendimento na Escola. Criar instrumentos que garantam a atletas olímpicos e paralímpicos, após a cessação da prática desportiva, as condições favoráveis à sua admissão nos serviços e organismos da administração central e local. Promover a cooperação entre autoridades, agentes desportivos e cidadãos, com vista a erradicar comportamentos e atitudes violentas, de racismo, xenofobia e intolerância. Continuar a reabilitação do parque desportivo. Promover a coesão social e a inclusão. Promover uma estratégia integrada de atração de organizações desportivas internacionais para a realização em Portugal de eventos de pequena e média dimensão (estágios, torneios, conferências) e de promoção de Portugal enquanto destino de Turismo Desportivo. Continuar o combate à dopagem e à manipulação de resultados.
PSD: programa de 165 páginas, referindo três vezes a palavra desporto
Desenvolver o conceito de "Aldeia Com Vida/ Aldeia Lar/Aldeia Social", centrado no aproveitamento de aldeias/vilas do interior. Para isso propomos: políticas de saúde e desporto para o envelhecimento ativo e saudável; políticas centradas nas características de uma vida saudável. Garantir o Princípio da Continuidade Territorial, assumindo a República as suas responsabilidades (...) na cultura e no desporto.
BE: programa de 203 páginas, com 14 referências a desporto
O direito à atividade desportiva consta da Constituição da República Portuguesa e, por isso, apresenta-se como um dos pilares das obrigações do Estado para com os cidadãos e cidadãs. O desporto é um instrumento de inclusão social. Em Portugal, o investimento público em desporto ronda os 52 euros por habitante, muito abaixo da média da europeia, que se situa nos 108 euros. Esse baixo investimento crónico deve ser contrabalançado na resposta à crise. A pandemia da covid-19 tornou-se não apenas uma crise da saúde pública. O setor do desporto é um dos mais afetados, dada a paragem longa a que a maioria das modalidades está sujeita. Propostas: criação de um Fundo de Apoio ao Desporto, com especial enfoque no movimento associativo de base e nos clubes de formação. Capacitação do Desporto Escolar e dos seus Docentes, através do aumento da dotação para o programa, modernização dos espaços de atividade física nas escolas públicas e apoios aos docentes de Educação Física responsáveis pelo programa. Inclusão do Conselho Nacional de Associações de Profissionais de Educação Física e Desporto e da Sociedade Portuguesa de Educação Física no Conselho Nacional do Desporto. Combate à violência no desporto, apostando numa metodologia de corresponsabilização dos clubes desportivos e das respetivas SAD, e ainda reforçando do ponto de vista orçamental e de pessoal o IPDJ e as autoridades competentes na matéria. Aumento gradual das bolsas para atletas olímpicos e paralímpicos.
CDU: programa de 16 páginas e seis vezes a palavra desporto
Promover o direito à Educação, à Ciência, à Cultura e ao Desporto, mais e melhores Serviços Públicos. Apoiar o movimento associativo e popular de cultura e desporto. Implementar uma Estratégia Nacional para o Desporto, ancorada na dinamização do Desporto Escolar.
CDS-PP: programa de 17 páginas, duas referências ao desporto
Valorizar o desporto na atividade escolar, pela sua importância no desenvolvimento pessoal e na saúde pública, e reforçar as verbas para o desporto de alto rendimento.
PAN: programa de 175 páginas, com 30 referências a desporto
Deduzir a prática de atividades físicas e desporto em sede de IRS. Contratar profissionais com formação em atividade física e desportiva para promoverem programas de prática de atividade física dirigidos a pessoas com patologias específicas e promoção da mobilidade. Interdição da pesca assumidamente desportiva. Interditar a caça assumidamente desportiva. Implementar uma campanha de erradicação de xenofobia e racismo nas atividades desportivas. Estimular e apoiar programas de participação em atividades culturais e desportivas como forma de integração na sociedade. Recentrar o desporto nas prioridades educativas. Garantir que a educação e atividade física fazem parte de todos os projetos educativos desde o Pré-Escolar ao Ensino Superior. Integrar professores/as com formação especializada em Educação Física e Desporto em todos os ciclos de ensino. Garantir as condições necessárias para qualquer escola a nível nacional possa adotar a legalmente prevista coadjuvação dos professores titulares do 1º CEB pelos professores especialistas em Educação Física do respetivo agrupamento. Alocar à Educação Física, em cada um dos 4 anos de escolaridade do primeiro ciclo, o mínimo de 3 sessões semanais de 50 minutos. Apostar em programas centrais de desporto escolar. Integrar os recursos das escolas com as estruturas da comunidade, para que qualquer estudante possa usufruir de formação desportiva. Dotar as autarquias de meios financeiros adequados para assegurar espaços de qualidade para a prática da atividade física e desporto. Mobilizar as famílias e a comunidade para a atividade e prática desportiva na escola. Valorizar o desporto saudável e o fair play.
Chega: programa sem qualquer referência ao desporto
IL: programa de 614 páginas e três vezes a palavra desporto
Promover que a saúde mental seja considerada: nas várias áreas da vida da pessoa, tais como, a escolar e educacional, a saúde e a clínica, a laboral, a área do desporto e do bem-estar físico.
Livre: programa de 113 páginas e desporto referido duas vezes
Promover a saúde e prevenir a doença (...), promovendo a prática da atividade física e desportiva em todas as idades, reforçando nas escolas a importância da disciplina de Educação Física e o Desporto Escolar.