Ciclismo "assustou-se" com Jorge Mendes, mas sem razão: a rede de agentes fora do futebol
TEMA - Em Portugal, há empresários em todas as principais modalidades, mas o tipo de negócio e o mercado variam entre elas. A maioria das transações envolvem dezenas ou centenas de milhares de euros, não sendo muito atrativas para empresários que movimentam milhões, embora uma empresa do universo Jorge Mendes faça parte da equação.
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Marc Madiot, um dos mais famosos managers de equipas de ciclismo francesas, assustou-se com a entrada da Polaris, empresa ligada a Jorge Mendes, no ciclismo com a parceria estabelecida com João Almeida, Rúben Guerreiro, André Carvalho e os irmãos Oliveira, mas sem razão.
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Os interesses do superagente fora do futebol são apenas na gestão da imagem de atletas, o que se compreende, pois o mercado das modalidades é muito específico e variado, obrigando a conhecimentos profundos em cada uma, e os valores envolvidos, sobretudo no mercado europeu, estão muito longe dos milhões do futebol. Só nos EUA outras modalidades têm negócios à altura - e superiores - das transferências de um Cristiano Ronaldo e João Félix, de tal forma que o top 3 das agências mais valiosas do mundo em 2020, segundo a Forbes, envolve nomes como Paul George, Chris Paul, Drew Brees, Russell Westbrook, Tiger Woods, Blake Griffin ou Kemba Walker, surgindo a a Gestifute em sétimo.
"Isto não tem nada a ver com a Gestifute, no sentido de que não é o Jorge Mendes que vai fazer uma transferência. O foco dele é o futebol", vinca a O JOGO Miguel Bivar Ramos, manager na Polaris, que "aposta nos melhores atletas portugueses e que se encontram também entre os melhores do mundo projetando ao máximo a imagem deles", como é o caso do tenista João Sousa, um dos casos mais representativos de sucesso desta associação. "Sei que o Jorge está a apostar no ciclismo, canoagem, atletismo, como já estava no ténis e no surf, e é bom que procure ajudar outros atletas de outras modalidades, e não apenas do futebol, o que é sempre bom para todos", defende o vimaranense, em referência aos casos de Fernando Pimenta, Patrícia Mamona, Frederico Morais, Afonso Antunes, além dos ciclistas.
Quem são e do que tratam os empresários ligados às modalidades? E o que faz Jorge Mendes aqui? O mercado está longe dos milhões americanos
Bem diferente do futebol, no ciclismo, atletismo ou ténis os empresários não têm nas transferências de atletas a base do seu negócio. Mas há algumas semelhanças. "Há todo um trabalho anual, de promoção, de investimento, de estudo, de orientação de carreira e de saber se tudo o que foi acordado está a ser cumprido", como conta o empresário de basquetebolistas Nuno Pedroso. "É uma comunicação constante entre treinadores e diretores", acrescenta, realçando ser "importante ter o conhecimento real do tipo de jogo que se pratica no país, do estilo de jogo do treinador para apresentar opções que vão de encontro às necessidades de cada equipa".
ANDEBOL - Um mercado pequeno e de cariz familiar
"O nosso trabalho, e o meu é numa agência alemã, é encontrar projetos para os jogadores, diferente de encontrar um clube. Se um clube quer dar um futuro a um atleta é diferente de outro que, por exemplo, só precisar de um lateral apenas para um/dois anos", explica a O JOGO Phillipe Bosere, empresário que trabalha muito o mercado português. No andebol, há empresários há 25/30 anos, quando alguns jogadores terminaram as carreiras, especialmente espanhóis, e decidiram enveredar por esse caminho. Jogadores como Ricardo Costa e Ricardo Andorinho, que foram dos primeiros a emigrar, nos anos 1990/2000, já foram colocados por empresários. "Muitos seguem carreiras por etapas, vão melhorando de clube passo a passo, mas agora isso não é fácil, os clubes não estão estáveis", alertou o empresário. "O andebol não é como o futebol, é uma família, um mundo pequeno e as relações com os clubes são feitas de confiança", avança Bosere, fazendo um alerta: "Há muito menos dinheiro, nem se pode comparar. É verdade que há um Karabatic e um Mikkel Hansen, mas os seus valores não se comparam aos de Messi ou Cristiano Ronaldo. Aliás, há jogadores na I Divisão francesa a ganhar 1000 euros por mês". A finalizar, explica que "o empresário ganha uma percentagem, que varia, e é paga pelo clube que compra o jogador".
CICLISMO - Do superagente italiano às boas apostas da Corso
Há 33 empresas de agenciamento no ciclismo - mas mais de uma dezena de dimensão familiar -, sendo a mais famosa a que leva o nome do seu proprietário, o italiano Giuseppe Acquadro, que gere as carreiras de nomes como Egan Bernal, Richard Carapaz e Nairo Quintana. Uma delas, a holandesa SEG, reparte-se entre futebol e ciclismo, mas embora tenha 400 clientes (incluindo eSports e música) está longe do poder de uma Gestifute. A Corso, gerida por João Correia e Ken Sommer, aliou-se agora à empresa de Jorge Mendes e tem-se destacado pela aposta em ciclistas promissores. Os portugueses João Almeida, Ruben Guerreiro, André Carvalho e os gémeos Ivo e Rui Oliveira, mais o vencedor do Giro, Tao Geoghegan Hart, e o ex-campeão mundial Mads Pedersen são garantias de futuro. No mercado português foi, no entanto, a espanhola Velofutur, do galego Juan Campos, a mais famosa durante muitos anos, tendo levado Rui Costa para a Movistar e a UAE Emirates. Sendo raras as verbas de transferências entre equipas - e a maior terá sido a de Egan Bernal, da Androni Giocattoli para a Ineos, por 350 mil euros - os empresários vivem de uma percentagem dos salários e prémios dos corredores, em regra 10%, tendo decaído a outra oportunidade de negócio, a colocação de equipas em provas. Em Portugal as contratações já se fazem diretamente com as equipas e pelotões formados por empresários só continuam a ser negócio fora da Europa.
Há 33 empresas de agenciamento no ciclismo - mas mais de uma dezena de dimensão familiar -, sendo a mais famosa a que leva o nome do seu proprietário, o italiano Giuseppe Acquadro, que gere as carreiras de nomes como Egan Bernal, Richard Carapaz e Nairo Quintana
ATLETISMO - Há 45 empresas a fazer listas de inscritos
O irlandês Ricky Simms, de 46 anos, foi o empresário de atletismo que mais ganhou com um atleta, ao gerir a carreira de Usain Bolt, fenómeno que podia cobrar 200 mil euros por alinhar numa corrida ou 75 mil por dar uma palestra. Num desporto em que não existem verbas nas transferências entre clubes - há tabelas de compensação, mas com valores baixos -, a tarefa dos agentes é colocar atletas em provas, um mercado tão atraente que a Association of Athletics Managers (AAM), criada em 2006, tem 45 empresas registadas. A Pace Sports, de Simms, é das mais importantes, mas está longe do poder da Global Sports, do holandês Jos Hermans, que domina os mercados africano e chinês, tendo 234 atletas, 150 deles de topo - no último Mundial contou 19 medalhados. Com alguns agentes a especializarem-se em tipos de atletas - há empresas dedicadas a fundistas, velocistas ou disciplinas técnicas - ou zonas geográficas, em Portugal o mercado reparte-se sobretudo entre três: a Inter Sport Clube, de José Praia, a Miguel Mostaza, do empresário espanhol com o mesmo nome, que tem atletas como Carla Salomé Rocha, Catarina Ribeiro ou Mariana Machado, e a Sport Etalon, da moscovita Valentina Fedjuschina, que possui sede em Lisboa e um portefólio de 129 atletas, incluindo Evelize Veiga, Irina Rodrigues, Francisco Belo e Carlos Nascimento, entre outros. A Polaris de Jorge Mendes está no atletismo, com Patrícia Mamona, mas gerindo apenas os seus direitos de imagem, num acordo semelhante ao que Nelson Évora sempre teve com a Glam.
BASQUETEBOL - Um caso único em Portugal e uma ascensão meteórica na NBA
Em 2016, depois de deixar de jogar, Nuno Pedroso (41 anos) tornou-se empresário de jogadores, fundando, há quase dois anos e com um sócio americano, a Flex Sports Management, que atualmente representa cerca de 40 atletas, tendo já "alcance para trabalhar em qualquer país do mundo", segundo o antigo internacional, quase caso único de um português a atuar em Portugal e a expandir-se lá fora. Por cá, ter agente já é uma prática antiga, tendo António Pereira e Paulo Sérgio sido os nomes principais da área durante largos anos. "Desde esses dois casos, não houve mais nenhum português que sobressaísse e essa também foi uma das razões de eu apostar nesta atividade. Logicamente esse tempo todo em que não houve ninguém de cá a trabalhar na área permitiu a entrada de agentes de fora, porque os estrangeiros continuavam a vir e os jogadores portugueses estavam cá e precisavam de ter esse apoio", lembra, confirmando que "em países onde a cultura basquetebolística é muito grande, há agentes poderosíssimos que faturam milhões" e explicando como funciona o negócio. "Os agentes ficam com uma percentagem que é paga pelos clubes. Ao contrário da NBA, a comissão da mediação sai do salário do atleta diretamente para o agente, no mercado europeu a prática é ser a equipa a pagar essa comissão. Em 98 por cento dos casos é assim". De facto, as grandes agências mundiais são as que têm estrelas da liga norte-americana, onde se assistiu a uma ascensão meteórica da Klutch, sob impulso de Rich Paul. Juntando LeBron James, Anthony Davis, John Wall ou Draymond Green, a agência subiu 23 lugares na lista das mais valiosas da Forbes nos últimos cinco anos.