Boris Becker e a passagem pela prisão: "Foi o alerta de que precisava para mudar"
Antigo tenista alemão esteve oito meses preso em 2022. EM entrevista, falou dos seus erros, do pesadelo que viveu, das grandes estrelas do ténis e da desilusão com a atual política e sociedade alemã
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Boris Becker, antigo tenista alemão, comentou, em entrevista ao El Mundo, a sua passagem pela prisão de Wandorst, em Londres, em 2022, durante oito meses (231 dias exatamente), após ter sido condenado por fraude fiscal.
"Foi difícil para mim encontrar o meu lugar na vida depois do ténis, cometi erros, passei por momentos maus e agora estou feliz", começou por dizer o antigo campeão olímpico que conquistou 49 títulos individuais.
"É um período sobre o qual preferia não falar em detalhe. Senti medo por vezes e paguei pelos meus erros, mas sempre aprendi muito mais com as derrotas do que com as vitórias. Aconteceu-me no ténis e aconteceu-me na vida. Até na prisão. Quando se tem tanto sucesso como tive, damos como garantido que vamos ter sempre sucesso, que somos invulneráveis. Tive de aprender que a maioria das pessoas não vence, que a vida é dura. Uma derrota tão dura como a prisão foi o alerta de que precisava para mudar. Tornou-me uma pessoa muito melhor do que era", relatou.
O antigo campeão e consagrado tenista mostrou-se incomodado com a pressão social e grande escrutínio por ser figura pública, nomeadamente com os seus problemas conjugais e financeiros a surgirem deslindados em público: "Tive uma perda total de privacidade que não desejaria ao meu pior inimigo. Foram anos muito difíceis para mim, viver assim é insuportável. Foi um pesadelo, mas no fim faz parte do processo e agora estou em paz com a vida. Tudo o que me aconteceu é uma consequência dos meus êxitos. Se não tivesse ganho Wimbledon aos 17 anos, se não tivesse sido o número um do mundo, se tivesse sido apenas um tenista mediano, não teria sofrido todos estes problemas. São duas faces da mesma moeda e agora aceito isso, mas houve alturas em que me apetecia desaparecer. Não estou ressentido com o meu passado, pelo contrário. Olho para a minha vida com muito orgulho. Foi intensa, não sabia que se podia viver tanto em 57 anos. Passado algum tempo, o ténis tornou-se aborrecido porque eu sabia exatamente o que tinha de fazer para ganhar. Quando o fazia vezes sem conta, não havia mistério, aborrecia-me e queria experimentar coisas novas. E foi o que fiz. Acertei nalgumas e errei noutras, mas tive experiências que nunca pensei que pudesse ter e ainda estou por cá para ensinar os meus quatro filhos sem que eles tenham de aprender nos manuais".
A fama a tenra idade truncou o projeto de se tornar arquiteto: "Felizmente, nessa altura ainda não existiam as redes sociais. Imagine um jovem alemão quase desconhecido a ganhar dois Wimbledons seguidos com 17 e 18 anos... Foi um choque para mim. A minha vida e o meu mundo já eram uma loucura, mas agora teria sido absolutamente insuportável."
Federer, Djokovic, Nadal e ainda Alcaraz
Boris Becker também comentou sobre o ténis mais recente: "Djokovic, Federer e Nadal? Chamo-lhes os três GOAT's (“Greatest Of All Time”) por uma razão, cada um foi o maior à sua maneira. Se tivesse de explicar a sua importância histórica, diria que Djokovic é o mais bem sucedido, Federer o mais popular e Nadal o mais temido. Se jogássemos contra o Rafa em Roland Garros, sabíamos que não podíamos fazer nada. Vencê-lo ali foi o único impossível num desporto onde tudo é possível. Carlos Alcaraz? É uma pressão muito difícil de suportar porque só há um Rafa. Dito isto, Carlos está a deixar a sua marca à sua maneira. Ainda é muito jovem e o melhor ainda está para vir. O Carlos tem mais talento natural, mas o coração do Rafa nunca esteve e nunca estará em nenhum outro atleta da história. O Carlos é fantástico, o Novak Djokovic e o Roger Federer são lendas, mas o Rafa estava num outro patamar de competitividade. Se num torneio visses que te cruzavas com o Nadal... Boa sorte, meu amigo."
Desiludido com o regresso da Alemanha à extrema direita
A política atual alemã e o rumo que a sociedade do seu país está a levar, com grande aumento da extrema direita, desilude Boris Becker, que vê a Alemanha a cometer erros do passado que julgava terem sido aprendidos: "Tomei decisões familiares que tiveram repercussões públicas, mas que me parecem absolutamente normais porque sou cego perante a cor da pele. Tenho filhos mestiços e vejo que eles sofrem as mesmas coisas que a mãe deles sofreu. Pensei que tínhamos aprendido com o passado, mas infelizmente não aprendemos. Como sociedade, cometemos os mesmos erros que cometemos há 20, 40 ou 60 anos. É muito dececionante. A questão é saber porquê. Sem entrar demasiado na política, penso que a qualidade dos políticos de hoje não está ao nível dos que tínhamos há 40 anos, quando foi criada uma grande Europa. Na Alemanha, por exemplo, havia uma grande consciência de que o que tinha acontecido no passado não se podia repetir e, no entanto, aqui estamos nós com um partido de extrema-direita [AfD] a obter milhões de votos. E não é só na Alemanha, há muitos países ocidentais que não aprenderam com os erros do passado e, nesse sentido, estamos a viver uma época perigosa. Honestamente, cresci com a esperança de que iríamos fazer um mundo melhor do que o dos nossos avós e acabar com todos estes tipos de movimentos, mas estava enganado. Estamos de novo no mesmo ponto."