Aos 43 anos, foi o guarda-redes mais eficaz do Mundial: "Não podia deixar passar"
Humberto Gomes é de Braga, tem 43 anos e continua a ser chamado à Seleção Nacional. Cumpriu o sonho de jogar um Mundial e deixou o Egito como guarda-redes mais eficaz.
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Começou a jogar andebol no Sporting de Braga, mas foi no ABC, o outro clube da cidade onde nasceu, na freguesia de São João do Souto, que passou a maior parte da carreira - 23 épocas, divididas em dois períodos (13 mais 10), contando com os escalões de formação. ABC que deixou na temporada passada, para integrar os quadros do Póvoa AC, que pela primeira vez joga no Campeonato Placard. Humberto tinha 42 anos quando assinou, mas isso, para o presidente dos poveiros, Oliveira Pereira, foi indiferente.
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O que não passou ao lado de ninguém foram as exibições do terceiro mais velho jogador do Mundial, que, aos 43 anos, feitos no dia 1 de janeiro - conforme O JOGO assinalou com uma pequena entrevista -, terminou como o guarda-redes mais eficaz da prova.
"Sinceramente, ainda não vi muito bem essas estatísticas. Ainda não as analisei", refugia-se um Humberto Gomes calmo e humilde. "Mas se assim é, deve-se ao trabalho desenvolvido este ano, bem como em todos os anos da minha carreira", justificou o bracarense, ele que até teve o início de época mais custoso de sempre. "Estou a trabalhar desde junho, treino uma vez, mas vou sempre ao ginásio, por isso são duas vezes. O primeiro e o segundo mês de trabalho não foram fáceis e o andebol, as minhas exibições, estavam a sofrer com isso. Foi uma mudança muito grande", contou, continuando: "Em Braga, como não conseguia trabalho, era quase profissional, e agora passei a sair de casa às 7h30/08h00 e a chegar às 22h30/23h00. Trabalho em Vila do Conde, faço direção e gestão de obra [Humberto tem o curso de Engenharia Civil da Universidade do Minho]". Nesse sentido, o guardião fez um pedido: "Se não se importam, queria muito, através do jornal O JOGO, agradecer ao engenheiro Rui Maia toda a compreensão e paciência que teve comigo." Rui Maia é o patrão, explicou depois Humberto, contanto uma história curiosa, ainda para mais vinda do... patrão. "O engenheiro Rui Maia mandou-me uma mensagem, se não estou em erro após o jogo com Marrocos, a dar-me os parabéns pela minha exibição e pelo nosso feito e a dizer 'espero só ver-te em fevereiro'. Ele e todos os meus colegas de trabalho nunca souberam o que era andebol e coloquei toda a gente a ver a modalidade, o Póvoa e a Seleção Nacional".
Um dos mais estóicos Heróis do Mar foi Humberto, jogador do Póvoa AC, que, inesperadamente, se transformou numa das figuras do Campeonato do Mundo. Diz que trabalhou muito para ser convocado
Mas voltemos atrás, para perceber como, no ano mais complicado, por começar a trabalhar, Humberto Gomes não só mereceu nova aposta de Paulo Jorge Pereira para uma grande competição, como deixou o Egito como guardião mais eficaz. "Toda a minha carreira foi baseada em muito trabalho, sabia que esta poderia ser uma das últimas oportunidades e não podia deixar passar este comboio. Trabalhei com muito afinco para estar presente, fiz, praticamente desde o início da época, uma preparação específica com o preparador físico da Federação, o Sérgio Monteiro, e trabalhei muito com o treinador de guarda-redes do Póvoa, o Miguel Vasconcelos", referiu.
O esforço, garantiu, "contribuiu bastante" para a excelente forma em que surgiu no Campeonato do Mundo. "Senti-me bastante bem fisicamente durante toda a competição e, claro, as coisas correndo bem, mentalmente uma pessoa sente-se melhor e muito mais confiante", acrescentou, dando só mais uma achega: "Isto também foi superação, foi o querer muito, eu queria mesmo muito estar no Mundial, era uma falha na minha carreira e, tendo a confiança do professor Paulo Jorge Pereira, não podia perder a oportunidade. Fiz muitos sacrifícios, tenho uma hora e meia para almoçar, mas comia em meia hora para conseguir ir ao ginásio".
"Estou a trabalhar desde junho, treino uma vez, mas vou sempre ao ginásio, por isso são duas. O primeiro e o segundo mês de trabalho não foram fáceis e as minhas exibições sofreram com isso"
Agora, "o sonho já é realidade e maior do que pensava", assumiu Humberto, que, com humildade, lembra que "se tivesse jogado mais minutos, se calhar não tinha obtido estes índices de eficácia". O certo é que os teve (33 defesas e 43% dos remates parados). "Com a idade que tenho, demonstrei claramente a algumas pessoas, que já não acreditavam em mim, que a idade é apenas um número".
Tinha as filhas à espera em casa: "A mais velha deu-me os parabéns e perguntou-me pelo prémio"
Pai de duas meninas - Lia e Luísa, de cinco e três anos -, fruto do casamento com Liliana Nogueira (filha de um antigo presidente do ABC), a chegada a casa foi uma alegria: "A mais velha já tem noção de algumas coisas, percebeu que o pai esteve bem e, quando cheguei, para além de estar cheia de saudades, deu-me os parabéns e perguntou-me pelo prémio. A mãe deve ter-lhe dito que fui o MVP com a Noruega", relatou Humberto. "Daqui a uns anos, embora ainda faltem muitos, será para contar aos netos. Isto de ser o mais eficaz do Mundial é um marco na minha carreira", afirmou.