Guardião cubano, naturalizado português em 2014, faleceu a 26 de fevereiro do ano passado de paragem cardiorrespiratória.
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Foi com 14 defesas (37% de eficácia) e dois golos que Alfredo Quintana se despediu do andebol. Foi no pavilhão do Águas Santas, num domingo, 21 de fevereiro, frente a um Pedro Cruz que marcou 12 golos, mas com a vitória (26-34) do único clube que representou na vida, o FC Porto.
No dia seguinte, o luso-cubano saiu normalmente de casa, depois de uma partida de Playstation, que adorava, foi para o Dragão Arena e, poucos minutos depois de ter iniciado o aquecimento, jogando futebol com os companheiros, caiu inanimado.
Viria a falecer na sexta-feira seguinte, 26 de fevereiro de 2021, no Hospital de São João, para onde foi levado logo a seguir às manobras de reanimação feitas no pavilhão dos azuis e brancos. Faz hoje um ano que partiu o melhor guarda-redes de andebol português de todos os tempos - esta, que poderia ser uma frase subjetiva, foi partilhada, na altura, por muitos dos antigos e grandes guardiões nacionais.
Nascido em Havana, a 20 de março de 1988, Quintana foi o segundo de dois gémeos, mais novo quatro minutos, e sempre teve aptidão para o desporto. Começou por jogar basquetebol, mas o irmão Eduardo - que vive nos Estados Unidos - levou-o para o andebol.
Filho de uma enfermeira especializada em fertilização in-vitro e de um dentista, Alfredo Quintana esteve no Mundial da Croácia em 2009 por Cuba, participou em três pan-americanos e foi indicado a José Magalhães, diretor geral do andebol do FC Porto, por Rafael Capote, um lateral-esquerdo que esteve para ser o primeiro cubano a jogar em Portugal e nos dragões. Capote não se transferiu, mas o jogador que recomendou sim. Após uma longa e árdua tarefa - as dificuldades para os atletas saírem de Cuba eram imensas - Quintana, de 2,01 metros, chegou ao Porto a 7 de março de 2011, ainda jogando na primeira época de Ljubomir Obradovic no FC Porto, a do segundo ano do histórico heptacampeonato.
O guarda-redes foi sete vezes campeão nacional, ganhou duas Taças de Portugal e duas Supertaças. O último campeonato e a última Taça já foram conquistados depois de Quintana falecer, mas o troféu de campeão foi recebido pela sua mulher, Raquel, num momento de rara emoção no Dragão Arena.
"Ele continuará a vir ao pavilhão"
"Já lhe disse que, quando crescer, quero ser como o pai dela. O resto fica entre nós". Gustavo Capdeville, o guarda-redes do Benfica que usa o nome de Quintana na camisola, refere-se a Alícia, a filha do malogrado guardião do FC Porto. Em entrevista exclusiva a O JOGO, o atleta dos encarnados explicou como surgiu uma ligação tão profunda a um adversário, ocasionalmente colega de Seleção Nacional.
"O Alfredo era como um irmão. Cheguei à Seleção muito novo e ele sempre me acolheu bastante bem, de uma forma até paternal, sempre a ajudar-me, protegendo-me, a "chatear-me" quando necessário, mas para o meu bem e fazendo-me evoluir. Foi um dos melhores guarda-redes portugueses de sempre e tive o prazer e o orgulho de o ver jogar e aprender com um ícone do nosso andebol como ele era", resumiu o atleta de 24 anos. "Talvez o Alfredo se tenha identificado à primeira vista com a minha maneira de ser e o que, na altura, era uma amizade esporádica de seleção, começou a ser um contacto constante, mútuo. Eu gostava de saber como ele estava, como as coisas estavam a correr, como estava a família, as chamadas eram sem data ou hora definida, às vezes era apenas um abraço de boa sorte para o jogo", acrescentou "Cap".
E o que aprendeu Gustavo Capdeville com o antigo guarda-redes do FC Porto? "Aprendi que, se não se trabalha, há sempre alguém atrás a querer mais do que nós, a dar mais do que nós, a querer ficar com o nosso lugar e que, independentemente do que já alcançamos, isso nunca chegará, pelo que o foco é continuar a trabalhar mais e mais", respondeu o guardião natural de Lisboa.
O desaparecimento de Quintana, percebe-se, atingiu de forma profunda o companheiro de posição. "O que lhe aconteceu foi muito marcante para mim. Eu sei, e todos sabemos, o que ele significava no andebol. Ainda tinha muito para dar ao FC Porto, à Seleção e à modalidade. Como nos deixou de forma tão precoce, eu vou seguir o nosso caminho juntos. O Alfredo continuará a vir ao pavilhão, a jogar, a fazer levantar multidões, a ter a sua camisola dentro de campo com o número 4(1) e a dizer Quintana. Seguimos este caminho juntos da forma que nos é possível", explicou Capdeville sobre o nome que leva nas costas, reforçando: "A história dele em Portugal nunca se apagará. Espero que, daqui a 10 anos, quando crianças forem aos pavilhões e perguntarem pelo guarda-redes Quintana que está na baliza, os pais contem a grande história dele e a excelente pessoa que ele era".
Perante tamanha tristeza, se fosse possível, o que diria o rival/colega/amigo Capdeville a Quintana. A resposta foi curta, mas eloquente: "És demasiado grande para este mundo, eu entendo, só fico chateado por não te teres despedido, não de mim, mas tu sabes de quem. Está tudo bem meu irmão, fica descansado. Saudades tuas".
"Falava alto, parecia que estava sempre de megafone"
Apesar dos contactos terem sido basicamente como colegas de Seleção Nacional, Gustavo Capdeville mostrou ter conhecido bem Alfredo Quintana. "Era uma pessoa muito brincalhona, estava sempre a rir, a ouvir música; onde ele estava, mesmo nos momentos de mais dificuldades, havia alegria. Tinha a personalidade dele, trabalhador como ninguém e, por outro lado, brincalhão como nunca se viu", descreveu. "Falava alto, era uma coisa impressionante, parecia que estava sempre de megafone. Era uma pessoa incrível, com um coração gigante, sempre disposto ajudar os outros, mesmo que às vezes o prejudicasse a ele de alguma forma", concluiu.