Alberto Babo em entrevista a O JOGO: "Treinadores portugueses não ficam atrás de ninguém"
Alberto Babo, de 71 anos, faz parte do lote restrito de treinadores nacionais emigrantes, tendo passado nove anos em Angola. De volta a Portugal, aceitou o desafio do Maia Basket, procurando descobrir valores como fez no passado no FC Porto. Antes de orientar mais um treino, esteve à conversa com O JOGO no Pavilhão Nortecoope.
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Como foi o regresso?
- Era a altura ideal para regressar, ao fim de nove anos e de estar envolvido em dois projetos. O Petro era uma equipa habituada a ganhar, já não ganhava há algum tempo e fizeram-se coisas bonitas. O Interclube tem pergaminhos no feminino, não tinha no masculino e foi-me pedido que formasse um grupo jovem que ao fim de um período pudesse vencer. Isso foi feito. Levámos jogadores à seleção de Angola e conquistámos uma Supertaça.
Quais os desafios de ser treinador emigrante e português?
- Angola é um país de basquetebol, muitas vezes mais do que futebol. Eles têm a cultura do jogo. Em qualquer bairro, há uma tabela e pessoas a jogar e que sabem jogar. Eles sabem apreciar o bom e o mau. Há sempre aquele ficar de pé atrás. Um treinador de Portugal... Mas nós temos grandes treinadores, que não ficam atrás de ninguém, seja de que país for. Podemos é não ter matéria, espaço e as condições que outros têm. Fui com um espírito muito grande de missão: "vou para ensinar". Eu, o Luís Magalhães, o Norberto Alves levámos algo a Angola.
Que falta para que haja mais portugueses emigrantes?
- Também tem que ver com os empresários, que têm o poder para colocar um treinador num clube. Em dois anos, fui ao Masters em Saragoça e lá eles repararam que o treinador português sabe, é capaz, mas não tem a possibilidade de o mostrar, não é solicitado. E estamos a recorrer a estrangeiros... Não lhes quero tirar valor, porque o pior é haver críticas entre treinadores, mas o que se vê é que os que cá temos fazem exatamente o mesmo que eles.
Ao voltar, vinha para continuar a treinar?
- Vinha talvez para deixar, mas tenho o bichinho e esta paixão do jogo. Quis esperar e não entrar de chofre. Acabei por aceitar o desafio do Maia Basket. É um trabalho que me satisfaz, porque sempre me considerei um treinador-formador e só assim faz sentido.
Então, voltar a treinar na formação não foi bem um regresso às origens?
- Não, porque nós temos de estar sistematicamente a formar. O basquetebol evolui, está mais rápido, há mais força e os jogadores saltam mais. Como se resolvem esses problemas? A formar. E nós não somos um país de gente grande, há que defender e correr para o contra-ataque. Temos de encontrar essas armas.
Ainda tem a ambição de voltar a treinar na Liga?
- Não sei. Nunca se diz nunca. Estou feliz, porque, ao treinar estes jovens a cabeça está a trabalhar, está virada para o basquetebol e para o gosto de ver os miúdos a crescer.
E especificamente o FC Porto, que é o clube do seu coração?
- O FC Porto tem treinador, não quero fazer essa afirmação.
Como se fez treinador?
- Comecei no minibasquete, em 1981. Estava entretido, a tentar fazer alguns jogadores de base, uns conseguiram, entre eles o Rui Santos, outros não. Mas eu pensava que sabia tudo, um erro dos jogadores que passam a treinadores, só depois de tirar o curso é que fui evoluindo. Em 1998, substituí o professor Jorge Araújo. Correu bem. Houve jogadores que fizeram as carreiras que fizeram, como o Nuno Marçal, Elvis Évora, Carlos Andrade... Terminaram aos 30 e muitos ou 40 anos, o que me apraz, porque foram profissionais, tinham vontade e paixão.
Como era trabalhar com o professor Jorge Araújo, que ainda hoje é visto como uma grande referência?
- Aprendi muito e segui-lhe as pisadas. Trouxe mais rigor, mais profissionalismo, mais disciplina à modalidade. Foi uma ótima experiência e ainda hoje somos amigos.
As equipas do FC Porto nos anos 90 eram imbatíveis hoje?
- Tivemos jogadores com um carisma enorme. Fernando Sá, Raúl Santos, Rui Santos, [Nuno] Perdigão, que nos escalões jovens jogava a poste baixo, mas depois foi transformado em base e deu o que deu; João Rocha, [Nuno] Marçal, Paulo Pinto, o melhor jogador português da altura... Usávamos os estrangeiros para as áreas interiores, era o [Jared] Miller, o [Wayne] Engelstatd, [Rogério] Leggasa... Havia jogadores de 2,06/2,07 metros que agora não há e temos de recorrer ao estrangeiro. Não dá para fazer comparações, foi bonito, mas passado é passado. O basquetebol evoluiu e o importante é o hoje.