Albertinho, treinador de Diogo Ribeiro: "Aqui falaram-me: 'O garoto é bom, mas muito problemático'"
ENTREVISTA >> Albertinho, rosto da transformação da natação em Portugal e técnico do promissor Diogo Ribeiro, partilhou com O JOGO as suas ambições [entrevista publicada, pela primeira vez, a 2 de janeiro de 2024
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Com raízes portuguesas, Alberto Silva, mais conhecido por Albertinho, chegou a Portugal em julho de 2021, com um currículo esmagador que inclui cinco presenças em Jogos, duas medalhas olímpicas (César Cielo e Thiago Pereira), 24 pódios em Campeonatos do Mundo e dois recordes planetários que prevalecem (20,91s de Cielo nos 50 livres, em 2009, e 21,75s de Nicholas Santos, nos 50 mariposa piscina curta, em 2018). Em pouco tempo, revelou-se uma lufada de ar fresco que ainda pode estar só no começo.
Em que ponto estava a sua vida quando recebeu o convite para vir para Portugal?
-Era treinador no Pinheiros, em São Paulo, onde trabalhei 32 anos, e liderava a seleção brasileira. Eram as funções que vinha exercendo há algum tempo e estava muito bem.
Então o que o levou a aceitar?
-O convite de Portugal foi uma mistura. A minha ideia era sair do Brasil, estava a amadurecer uma vontade de mudança. Mas queria continuar com a natação, indo para os Estados Unidos ou para a Europa. O primeiro país da minha lista, e com o qual fiz contacto, foi Portugal. Indicaram-me o António Silva [presidente da Federação]. A ideia de estar vinculado à Federação foi do António. Eu queria vir para aqui, alugar uma piscina ou umas pistas e treinar alguns atletas do Brasil e estrangeiros que quisessem fazer parte do meu programa. O António queria que fosse selecionador e tentasse mudar algumas coisas na natação portuguesa. Foi isso que aconteceu.
E tem ligações ao país.
-Os meus avós eram de Barqueiros, Guimarães e Lamego. O meu avô foi para o Brasil sozinho com 11 anos, fez a vida lá e depois foi levando os irmãos. Morei com ele. Também já cá tinha estado a visitar os meus antepassados. Além disso, o Brasil sempre teve uma relação próxima com Portugal. Sempre que tínhamos algum evento na Europa, vínhamos para estágio em Rio Maior.
Quando vinha, com que impressão ficava da natação portuguesa?
-Tinha muito pouco contacto com a natação portuguesa. Só em Rio Maior mesmo, com o Aurélien Gabert, que era o selecionador. Na época, alguns atletas, como Diana Durães, Victoria Kaminskaya ou Miguel Nascimento, que hoje trabalham comigo, estiveram por lá. O contacto era pouco. Nos eventos grandes, conversávamos um pouco e acompanhávamos os resultados, sabíamos quem eram os bons nadadores. Por exemplo, chamava-me a atenção não haver estafeta nos campeonatos importantes. Também tive um contacto próximo, do amigo [João Paulo] Vilas-Boas, do Porto: uma atleta dele, a Sara Oliveira, treinou comigo no Brasil, em 2006 e 2007. Mas foi só. Não tinha um conhecimento profundo nem sabia como estava estruturada a natação portuguesa.
Portugal vai passar a ser presença regular em finais de Mundiais e Europeus?
-Espero que sim, mas é muito cedo. Agora temos o Diogo [Ribeiro], a Camila [Rebelo] e outros jovens nadadores a aparecer. Precisamos de abrir mais a base. No Brasil, nos anos 80. nós tínhamos o Ricardo Prado, nadador de 400 estilos. Foi medalhado olímpico e campeão do Mundo. Surgiram muitos nadadores de estilos naquela época. Nos anos 90, com o Gustavo Borges e o Fernando Scherer, os mais jovens queriam ser velocistas. Depois teve uma era, quando comecei a trabalhar no alto rendimento, em que a preocupação era ter nadadores em todas as provas. Não ganhávamos medalhas, mas chegávamos às finais e meias-finais com mais atletas. Portugal vai num primeiro passo para chegar onde você falou, estar em finais. Aconteceram mudanças com essa ousadia de o presidente trazer um grupo de trabalho de fora. Foi visto com ressalvas, mas, se houver continuidade - o meu contrato vence em Paris -, em quatro anos dá para planear cada passo com a base que há. Resultados para agora é imediatista.
Mas a expectativa, de repente, já está muito alta.
-Não tenho problemas com expectativas. As minhas, com certeza, vão ser mais altas do que as de muita gente.
Qual é a sua?
-Não vou falar, mas aquilo que você colocou, de chegar a finais... Posso dizer que já penso além disso.
Medalhas olímpicas?
-Medalhas em qualquer competição.
Quando ouviu falar do Diogo Ribeiro pela primeira vez?
-Fiz uma lista de 20 atletas jovens, entre os 16 e os 20/22 anos, que pudessem ter um resultado agora em Paris e continuar para o próximo ciclo. Dessa lista, apenas três se dispuseram a vir treinar ao Jamor. Um deles era o Diogo, mas nem era o principal atleta que tinha colocado. Aqui falaram-me: “O garoto é bom, mas muito problemático. Dá muito trabalho”. Chegámos em agosto e, em dezembro, tivemos uma competição aqui. Ele nadou bem, mas, na ocasião, ele fez 44 por cento dos treinos. Ele vinha, ficava doente, vinha, pedia-me para ir a Coimbra, eu deixava... Algumas pessoas diziam-me: “Você está a ser muito brando”. Eu respondia: “Ele não vai nadar bem só porque viu que tenho um currículo bom. Ele não me conhece, não tem empatia comigo. Vai fazer o que eu mando, porque sou o chefe, mas não quero isso. Quero que ele faça as coisas porque quer o mesmo que eu quero”.
E depois?
-Peguei no carro, sem o Diogo, e fui conhecer a família dele a Coimbra. Entendi o que eles sentiam e combinámos que, cada vez que ele precisasse, ia ter o meu apoio para ir lá. Mas queria que eles me ajudassem, para que o Diogo ficasse cada vez mais aqui. Foi assim. O ano passou e, em abril [2022], o Diogo esteve quase a cem por cento e bateu os recordes. É realmente um fora de série, mas ele praticamente cresceu e amadureceu aqui connosco. O que é que ele conhece da vida ou dessa pressão que vem junto? Se tivermos uma época equilibrada, vamos ter chances de colher bons frutos.
Quantos atletas tem o grupo de trabalho do Albertinho?
-Agora, são seis: Diogo, Miguel Nascimento, Diogo Lebre, Rafaela Azevedo, Tiago Costa e Tomás Pereira. Começaram por ser 13. Gosto de todos eles e continuaria com o grupo, mas a Federação, depois de um ano de trabalho, disse-me para ver quem está mais próximo de chegar ao objetivo de ir aos Jogos e focar nesses atletas.
O grupo está fechado?
-Não tem sentido aumentar o grupo agora. Se continuarmos mais quatro anos, nos dois primeiros do próximo ciclo é o momento de trabalhar uma base, aumentar esse leque.