MELHOR ARGUMENTO ORIGINAL - A 7 de agosto de 1992, uma sexta-feira, o treinador de basquetebol Vladas Garastas acabou de dar o aquecimento, mandou recolher os seus jogadores ao balneário e disse-lhes: "Rapazes, hoje vocês estão a jogar pelo povo da Lituânia. Esqueçam as ambições pessoais. O povo tem os olhos em vós. O povo perde o sono convosco."
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A 7 de agosto de 1992, uma sexta-feira, o treinador de basquetebol Vladas Garastas acabou de dar o aquecimento, mandou recolher os seus jogadores ao balneário e disse-lhes: "Rapazes, hoje vocês estão a jogar pelo povo da Lituânia. Esqueçam as ambições pessoais. O povo tem os olhos em vós. O povo perde o sono convosco." O ouro já não era possível, consumada que fora, dias antes, a mais do que expectável derrota frente à equipa americana nas meias-finais. Mas essa nunca fora a luta dos lituanos, nem, aliás, de ninguém. Chegar às medalhas naqueles Jogos Olímpicos Barcelona"92, esses em que, pela primeira vez, os Estados Unidos se fizeram representar no basquete por quase todas as principais estrelas da NBA, era tudo quanto um grupo de mortais podia pedir. Para mais, a combinação de sorteio e resultados tinha acabado por ditar o adversário ideal na luta pelo bronze: a Comunidade de Estados Independentes, CEI, também conhecida por Equipa Unificada - a conjugação das repúblicas que ainda não se tinham emancipado do bloco a que até pouco antes se chamara União Soviética e que a Rússia, potência ocupante do território da Lituânia desde a II Guerra Mundial, encabeçava.
Portanto, era pela libertação que os basquetebolistas da Lituânia jogavam. Mas, na verdade, não apenas pela libertação política. Com mais de 70 anos de basquetebol, os lituanos tinham-se destacado internacionalmente antes da anexação soviética, vencendo o EuroBasket, campeonato continental da FIBA, em 1937 e 1939. Entretanto, a modalidade continuara a desenvolver-se na república - tal como nas vizinhas Estónia e Letónia, sobretudo esta -, apesar do entusiasmo intermitente do Kremlin. Tanto que quando o Comité Olímpico Americano decidiu convidar homens como Michael Jordan, Magic Johnson ou Larry Bird para formarem a célebre Dream Team, o primeiro objetivo era travar a União Soviética, que conquistara o torneio olímpico em Seul"88. Os jogadores vindos da Lituânia, nomeadamente Valdemaras Chomicius, Rimas Kurtinaitis, Sarunas Marciulionis e Arvydas Sabonis, tinham sido fundamentais nessa seleção. Só que agora, consumada que estava a independência havia quase dois anos, podiam fazê-lo pelo seu país, podiam fazê-lo pelo seu basquetebol e podiam fazê-lo também por si mesmos, uma vez que as autoridades de Moscovo, que no passado tinham sabotado a emigração de vários deles, já não exerciam poder sobre os seus passos.
O xadrezista Gary Kasparov foi o padrinho da chegada dos jogadores lituanos à NBA a partir do final dos anos 80. Até 1988, ninguém estava autorizado a sair das fronteiras da União Soviética. Moscovo, segundo os relatos posteriores, tratava os basquetebolistas das repúblicas bálticas como animais
Vieram a ficar conhecidos por "A Outra Dream Team", e o facto é que mereceram o epíteto. A expressão serviu inclusive de título a um documentário de Marius A. Markevicius, patrocinado pela NBA e estreado no Festival de Cinema de Sundance, nos EUA. Mas o filme de entretenimento, o filme de ficção que a história merece, continua por fazer.
Desde logo porque aquela campanha em direção aos Jogos Olímpicos começou sem dinheiro nem certeza de que, chegado o verão, efetivamente seria possível a equipa ir a Barcelona. Valeu-lhes um artigo numa revista americana que comoveu os mais inesperados mecenas: a banda californiana de rock psicadélico Grateful Dead. Jerry Garcia, Bob Weir, Phil Lesh e os restantes músicos decidiram patrocinar a viagem da formação e, entretanto, o artista nova-iorquino Greg Speirs aceitou juntar-se a esse esforço, desenhando a iconografia da equipa, de modo a que esta conseguisse a atenção da opinião pública internacional para a sua causa. Foi por isso que os jogadores lituanos andaram todo aquele torneio com equipamentos furta-cores e, antes de subirem ao pódio no domingo seguinte, para receberem as medalhas de bronze, distribuíram por alguns adeptos divertidas t-shirts com esqueletos que se erguiam em frente a tabelas de basquetebol, num afundanço estilizado.
Depois, o próprio caminho até à medalha de bronze foi uma luta épica, feita de desejo, tenacidade e triunfo. No jogo inaugural, contra a China, os lituanos começaram logo a fazer sangue: vitória por 112-75. O mundo redespertava para a existência daquele país de menos de três milhões de pessoas que, apesar disso, era capaz de subjugar um adversário de um país com mais de mil milhões. Entretanto, a caminhada continuou, com vitórias frente à Venezuela (87-79) e a Porto Rico (104-91). A única derrota na fase de grupos foi cedida exatamente contra a Comunidade de Estados Independentes (80-92), mas a aprendizagem viria a revelar-se essencial. Já nos oitavos de final, caiu a Austrália: vitória lituana por 98-87. Nos "quartos" tombou o Brasil: vitória dos lituanos por 114-96. E não foi por perderem o jogo das meias-finais frente aos americanos por 51 pontos que os rapazes de Vladas Garastas desanimaram. O seu encontro com a história estava agendado.
E foi realmente um jogo de nervos, esse desafio com a CEI pela medalha de bronze. Resultado final: um apertado 82-78. Mas a verdade, bem vistas as coisas, é que os lituanos estiveram sempre na frente. Marciulionis fez 29 pontos, Sabonis 27. O primeiro já estava na NBA, o segundo juntou-se-lhe rapidamente. Nenhum chegou novo, mas ambos ainda conseguiram um lugar no Hall of Fame. A Lituânia, essa, voltaria a ser medalha de bronze no basquetebol nos Jogos de 1996 e de 2000, tornando a chegar às meias-finais em 2004 e 2008.