A National Soccer Hall of Fame distinguiu pela primeira vez um português: Francisco Marcos, que foi um dos grandes responsáveis pelo forte crescimento do futebol nos Estados Unidos
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Aos 77 anos, Francisco Marcos viu reconhecido o seu trabalho de décadas no futebol dos Estados Unidos com a eleição para o Hall of Fame da federação do país. Em entrevista a O JOGO, o português explica o processo.
Aos 15 anos saiu do Bombarral para ir ter a Nova Iorque com o pai, que trabalhava na construção civil. Chegou a ser futebolista, mas foi o dirigismo que mais o tentou. Uma carreira feliz.
Ficou sensibilizado com esta distinção?
-É o maior elogio da minha carreira. O maior prémio. É a quarta vez que sou distinguido para um “hall of fame”, a primeira das quais na Universidade onde fui jogador. Depois também na USL, liga que eu fundei, e também na federação nacional amadora. Mas esta é o máximo que se pode almejar.
Como será a cerimónia?
-Será num museu, um enorme edifício que fica no complexo do estádio do FC Dallas. Vou ter lá uma placa com uma fotografia e com a minha biografia. E haverá um banquete, no qual farei um discurso. Também vou receber um casaco vermelho alusivo, que vai ser o único casaco vermelho que vou vestir na minha vida, porque sou um grande sportinguista (risos).
A organização destacou a sua “visão a longo prazo”. Tem razão nesta frase?
-Há 50 anos, um jornalista perguntou-me o que eu pretendia que acontecesse para o futuro do futebol no país. E eu respondi: Quero que o futebol cresça e que um dia seja alguém. Eu disse isso quando tinha 25 anos e agora tenho 77. E já poderei eu dizer que chegámos ao topo da montanha? Ainda não. Há muito caminho a percorrer. Como disse o poeta Robert Burns, ainda tenho muito caminho para percorrer antes de ir dormir.
O que fez de mais importante?
-Em 1986, fui eu que fundei a liga, criando um sistema de três divisões, com o segundo, terceiro e quarto escalões do país. Também criei a liga de futebol feminino e as juvenis, desde os sub-12 aos sub-18. Gerei como que um ecossistema, que praticamente não existia. Não só sou visto como um criador, mas também como um pioneiro. Há muitos pioneiros que morrem no caminho. Eu felizmente cheguei lá, fui fundador e depois até fui dono.
A liga foi um fenómeno logo de início?
-Comecei com cinco equipas, mas hoje as três ligas em conjunto têm mais de cem equipas. Isto aconteceu quando não havia futebol profissional nos Estados Unidos. Já em 1994, oito anos depois de a ter fundado, a Umbro comprou-ma, com a condição de eu estar dez anos como presidente. Depois foi vendida à Nike, que ficou dona e entretanto já a vendeu a dois capitalistas, um dos quais tinha sido meu colega de escola e eu é que o recomendei. Eles ainda hoje são os donos. Quanto a mim, deixei de ser presidente em 2010/11.
É um dos grandes responsáveis pela popularidade atual do futebol?
-Não tenho dúvidas. Sou um dos padrinhos. Não sou pai nem o único padrinho, mas sou um dos padrinhos. E a prova é esta distinção, que até podia ter sido há mais tempo.
O futebol retribui-lhe toda a sua paixão?
-Devo tudo ao futebol. E fiz muito, mas teria feito tudo de graça, se fosse preciso.
Paixão surgiu com o Sporting
"Até preenchi a caderneta com os cromos que saíam nos chocolates”
Foi aos nove anos que o “bichinho” do futebol tomou conta de Francisco Marcos. “Fiquei louco por uma equipa do Sporting que tinha o Carlos Gomes na baliza e o Travassos na frente. Era a equipa de 1955. Até preenchi a caderneta toda dos cromos que saíam nos chocolates”, conta o agora associado:
“Sou sócio há muitos anos e tenho game box desde aquele jogo em que o Cristiano Ronaldo se destacou contra o Manchester United, antes de ir embora. Não perco um jogo do Sporting, em Portugal ou no estrangeiro. E da Seleção Nacional também não.”
"Jogador? Era apenas decente"
Quando jogava pela universidade que frequentou, Marcos veio numa digressão à Europa. Durante 17 dias, foram 14 jogos contra equipas de Inglaterra, Alemanha, Dinamarca e outros países.
“Na Holanda, até defrontei o Johan Cruyff, num jogo contra a equipa B do Ajax, tinha ele 18 anos. A digressão marcou-me de tal forma que depois comecei a organizar digressões de equipas para a Europa. Foi aí que começou o meu percurso de vender futebol”, conta, sobre o primeiro passo no dirigismo: “Percebi que o meu futuro era na promoção e administração do futebol. Como jogador era decente, mas não mais do que isso. E desde então não ‘trabalhei’ um único dia da minha vida. Foi apenas paixão.”
Rumou a Nova Iorque aos 15 anos
O pai de Francisco Marcos foi o primeiro da família a emigrar para os Estados Unidos, rumo a Nova Iorque, onde foi trabalhar na construção civil. Francisco Marcos seguiu-lhe os passos dois anos depois. “Fui para lá aos 15”, conta a O JOGO.
“Nasci e cresci no Bombarral, depois andei na escola em Tomar e, em dezembro de 1961, emigrei. Viajei um mês antes de fazer 16 anos, para me juntar ao meu pai”, prossegue, sobre uma tentação irrecusável: “O meu pai perguntou-me se eu queria ir e eu disse que sim. Eu estava com os meus avós e, já se sabe, a atração de uma coisa nova seduz um garoto facilmente. Não hesitei e fui. Depois, acabei o liceu em dois anos e na Universidade tirei o curso de relações internacionais.”