Foi capa da Men's Health e falhou concurso: "Faltei por um Taipas-Maria da Fonte, perdemos 3-0"
ENTREVISTA - Na capital dos tecidos faustosos, Carlos Lomba procura subir à I-League. Integração numa zona instável; Central português é um dos estrangeiros do Real Kashmir, equipa que disputa a 2.ª Divisão da Índia. Tem jogado por paragens pouco comuns, após ter decidido arriscar carreira na Ásia.
Corpo do artigo
Central e médio, de 31 anos, Carlos Lomba é um jogador explorador, um descobridor do mundo, numa carreira sem medo de desafios arriscados, nada recuando mesmo quando se trata de climas tensos ou cenários hostis. Depois de alguns anos a jogar no Líbano, o atleta encontra-se em Caxemira, na Índia, jogando a 2.ª Divisão no Real Kashmir. Mas isto é só uma parte, uma pequena parte de histórias que cruzam o mundo, atravessam continentes, peripécias de quem joga com prazer por encontrar realidades desafiantes. Outros contratos estiveram para acontecer no Dubai, Azerbaijão, Indonésia ou Tailândia.
Carlos Lomba é um central formado no Braga, que foi capitão dos juniores em 2010/11, era Artur Jorge o treinador. Como sénior não se contentou em alinhar por Vilaverdense, Vianense, Oliveira do Hospital, Pinhalnovense e Taipas. Abriu-se o apetite pela imensidão do globo e o olhar foi voraz a mercados exóticos, impulsos que foram sendo também ditados pela oportunidade.
“O projeto da Índia surgiu naturalmente, um pouco por trabalhar o meu nome nos mercados asiáticos. Estive para jogar na Indonésia, assinei, viajei, tive problemas nos exames médicos. Foram muito rigorosos e devido a uma lesão antiga chumbei, mesmo com uma época completa de jogos feita no Líbano. Surgiu o desafio da Índia e aceitei mais esta aventura, sem hesitar”, conta, envolvido agora numa zona afamada pelos seus tecidos e vasto fluxo comercial, porém, também turbulenta por disputas históricas do território entre Índia e Paquistão. “Bem, isto é incrível aos domingos, há o ‘Sunday Market’ e são múltiplas feiras. Em frente ao nosso estádio vende-se tudo, camisolas e casacos de grande qualidade por preços absurdos. No fundo, eu sou um privilegiado, pois faço o que mais amo e conheço muitos lugares, viajo pelo mundo e lido com outras culturas. O futebol tem tornado isto mais fácil”, revela, orgulhoso, pulsando ainda uma cidade e uma região com vontade própria. Desavinda com a história. Inconformada.
“É uma zona disputada entre Índia, Paquistão e China. Aqui, sentem-se invadidos e ocupados pela presença militar da Índia e pelas ordens do governo. É um cenário diferente do resto do país, a começar pelas temperaturas, pois faz muito frio no inverno. Depois, há militares em todo o lado, armados a sério, de metralhadoras e tudo. No hotel onde vivo há sempre dois militares armados à porta, sempre que vamos treinar somos escoltados por uma carrinha com cinco militares, durante o treino posicionam-se estrategicamente e no final voltam connosco para o hotel”, nota, percorrendo os dias que correm em Caxemira, distante de qualquer alvoroço.
“Não estamos habituados a este tipo de realidade, mas isto é praticamente normal e não sinto insegurança, apesar das notícias de graves conflitos independentistas em 2018, que resultaram em corte da internet e proibição de saída à rua. Já fui ao centro da cidade sozinho, faço uma vida independente sem desconforto”, reage o central português, maravilhado e com um desejo vincado: “A Índia é um choque de realidade diário, jogas noutra cidade, mudas de estado e tudo parece um país diferente. Na minha equipa tenho dois jogadores de Goa com apelidos portugueses e isso também gera conversas intensas. Estou com o bichinho de ir a Goa, perceber o que se deixou lá”, confidencia o minhoto, sem se focar numa subida à Super Liga Indiana.
“Não foi um objetivo lançado como prioritário, é apenas andar nos lugares de cima, a pensar no top-3. Não somos o clube com maior investimento mas o início tem sido positivo, a equipa tem passado boas sensações. Mas subir seria algo fantástico, estamos a falar de uma prova com uma estrutura muito forte, grandes estádios e muitos adeptos. Haveria uma envolvência completamente diferente, em termos de carreira e projeto desportivo”, analisa, definindo o nível competitivo.
“Sendo eu português, sinto desnível absurdo, não o posso negar. Aqui os estrangeiros têm qualidade e eles esperam sempre que façam a diferença, há um grau de exigência elevado. Se a equipa ganha são os locais que ganham, se perde os estrangeiros são fracos. Exigem mais de ti, não podes ser só mais um mas estar bem em todos os jogos. Os indianos são rápidos e ágeis mas perdem no conhecimento de jogo, tática e capacidade de decisão.”
Lomba foi treinado por Artur Jorge nos juniores do Braga, vivendo feliz com o êxito do seu antigo técnico. “E com o filho dele cheguei a fazer dupla na defesa! Sei o quanto braguista ele é e como sente o clube. A exigência é muito maior por ser da cidade. Tem quebrado recordes, é um trabalho fantástico. Ele merece todo o sucesso, espero que continue muitos anos ao leme.”
Lomba já quase brinca com a sua saga de um admirável mundo novo. “Assinei em 2018 no Líbano e começou uma revolução, cancelaram o contrato. Assinei no Azerbaijão, tudo certo com o empresário, viajo e no aeroporto ninguém me esperava, nem sabiam da minha existência. No Dubai assino por um clube que não existia. Na Ucrânia estava preparado para jogar a 2.ª Divisão no Podillia e começa a guerra, agora na Indonésia reprovei nos exames médicos. E na Tailândia o contrato caiu por causa da covid. Dava um livro ou documentário”, ironiza, explicando o contexto do Dubai. “Era um empresário argentino que prometia mundos e fundos para começar um clube da 3.ª Divisão. Mas era expert em burlas e procurado em vários países. Perdi o mercado de verão e fiquei seis meses a viver no Dubai.”
Joga na Índia mas já brilhou na Men’s Health. “Fiz trabalhos e desfilei no Portugal Fashion. A moda nunca foi prioridade, era um escape, que surgiu quando estive lesionado, sem contrato e precisava de fontes de rendimento. A capa é curiosa, ganhei um concurso e tinha de comparecer na final. Faltei por um Taipas-Maria da Fonte. Os amigos chamavam-me maluco. Recusei e fomos derrotados por 3-0. Passados quatro meses, o diretor entrou em contacto e ser capa proporcionou-se. Nunca coloquei nada acima do futebol. O bichinho segue igual.”
“Arrisquei às minhas custas”
Carlos Lomba recorda os impulsos que o levaram a uma carreira exótica, que ainda conserva nos dias que correm. O Líbano, um ponto de partida, bem guardado no coração do central.
Carlos Lomba tem entre todos os destinos ligação mais intensa ao Líbano, cultura na qual germinaram múltiplos afetos. “Através do Ahka Ahly foi a primeira oportunidade. Entrei lá porque tive um contacto e arrisquei. Viajei às minhas custas, paguei avião e hotel, fui em testes e as coisas correram bem. Assinei e sei que poucos estariam dispostos a arriscar desta forma”, assinala, consciente que jogou o seu cavalo de batalha. “Saindo da 2.ª Divisão B com um vídeo promocional que não era grande coisa, teria de começar por baixo. Foi uma fantástica surpresa. Os amigos e familiares assustaram-se um pouco mas a realidade foi diferente, encontrei uma cidade incrível como Beirute, o norte do Líbano é fantástico, praias lindíssimas. No mesmo dia fazes praia e neve, a gastronomia é ótima. Carrego uma tatuagem e tenciono voltar. Fui muito feliz”, conta o central, naturalmente tocado pelo que se passa em Gaza, sendo o Líbano o país mais próximo do conflito.
“Tenho bastantes amigos no Líbano e conheço muitos palestinianos. Na Liga existiam vagas especiais para atletas de lá. O tempo que lá vivi ajudou-me a construir uma opinião. Presto o meu apoio, sou cem por cento pelo povo da Palestina, que tem sido oprimido durante anos. Tenho várias histórias em primeira mão, inacreditáveis. Nem tudo chega a Portugal ou é conhecido na Europa, pois existem outros interesses internacionais e muitas opiniões são corrompidas. Espero que não morram mais inocentes”, enfatiza Lomba, esmiuçando peripécias ou dessafios em Beirute.
“Na primeira passagem pelo Líbano, coincidiu com a revolução whatsapp, que as mensagens passariam a ter custo extra. Foi a gota de água, ponto de viragem e saiu tudo à rua. Lembro-me de acordar às 4 da manhã, vivia a 15 minutos do centro, ver tanques em fila a subirem a rua do meu prédio, sem saber o que se passava. Era uma movimentação estratégica mas foi invulgar”, recua, pondo o dedo noutra ferida. “Só uma hora de eletricidade era oferecida pelo Governo. As restantes seis horas vinham pelo mercado negro, pois cada rua tem uma pessoa com um gerador. Fornece energia e recebe pagamentos. Tinha luz durante sete horas, depois tinha duas baterias de carros, alimentadas nessas sete horas. Tinha de desligar frigorífico, micro-ondas, era luz ambiente, carregadores, internet e pouco mais. Adaptas-te e convives, compreendes as estratégias de sobrevivência“, explica Carlos Lomba, também incrédulo com um acontecimento. “Marcou-me a explosão no porto de Beirute, três meses depois de ter saído do país. Essas imagens foram impressionantes. Nesta última passagem pelo Líbano também senti o terremoto na Turquia e saí para a rua de boxers numa noite gelada. Um medo bem real e longe do epicentro. Nem dá para imaginar quem o sentiu na Turquia.”
Lomba não esquece os sonhos de Braga. “Trabalhei em contexto profissional com Alan, Vandinho, Mossoró, Custódio, Hugo Viana. Foi só a geração que atingiu a final europeia [Liga Europa, 2011]. Isso foi fantástico mas seguiram-se empréstimos, uma lesão grave que coincidiu com o fim do contrato e tive uma transição difícil. Ambicionava carreira diferente, ao ser capitão dos sub-19. Pensava que ia jogar na Liga e na Seleção mas a vida leva-nos por outro caminhos. Não me arrependo, dei o máximo, faço o que mais amo e ainda tenho muito para viver.”