Com o campeonato parado, em Espanha faz-se um ponto de situação do VAR. Não há contestação de facto, há apenas a do coração. Um pouco como aconteceu em Portugal. Mas o ponto da situação chegou aos modelos de produção televisiva. E lá como cá, já se discute o número de câmaras disponíveis para um jogo, se bem que no país vizinho estão mesmo definidas três categorias de transmissão de jogos. E para haver equidade no VAR já há quem defenda igualdade nas realizações.
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Em Espanha, onde os eternos favoritos Real Madrid e Barcelona estão a render menos do que o habitual - ambos já perderam pontos em quatro das oito partidas realizadas -, a paragem do campeonato dá espaço às ponderações dos chamados temas associados. Neste caso, é o videoárbitro (VAR) que está no centro do debate.
E as opiniões dividem-se. Tal como aconteceu na I Liga portuguesa, na época transata. E há muitas dúvidas nas bancadas, embora só porque sim. Na realidade, não há quaisquer dúvidas sobre os momentos de intervenção do VAR, embora a sensação do adepto menos esclarecido ou com menos vontade de se esclarecer tenha sempre um critério que não existe em nenhum VAR do Mundo (onde está implementado): a "justiça" tendenciosa para o seu clube.
Pode é haver bons ou maus árbitros, boas ou más interpretações casuísticas, manhas ou subtilezas na articulação entre o árbitro principal e o VAR. Mas o protocolo é o mesmo e tem feito sentido, mesmo em Portugal. E onde falhou, foi o árbitro ou o videoárbitro que falhou, não o sistema.
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Em Espanha, levantam-se dúvidas sobre o cartão vermelho mostrado ao central francês Lenglet, do Barcelona, na partida em que os catalães se deixaram empatar em casa (2-2) frente ao Girona. A discussão rola em torno da intenção do movimento do braço de Lenglet, que deita por terra um adversário. Na sua crónica na Marca (sempre mais afeta ao Real Madrid), o cronista Jesus Sanchez questiona se é válido argumentar-se com o facto de o próprio árbitro, Gil Manzano, não se ter apercebido da ação do cotovelo. Bem, o VAR é mesmo para isso, para o que o árbitro principal não vê ou não consegue ver.
Para um português ou chinês que não seja adepto de nenhum dos clubes, o lance não deixa dúvidas: houve matreirice violenta do francês, que não precisava de levantar o cotovelo para ficar em equilíbrio e na posse da bola. Mas, um pouco à semelhança do que aconteceu em Portugal, um ano adiantado no que diz respeito ao VAR, os lances com os "grandes" abrem discussões de meia-noite. E descobrem-se as "comadres".
O futebol mexe com o coração dos adeptos. Mas esse tem que se conformar com o VAR, como num divórcio amigável entre a emoção e a razão.
Os diagnósticos, claro, são sempre os mesmos: a discussão, neste momento, está no pormenor - ou "pormaior" - para os que avisam atempadamente, antes de quaisquer implementações forçadas, mesmo que necessárias: modelos de realização e de produção televisiva são condição essencial à equidade que a ferramenta VAR permite. Sim, permite, porque por si só, enquanto tecnologia, nada garante sem a qualidade humana que lhe está associada.
Claro, os cronistas espanhóis perceberam por estes dias que os números de câmaras nos estádios são condição essencial para a tal equidade competitiva entre emblemas que disputam jogos sob a jurisdição do VAR.
Voltando à questão da produção televisiva, em Portugal a questão foi diagnosticada pelas entidades - Federação/Conselho de Arbitragem e Liga Portugal - e a época começou com, pelo menos, oito câmaras em cada partida. Ao contrário do que acontecia na temporada anterior, onde o número de câmaras podia ser abaixo das oito fixas.
Itturralde Gonzales, cronista do AS, por exemplo, recorda o facto de o VAR, no Mundial, ter sido um sucesso porque os números de câmaras para todos os jogos, dos favoritos aos bombos da festa, ser exatamente o mesmo.
O que não acontece no campeonato espanhol, nem no português. E é a própria realização televisiva que está em causa no país-vizinho tem um modelo definido e combinado entre a produtora de TV e a LaLiga (superpoderosa por ser a negociadora de direitos televisivos centralizados).
Isto é, consideram fundamental a qualidade dos planos televisivos, os momentos ao microssegundo dos lances de fora-de-jogo, por exemplo, e tudo isso não depende do VAR. Depende, claro, da maestria de uma realização televisiva, que tem de fazer chegar ao VAR as melhores imagens possíveis.
O mesmo disse, há dias, o avançado uruguaio Christian Stuani, do Girona, que contesta as interpretações difrentes em lances idênticos: "Não me fio no VAR. Numas partidas, aplicam-se os regulamentos, noutras não".
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Em suma, em Espanha, o que se debate de forma mais racional é o fim das classes A, B e C dos modelos de transmissão e de realização. E, recorde-se, é a mesma a empresa, a Mediapro, que dá suporte tecnológico ao VAR nos dois países. Pelo que a questão não é tecnológica. É política e económica. Política porque carece de decisão da liga espanhola, que pode decidir que a produção televisiva tem de ser efetuada com as mesmas condições para todos, e económica, porque tal pode ter custos associados.
Não depende, portanto, da qualidade do videoárbitro, mas sim das condições que lhe são dadas para analisar. Algo que também nós, aqui em Portugal, poderemos ter que ponderar, mais cedo ou mais tarde. E, convenhamos, a liga espanhola, além do VAR, também dispõe de um sistema dos considerados praticamente infalíveis e também ele disponível à realização: a tecnologia da linha de golo, que permite a visualização em super câmara-lenta.
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Não se pode falar em divisões, como na realidade também não as houve por cá. Apenas alguma confusão entre os comentadores profissionais e os de café, porque se está no início, sobre as funções do VAR e o seu protocolo. Por cá, mal a poeira assentou, rapidamente se chegou ao diagnóstico, percebendo-se que o VAR veio para ficar.
Com a sua implementação apontada para 2019-20 na Liga dos Campeões, época em que a sua utilização será ainda mais generalizada, importa reter as declarações do central uruguaio Diego Godin, central do Atlético de Madrid, há dias, em conferência de imprensa: "No Mundial, tive uma experiência muito positiva com o VAR. Ali, os árbitros envolveram-se muito mais e paravam sem constrangimentos para observar as imagens e tomavam a decisão em função das imagens".
O debate está lançado em Espanha. E lá como cá, quando param os campeonatos, a ciência e a tecnologia sobem a conversa de café. O futebol mexe-nos muito. E mexe com o coração dos adeptos. Mas esse tem que se conformar com o VAR, como num divórcio amigável entre a emoção e a razão.