Walter revela arrependimentos: "Sou semianalfabeto, não sabia ler nem escrever até aos 18 anos"
Declarações de Walter, antigo avançado do FC Porto, agora com 33 anos, em carta publicada no "Globoesporte"
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Futebol deu alguma dignidade: "O futebol devolveu-me uma dignidade negada na infância. Porque, fora do campo, Walter não sabe fazer nada. Não consigo imaginar o que eu poderia ter sido se não fosse a bola. Talvez, vendedor de água. De pipoca, laranja... O que eu já fazia quando era menor, mais jovem, escondido da minha mãe para ganhar uns trocos. E é para esse menino que eu diria: "Estude, Walter! Por favor, estude." Sou semianalfabeto. Larguei o colégio na quinta série - depois de reprovar cinco vezes. Não sabia ler nem escrever até aos 18 anos. Tenho muita vergonha disso. Um dos meus poucos arrependimentos na vida é esse. Aliás, o principal."
Como os estudos podiam ter dado "outro rumo à carreira": "Quando saí de casa, aos 14 anos, depois de rodar na base do Santa Cruz e do "Sport, no Recife, fui para o Vitória, da Bahia. Cheguei a ganhar um salário de 800 reais, mas o meu empresário achou pouco, e levou-me para o São José para eu ganhar... 100 reais. Às vezes o empresário tira-te de um lugar - como me tirou do Coque, um bairro extremamente violento -, dá aquelas coisas (telemóvel, dinheiro...) e acreditas no 'cara'. Só que eu não sabia ler, não sabia escrever. Não reclamei. Meti na cabeça, então, que ia trabalhar para ganhar mais."
Carreira e salários: "Veio a Copa São Paulo, em 2008. Fui artilheiro pelo São José, e o Internacional interessou-se por mim. Assinámos contrato de risco de seis meses para os sub-20. Caso eu jogasse bem, renovariam por cinco anos no profissional. E assim aconteceu. O meu salário passou 1 500 reais para 15 mil. Pedi um ano de antecipação e transferi todo o dinheiro para a minha mãe comprar um apartamento para ela. Até hoje, um dos meus maiores sonhos realizados. Um dos tantos sonhos realizados. Como foi quando fui convocado para a seleção de formação. (...) Nem acreditei, mas quando cheguei lá, graças a Deus fui artilheiro, melhor jogador e campeão do Sul-Americano sub-20."
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Retrospetiva: "Quando olho para trás, percebo mais conquistas do que fracassos. Lembro da minha infância, o "Quico do Coque", à espera de uma oportunidade para ganhar o mundo com a bola nos pés. Consegui. Vejo também alguns traumas nessa jornada, como o abandono do meu pai, José Amaro, durante a infância, e que hoje está desaparecido. O assassinato do meu irmão Waldemir, por tráfico de drogas, quando eu ainda era uma criança. Feridas abertas. Mas estou inteiro. Não tenho do que reclamar, mesmo se não voltar a jogar uma Série A. Estou satisfeito com o que eu fiz. Onde eu vou as pessoas param para tirar fotografias comigo, conhecem-me. Fruto do meu trabalho. Pelo meu dom em jogar futebol. Não por causa do meu excesso de peso."
Ainda há ambição: "Saí de um bairro simples e fui vencer minha vida fora. Em dois, três anos, estava na Europa. Não esperava. Não tive estrutura para pegar isso. Que fique registado: esta carta não é uma tentativa de colocar culpa nos outros pelas minhas quedas. Eu prejudiquei-me, mas nem tudo é preto no branco. Ainda há tempo. Posso-me reinventar aos 33 anos. Construir o Walter do futuro. Estudar mais. Penso em ser treinador daqui a uns anos. Ajudar o Coque com projetos sociais, tirando alguns meninos da comunidade através do futebol."
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