Sustentabilidade do sistema de Roberto Martínez é forte dúvida para o resto da competição após o jogo contra a Chéquia.
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O golo de Francisco Conceição trouxe alívio para os milhões de portugueses a assistirem a estreia da Seleção Nacional no Euro’2024. Favorito antes de entrar no jogo, Portugal teve quase três quartos da posse de bola, mas teve muitas dificuldades para criar oportunidades claras de golo. Quais foram as causas dessa posse de bola tão defensiva contra um adversário inferior?
A primeira delas está na redundância posicional da equipa. Em vários momentos do jogo, era possível ver uma sobrecarga em determinadas áreas do campo, principalmente com a contribuição dos centrais que avançavam para o ataque: Nuno Mendes no primeiro tempo, Rúben Dias no segundo.
Criar sobrecargas é algo natural do jogo e é um recurso muito utilizado por equipas, principalmente aquelas que usam sistemas com três centrais, para criar espaços. A própria Bélgica de Roberto Martínez costumava fazer isso com Jan Vertonghen a subir ao ataque. Contudo, essas sobrecargas foram feitas de forma muito redundante durante a posse, ao ponto de Portugal ter jogado praticamente com dois laterais esquerdos.
Nuno Mendes e João Cancelo ocuparam praticamente o mesmo sector do campo até a saída de Dalot para a entrada de Gonçalo Inácio. Nuno Mendes ocupou muito mais o espaço da lateral, e João Cancelo jogou quase que como um médio-central com mais responsabilidade de defender os flancos.
Se uma equipa jogar essencialmente COM três laterais em campo, há uma falta clara em outros sectores. Essa falta foi notável no lado direito até as primeiras substituições, com Bernardo Silva e Dalot isolados enquanto o foco de quase todas as jogadas era o lado esquerdo. Essa redundância posicional fez com que os ataques de Portugal fossem muito mais previsíveis para a Chéquia. E não levou muito perigo durante a primeira etapa. A exceção foi um passe de Bruno Fernandes que quase alcançou Rafael Leão na transição, facto que reitera que durante a posse, Portugal pecou na criatividade.
Essa deficiência criativa teve uma consequência clara. Portugal perdeu a paciência e começou a cruzar a bola, mais do que o necessário.
Tendo cruzado a bola 23 vezes em direção à grande área checa, ficou claro que o plano passou a ser cruzar a bola e "rezar" para que Cristiano Ronaldo conseguisse bater um dos altos centrais checos. Pelo ar.
Assim, após a primeira parte, seria natural que Martínez abandonasse o sistema com três centrais e tentasse povoar mais o meio-campo, ou seja ao recuar Bernardo Silva e colocar um extremo, como Francisco Conceição ou Pedro Neto, seja ao colocar um médio que trouxesse outra dinâmica ao jogo, como Matheus Nunes. A equipa ocuparia os mesmos espaços, mas com pessoal mais qualificado para ocupá-los.
Mas as primeiras substituições de Martínez mantiveram a forma da seleção e até restringiram a posse portuguesa. Ao trocar um lateral por um central para mover Nuno Mendes a uma posição mais familiar, Portugal recuou mais a linha dos centrais durante a posse de bola, o que permitiu que a Chéquia chegasse mais ao ataque – algo que não havia acontecido no jogo até então. Com isso, chegou o golo dos checos.
Portugal não respondeu, necessariamente, à ofensiva Chéquia. Pelo contrário, continuou com o mesmo plano de jogo: cruzar a bola. E foi com a execução perfeita do plano que Portugal conseguiu dois golos, nos quais os falhanços da defesa checa tiveram um peso maior do que a qualidade dos cruzamentos em si.
Se Martínez vai ou não continuar com o sistema de três centrais, não se sabe. Contudo, quando Portugal jogou num 4-3-3 ou num 4-2-3-1 durante as eliminatórias do Euro'2024, era visível que havia uma fluidez muito maior do que no último jogo.
Mas, se há um jogador que pode sair deste jogo de cabeça erguida, não porque executou o plano de jogo bem – afinal, nenhum jogador português fez um jogo necessariamente mau –, mas porque fez uma demonstração de sua excelência, este foi Vitinha.
O médio do PSG estava por todo lado. Foi o verdadeiro maestro da Seleção Nacional, sendo o jogador que mais tentou passes durante os 90 minutos. Além disso, Vitinha foi o jogador com mais desarmes concluídos pela seleção portuguesa.
Vitinha havia sido um dos melhores jogadores portugueses da temporada europeia – se não o melhor. Isso não era segredo, mas com essa performance, consolidou-se como um jogador que é indispensável para a seleção, principalmente se o sistema continuar a ter forte ênfase na posse de bola.
Outro destaque da estreia de Portugal na competição foi Rafael Leão, que conseguiu criar muito perigo à Chéquia ao conduzir a bola incisivamente para dentro da grande área e criar oportunidades perigosas. O extremo do Milan foi o jogador mais criativo na primeira parte e sua saída durante o segundo tempo foi uma incógnita.
Se não fosse por Francisco Conceição estar na hora certa e no lugar certo, a seleção portuguesa sairia muito mais dececionada do jogo contra a Chéquia. Se ser recompensada com três pontos após o desempenho durante os 90 minutos é o justo ou sequer o melhor para a seleção, só o tempo dirá, o certo é que Portugal tinha qualidade para ter feito melhor.