Vítor Matos: "Vi o staff sair do autocarro do Liverpool de t-shirts e cervejas na mão..."
Meia época com Pepijn Lijnders em Salzburgo foi antecedida de cinco anos com o alemão em Liverpool. “Transparente e genuíno”, descreve em entrevista a O JOGO
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Cinco épocas em Liverpool criaram todo um dossiê de memórias: de Klopp a Firmino, passando por Jota.
Vítor Matos vai guardar para sempre os ensinamentos que absorveu ao lado de um dos mais carismáticos treinadores do século XXI. E como esquecer aquela despedida de solteiro?
Trabalhar com Jurgen Klopp é uma montanha-russa de emoções?
-Fora dos jogos, e ele próprio já disse isso, é muito calmo. Ter podido ver quase todos os dias de que forma ele tomava as decisões, ou como direcionava o processo e liderava a equipa, foi como ter uma “masterclass”. Estás constantemente em aprendizagem e a tentar absorver tudo o que puderes. O Jurgen é uma pessoa fantástica. Uma das grandes qualidades dele é ser completamente transparente e genuíno na forma como lida com os jogadores, com o staff e com a Imprensa. Essa genuinidade passa de dentro para fora. E tem uma grande capacidade de gerar automotivação nas pessoas e de conseguir agregá-las em redor de algo superior.
Em cinco épocas de Liverpool, que jogador mais o impressionou?
-Falando em termos técnicos e de magia, jogadores como o Bobby [Roberto] Firmino, o Luis Díaz, o próprio Salah e o Sadio [Mané] são especiais. A forma como o Firmino criava coisas incríveis do nada era genial. No que toca ao entendimento do jogo, a qualidade de passe, de execução e controlo de ritmos, o Thiago [Alcântara] foi especial. Depois, há jogadores que são tão bons naquilo que fazem que é impossível não falar deles: o Virgil [van Dijk], o Alisson, o próprio Trent [Alexander-Arnold]... É fantástico ver um lateral fazer passes de 60 metros da forma que ele faz. Mas o mais impressionante é a forma como o plantel foi construído, com jogadores de diferentes perfis, mas todos complementares. Uma equipa é muito mais do que a soma das partes. Quando eu cheguei, a frente de ataque não era só o Sadio, o Firmino e o Salah. Era aquilo que os três criavam juntos. Foi o que mais me impressionou.
“Aquela canção que os adeptos têm para o Diogo Jota fala por si. ‘He’s better than Figo...’ As lesões que ele tem, muitas vezes, são puro azar, difíceis de conseguir explicar”
E Diogo Jota?
-Aquela canção que os adeptos têm para ele fala por si. “He’s better than Figo...” [tradução: “É melhor do que o Figo...”]. Aquelas lesões que o Diogo tem, muitas vezes, são puro azar. Na última época, sofreu uma depois de um adversário cair em cima do joelho dele. É muito difícil de conseguir explicar ou de encontrar uma lógica. Por outro lado, o Diogo tem essa capacidade de, quando regressa, conseguir atingir um nível elevado em pouco tempo. Gosto muito dele. Tem características difíceis de encontrar. Consegue jogar à esquerda, no meio e à direita. Em termos de profissionalismo e mentalidade é o típico jogador que todos os treinadores gostariam de ter. Depois, tem um entendimento do jogo fantástico e finaliza de qualquer forma.
“Vi o staff sair do autocarro do clube de t-shirts e cervejas na mão”
Qual a história mais curiosa que tem para contar?
-Tenho de falar sobre a minha despedida de solteiro, que revela muito do que o Jurgen e o Pepijn eram como pessoas. Estava de folga, em casa, e vejo o autocarro do clube a buzinar na entrada. A primeira sensação foi de pânico. Pensei que me tinha esquecido de algum evento ou que não tinha lido algum e-mail. Só depois, quando vi o staff a sair com umas t-shirts e cervejas na mão, é que associei à festa de despedida de solteiro. Foi incrível. Cantámos músicas do Liverpool pela cidade, andando sempre no autocarro do clube.
O que correu mal no Salzburgo?
-Em primeiro lugar, foi uma experiência incrível em termos de organização. Desde logo pelo contexto diferente daquele a que estávamos habituados em Liverpool. Foi uma saída da zona de conforto, porque estivemos muito tempo ligados ao mesmo clube, na mesma liga, com os mesmos jogadores... Começámos muito bem. Fomos, até, a primeira equipa austríaca a conseguir a qualificação para a Champions através dos play-offs. Ao mesmo tempo, isso também foi parte do problema. As expectativas que se criaram, o nível da prova e algumas lesões que foram aparecendo em jogadores importantes fizeram com que a equipa começasse a ser mais inconsistente. Até à primeira paragem de seleções, o nosso jogo já estava num bom nível. A equipa conseguia estar a um nível alto jogando três vezes por semana. Mas a acumulação destas pequenas coisas foi criando inconsistência, que, em conjunto com as tais expectativas, geram pequenos atritos e obstáculos. O que faz com que, muitas vezes, não exista o tal clique. Sem ele, faz sentido as duas partes seguirem diferentes caminhos.
O que o fez sentir que era a altura certa para seguir o próprio caminho?
-É um sentimento que vai crescendo. Sempre disse que, quando me sentisse preparado, era isto que iria fazer. Foi algo que cresceu comigo e coincidiu com o momento da saída do Salzburgo. Foi importante poder estar com o Pepijn, podermos ter este primeiro projeto juntos. Quando acabou, senti que tinha chegado o momento certo. Digamos que o contexto acabou por ditar a decisão.