Rúben Ribeiro "regressa" ao sismo na Turquia: "Atiravam filhos entre cobertores. Foi um desespero"
ENTREVISTA >> Rúben Ribeiro precisou de um tempo no Brasil para encontrar paz depois da tragédia na Turquia, onde perdeu o amigo Atsu. Um relato arrepiante
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Foi no início de fevereiro que o mundo ficou em choque com as imagens devastadoras de um terremoto de grande escala na Turquia, que destruiu a cidade de Hatay, onde jogava o Hatayspor. O nosso bem conhecido Atsu, antigo jogador do FC Porto, foi uma das vítimas mortais, conhecendo-se o terrível desfecho após incessantes dias de buscas. O português Rúben Ribeiro era seu colega, viu a vida por um fio, desesperou por encontrar o amigo vivo, mas em vão. Entregue a dolorosas sensações, afastou-se da Turquia e viveu os últimos meses no Brasil.
Como está a sua vida, pois já são vários meses sem jogar, depois do horror que abalou a Turquia ?
-Tenho mais um ano de contrato, é certo que podia ter ido para outras equipas da Turquia, para outros países. Ponderei mas, como tinham acontecido tantas coisas, tantas implicações emocionais do terremoto, achei mais importante respeitar o meu clube, a cidade de Hatay e o seu povo. Muitas famílias choraram a perda de familiares, houve imensa desgraça e não me consegui ver a vestir outra camisola num período que ainda era de luto. Achei melhor descansar, recuperar energias e pensar na próxima época.
O Brasil tem essa faculdade de ajudar a renascer?
-O Brasil é um país amigo, onde podemos falar português, por lá transborda energia e alegria, achei ser o local perfeito para mudar o chip, aproveitando o facto de ter muitos amigos por lá.
"Vi a porta, fui bloqueado por teto que caiu, até que me deu um clique para saltar sem hesitar e caí nos escombros"
Que propostas recusou e que memórias o perseguem?
-Alguns colegas arranjaram outros clubes, eu podia ter continuado na Turquia, vindo jogar para Portugal ou até para o Catar. Achei melhor ficar, não seria correto mudar. Era como desrespeitar a memória das pessoas de Hatay e de um colega e amigo que morreu. Dei a palavra ao treinador que não iria trair o povo. Na véspera todos se devem lembrar que Atsu nos deu uma vitória, eu tinha-lhe dito que ele ia entrar e resolver. No lance do livre era eu que ia bater, mas disse para ser ele, caso contrário batia-lhe! Houve todo um festejo nosso, muito marcante. Horas depois isso... Era uma pessoa muito querida, foi muito duro.
E o filme da tragédia ainda está presente, imagino!
-Eu salvei-me por um milagre, atirei-me do segundo andar e caí nos escombros. Eram 4 da manhã, por acaso estava ao telefone, aquilo foi assustador e pensei que ia morrer, só rezava para que Deus protegesse os meus filhos. Tentei sair pela porta mas caiu um pedaço da parede do teto à minha frente e bloqueou-me. Ainda vou para debaixo da mesa da cozinha à espera que passe e nuns quatro segundos que abranda o sismo deu-me o clique de me atirar pela janela. Saltei sem hesitar, numa altura que se atiravam filhos e animais entre cobertores. Foi um desespero que nunca mais vou esquecer. Depois prédios a ruir, pessoas a gritar, muitos feridos e muito sangue.
"No centro de treinos tentámos dormir, a terra voltou a tremer e tivemos de vir para os carros com medo que o chão abrisse"
Sei que os jogadores se reuniram num local do clube para se acautelarem de réplicas?
- Fomos avisados para fugirmos para o centro de treinos, mas as estradas estavam cortadas, outras abertas pelo sismo. Não dava para passar e era um caos total nas ruas de pessoas desesperadas. Reunimos no centro de treinos, alguns chegaram com cabeças feridas, familiares perdidos, cobertos de sangue. Muitos tinham escapado de prédios que tinham desabado até ao rés-do-chão. Estávamos exaustos, tentámos dormir ali no chão mas com medo permanente, era um terror completo, sem água nem luz, nem sinais de telefone. E foi lá que se abateu uma réplica, tremeu pesado e tivemos de fugir para dentro dos carros, mas sempre com medo que abrisse o chão.