Rúben Ribeiro e a busca por Atsu: "Dormi no carro várias noites até se confirmarem as piores notícias"
ENTREVISTA >> Médio português conta ainda que estava a tentar encontrar clube em Portugal para Atsu, mas que a saída do ganês tinha sido recentemente adiada pelo treinador, por falta de alternativas para o ataque.
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Mesmo a muito custo, Rúben Ribeiro escalpelizou as horas e os dias que se seguiram, tendo ele sentido a obrigação de não largar a família de Atsu e todas as manobras de resgaste de vítimas.
Também sei que se envolveram nas buscas?
-Depois da terra acalmar, fomos procurar sobreviventes, tentou-se tudo mas era impossível chegar aos locais, as estradas estavam cortadas, por prédios que tinham tombado na sua totalidade. Era demasiado sofrimento e desgraça e, chegou a um ponto a situação que os militares passaram a impedir que as pessoas chegassem próximo.
E com Atsu desaparecido, como encarava tudo isso?
-Por aquilo que soube da família do Atsu, acho que fui o único jogador que foi prestar socorro. O mais que tentei foi dar afeto à família e, disse a mim mesmo que só deixava a cidade quando encontrassem o Atsu e também o nosso diretor-desportivo. Dormi no carro várias noites até se confirmarem as piores notícias.
Era íntimo do Atsu?
-Era tão próximo do Atsu que já tinha falado com dirigentes de clubes em Portugal para ele vir. Ele queria sair do clube e já tinha recebido autorização para procurar nova casa. No dia do último jogo, o treinador disse-lhe que a saída tinha de esperar porque ainda não tinham opções para o lugar dele e, nessa fase, não o podia perder. Ele chegou a ter viagem para Portugal para depois deste jogo mas que ficou sem efeito por essa conversa.
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Após o jogo em que o Atsu foi decisivo, falaram?
-Antes de acontecer o que aconteceu, antes do terremoto, eu tinha falado com o Atsu por videochamada. Tinha ligado ao Zé Luis, que voltou à Rússia, e estavam a jogar cartas. Cada um foi depois para sua casa, passadas duas horas isso aconteceu. Eu e o Zé Luís éramos, aliás, para viajar até Istambul, mas o voo foi cancelado por mau tempo.
Estando aí, como lidou com as notícias que ele tinha aparecido com vida?
-Recebia constantes mensagens do empresário, familiares, amigos do Atsu. Primeiro as notícias que tinha sido encontrado, depois não era ele. Isso foi muito difícil de lidar, apelei para que não se escrevesse tanta coisa. Faltou muito cuidado e quem sofreu foi a família do Atsu.
Sente-se transformado por estes acontecimentos?
-Sem dúvida! Passarei a encarar a vida de forma diferente, a dar mais valor à família. Devemos preencher-nos das coisas boas, aproveitar e gozar mais. Mudou-me por completo, cresci muito, até pela palavra que dei ao treinador.
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"Que o futebol traga alegria"
A saída da equipa da Liga foi a melhor medida?
-Não havia condições para se jogar em Hatay nem para nós voltarmos a competir. Foi uma cidade destruída, milhares de pessoas morreram, foi o mais sensato e a Liga turca permitiu essa saída sem perda de licença. Vamos regressar aos trabalhos a 29 de junho. Tenho contrato e, depois de uns tempos no Brasil e Portugal, estarei pronto para o regresso.
Entende o que vai encontrar em Hatay?
-Sabemos que vamos jogar na nossa cidade, o estádio não sofreu danos, mas não vamos viver lá e Hatay segue destruída, as coisas estão a ir aos poucos. Vai ser uma cidade nova, a vida continua e o povo vai levantar-se. São humildes de grande caráter. Tenho esta cidade e clube no coração, pelo que vivi de bom e mau. Vamos fazer de tudo para que seja um ano de sucesso . Que o futebol, através das nossas vitórias, possa render alegria a quem perdeu familiares e casas.
Quanto a Demirel, como vê o seu papel no renascer?
-Vão ser muitas mudanças mas temos um treinador jovem que quer ganhar. Já falei com ele, é uma pessoa muito respeitada. Ele tem uma força incrível e foi importante nesta gestão do drama. Passou uma mensagem forte nas redes que chegou mais rápido a todo o mundo e apressou a ajuda. Não tenho dúvidas que ele vai fazer da equipa a sensação da próxima Liga turca.
Que ligação descobriu com os adeptos nestes período?
-Se há povo que ama o futebol, é o povo turco, nada parecido em Portugal. Amam o futebol, crianças, mulheres e idosos. Deixam tudo pelo futebol, guardam o último dinheiro para ver um jogo. São adeptos fanáticos pela positiva. Não tem faltado apoio, tenho recebido vídeos em que pedem para que volte mais forte. Toda a Turquia, em todos os estádios, aclamou-nos quando regressou o campeonato. Isso foi bonito!