Ronaldo é só uma parte da revolução saudita: viagem pela nova casa do português
Cristiano celebra 38 anos acabado de chegar a um país que ainda vai a meio de uma complexa e profunda reforma económica e social. O "Visão 2030" pretende modernizar a Arábia Saudita a todos os níveis. Alguns avanços sociais ainda não chegam para beliscar o ceticismo de quem vê pouco mais do que "sportswashing".
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Cristiano Ronaldo celebra este domingo o 38.º aniversário, pouco mais de um mês depois de chegar ao Reino da Arábia Saudita. Uma frase altamente improvável há algum tempo, assim como é difícil de imaginar como estará aquele país do Médio Oriente daqui a uns anos, concretamente em 2030.
A contratação do avançado pelo Al Nassr deixou o mundo boquiaberto, mas não foi agora que os sauditas começaram a apostar forte no futebol. Os menos distraídos lembram-se imediatamente das supertaças de Espanha e de Itália, que se têm realizado na capital Riade, ou de outras transferências milionárias ainda que menos mediáticas, mas o desporto é apenas uma parte - porém importante - de um mega plano a longo prazo para modernizar e revolucionar a Arábia Saudita.
O JOGO visitou Riade e guia-o por uma pequena viagem à nova casa do aniversariante.
O "Visão 2030" arrancou em 2016 e assenta em três grandes pilares: "Nação Ambiciosa; Economia Próspera; Sociedade Vibrante;" Estas metas desdobram-se em dezenas de objetivos, à boleia de muito outro palavreado que soa lindamente mas sem que se entenda muito bem o que significa.
Contudo, extraem-se algumas ideias mais concretas, como reduzir a dependência do petróleo, aumentar a autonomia do setor privado, empoderar as mulheres e desenvolver os serviços públicos de saúde, transportes, entretenimento, turismo e educação. Poderíamos aprofundar muito mais no projeto, mas repisemos o flanco desportivo.
Pelo profundo impacto mediático dos grandes eventos desportivos, que por si só são promessa de lucro, facilmente se entendem os contratos milionários para receber as supertaças de Espanha e Itália até 2029. Pela Arábia Saudita, nos últimos tempos, também passaram noites de wrestling (WWE), corridas de Fórmula 1 e Fórmula E e quatro edições do Rali Dakar, além de ter sido criada em 2020 a liga feminina de futebol, quatro anos depois de as mulheres serem autorizadas a entrarem nos estádios como adeptas. Recentemente, foi ganha a organização da Taça Asiática de 2027 e o prémio mais apetecido está justamente em 2030: a Arábia Saudita quer o Mundial. Entretanto, especula-se que o grande rival do Al Nassr, o Al Hilal, está disposto a tudo para contratar Lionel Messi.
"Sportswashing" e pequenos avanços sociais
Todas estas ideias e visões não beliscam o ceticismo de muitos, especialmente das organizações de defesa de direitos humanos, que apontam ao "sportswashing": usar o desporto para lavar a imagem pública e desviar atenções de temas sensíveis. São estes grupos que apelam a Ronaldo e a outras figuras maiores que cruzem a fronteira para servirem de alavanca para mudanças sociais e não de meios de diversão.
Vigora na Arábia Saudita um regime monárquico, fortemente influenciado pela religião e com rédea curta nos direitos sociais, liderado por Mohammed bin Salman, de 37 anos. Em 2022, 147 pessoas foram condenadas à morte, segundo grupos ligados ao ativismo social, que também alertam para detenções em nome de críticas ao regime. O assassinato do jornalista Jamal Khashoggi, em 2018, às mãos do governo saudita, é outra mancha muito forte num país que se tenta abrir ao mundo. As visitas para fins não religiosos são permitidas desde 2019, quando as mulheres a partir dos 21 anos passaram a poder obter um passaporte e sair do país sem autorização de um homem, entre outros pequenos progressos.
CURIOSIDADES
Mulheres começam a ganhar liberdade
Em 2018, as mulheres finalmente passaram a ter autorização para conduzir automóveis, um ano antes da obtenção de passaporte ficar acessível a partir dos 21 anos, sem necessidade de autorização. Ainda assim, as mulheres precisam de permissão de um familiar masculino para, por exemplo, casar ou viverem sozinhas.
Comida local vendida sem impostos
Na Arábia Saudita, todos os pratos e alimentos considerados locais ou tradicionais estão isentos de IVA, com a medida a refletir-se de facto num preço mais baixo. A ideia é promover a gastronomia local e garantir que os menos endinheirados não gastam muito dinheiro em comida. Um menu de shawarma (semelhante ao kebab) com batata e bebida custa entre três a cinco euros, fora de atrações turísticas.
Trânsito caótico e metro ainda a nascer
Enquanto o metro de Riade ainda está a ser construído e os autocarros escasseiam, multiplicam-se os automóveis. Na estrada vale tudo, desde ultrapassagens pela direita ou pela berma a trocas furiosas de buzinadelas e máximos para garantir a posição. Convencer um saudita a caminhar dez minutos pode ser um desafio.
Mais de um milhão de vistos desde 2019
Autorizadas as entradas na Arábia Saudita para fins turísticos em 2019, foram emitidos mais de um milhão de vistos até 2022. O processo é simples e digital.