REPORTAGEM - Caso Mayorga não afeta dia a dia de Ronaldo na Juventus. Craque sai muito pouco, mas convive com novos colegas em casa, não dispensa a piza italiana nem os passeios românticos com a namorada
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Casa, trabalho, casa e escapadelas românticas a cada dia de folga. As novas rotinas de Cristiano Ronaldo em Itália não mudaram desde que foi reaberta a investigação do caso Mayorga em Las Vegas, no início de outubro. O CR7 continua a treinar-se como sempre, entre sorrisos, remates, sprints, e por vezes passa o dia todo no centro de estágio da Juventus. Apesar das escassas visitas ao centro de Turim, a cidade do Piemonte e o emblema bianconero continuam a lucrar a cada dia com o efeito Ronaldo (ver página 52). No centro de estágios, a alegada violação de que é acusado não faz parte dos temas de conversa nem de comentários entre os jogadores. A Juventus só se manifestou através do Twitter para defender o profissionalismo do camisola 7 e por enquanto prefere ficar em silêncio, para evitar dar mais repercussão mediática ao caso e, com isso, afetar a estratégia comercial que planeou ao contratar o ex-jogador do Real Madrid.
O trabalho é a prioridade do jogador da Juventus, que leva uma vida pacata em Turim e cujas rotinas na nova cidade onde vive fomos conhecer
"Para a Juventus, quanto menos se falar melhor. Nas entrevistas com treinador e jogadores, eles repetem sempre a mesma mensagem: dão ênfase ao profissionalismo de Ronaldo e o caso morre ali. Evitam falar porque isso só daria mais repercussão, que é o que o clube não quer", explica a O JOGO Fabiana Della Valle, jornalista que acompanha o dia a dia da Juventus para a "Gazzetta dello Sport".
Residência com todas as comodidades
Quando se mudou para Turim, no dia 29 de julho, Ronaldo já tinha tudo preparado na sua nova residência nas colinas turinenses, uma das zonas residenciais mais nobres, com uma vista panorâmica sobre a cidade, a Mole, o estádio e os Alpes ao fundo. Foram essa vista incrível e a proximidade do centro que mais encantaram o jogador português na sua nova residência, que apesar de ser a menos de dois quilómetros da famosa Praça Grande Madre, é muito sossegada e rodeada de espaços verdes. A casa foi comprada em leilão por um empreendedor da cidade, que fez uma reestruturação total na residência agora arrendada ao craque português. Não falta nada: desde um grande ginásio a piscina interior, spa, jardim, terraço, suítes, salas de jogos e de cinema. "Tudo o que vocês podem imaginar, esta casa tem", revelou a O JOGO uma amiga do proprietário da mansão e que conhece a residência, mas prefere não se identificar. A vida no bairro, no entanto, continua pacata como sempre, mesmo depois de este ilustre vizinho ter chegado às colinas.
"Não mudou nada. Às vezes, uns miúdos esperam aí por ele de manhã, mas nunca ninguém o viu. Esta zona é muito tranquila, a verdade é que moram aqui pessoas muito importantes, não é só o Ronaldo, e já está toda a gente habituada", comentou Andrea Lorenzi, proprietário de um restaurante no bairro.
Horas e mais horas no centro de treinos
Todos os dias Ronaldo desce do alto da sua colina por uma estrada muito estreita, à qual só os residentes têm acesso, para chegar à avenida principal, que o leva depois a um percurso de cerca de 14 quilómetros da sua residência até ao centro de estágios da Vecchia Signora: a Continassa, que fica do outro lado da cidade, ao lado do Allianz Stadium. Neste bairro na periferia de Turim, que é uma espécie de quartel-general da Juventus, fica também o colégio privado Wins, escola internacional onde o filho mais velho do craque estuda, assim como a maioria dos jogadores das camadas jovens da Juventus. O camisola 7 passa a maior parte do dia aqui e à noite regressa à sua mansão, enquanto a namorada Georgina acompanha mais de perto os treinos de Cristianinho Júnior nos sub-9 da Juve, em Vinovo, centro de estágios das equipas jovens dos bianconeri.
"Aqui na Juventus, os jogadores não ficam no centro de estágios só de manhã, depende dos dias, mas entramos de manhã cedo para o pequeno-almoço, almoçamos juntos e à tarde também podemos descansar aqui, fazer sessões de piscina, recuperação, fisioterapia e outro tipo de treinos. Já vi o Ronaldo entrar aqui de manhã e sair só às nove da noite", contou a O JOGO um colega de equipa que convive com o português em Turim.
Nos tempos livres, o jogador aproveita para ir passear com a namorada, por vezes ao estrangeiro, mas também convive com colegas, nomeadamente o vizinho Bernardeschi, que já convidou para jantar
Com semanas de treinos tão intensas, Ronaldo tem pouco tempo para programas na cidade. Até agora foram raras as aparições do craque por Turim. Dizem que sai pouco de casa, mas não se fecha só na sua família e círculo de amigos. Pelo contrário, participou em todos os jantares e convívios de equipa até agora, no balneário descrevem-no como uma pessoa muito curiosa e interessada pela cultura e culinária italianas e até já convidou o vizinho e atacante da Juve, Federico Bernardeschi, para jantar em sua casa mais do que uma vez. Quando saiu para comer fora com a família, o CR7 optou por uma pizaria no centro da cidade e sentou-se ao lado de outros clientes. A cada dia de folga, Ronaldo e Georgina aproveitam para fazer turismo fora: já foram a Milão, Como, Monte Carlo e Saint-Tropez, aproveitando a proximidade de Turim com todas estas cidades, mas também já foram à Sardenha e, recentemente, a Paris.
Cidade aproveita para se promover
Turim não está indiferente ao efeito que o nome de Cristiano Ronaldo provoca nos quatro cantos do mundo e deseja surfar a onda deste impacto para atrair turistas de países mais distantes até Turim. Turistas que viajam até Itália, mas que até então não incluíam a cidade do Piemonte no seu roteiro. De momento, ainda não existe um plano bem definido, mas irá haver em breve um encontro entre as chefias da Juventus e os homólogos de Turim e da região do Piemonte para estudar a viabilidade de alguma ação conjunta. "Temos claro que o Ronaldo foi contratado pela Juventus e que a sua relação laboral é com o clube e não com a cidade. É muito difícil organizar qualquer evento e convidá-lo, não sabemos se isso vai ser possível, mas queremos tentar aproveitar estes anos dele aqui para promover a cidade, não digo dentro da Europa, porque já tivemos um incremento no número de turistas europeus nos últimos anos, mas principalmente em países distantes, que não conhecem tanto a nossa realidade. Estive recentemente num evento sobre turismo na China e quando falei de Turim, perguntaram-me imediatamente pelo Ronaldo. Isso é incrível, acho que podemos atrair pessoas desses polos para continuar a crescer como meta turística, que já somos", afirma Alberto Sacco, assessor do departamento de Turismo e Comércio.
Juventus e Turim lucram com o CR7
Em Turim, todos lucram com o efeito Ronaldo. Os dados do departamento de Turismo e Comércio apontam para um aumento de 40% na procura de voos que ligam outras cidades italianas a Turim. Também a busca por alojamento sofreu um incremento relevante, principalmente em dias de jogo, atingindo o pico no dia 25 de agosto, dia em que a Juventus recebeu a Lázio e que as reservas nos hotéis de Turim tiveram um aumento substancial, de 71,8%, em relação ao mesmo dia do ano passado. Números que não passam despercebidos, mas a Juventus é quem mais beneficia em todas as áreas. Por exemplo, o Juventus Museum nunca recebeu tantas visitas desde que foi inaugurado, em 2012, como no mês de julho deste ano, exatamente o mês em que Ronaldo foi anunciado. Nesse período, o espaço, que fica ao lado do Allianz Stadium, foi visitado por 17 mil pessoas, mais 15% do que no mesmo mês do ano passado e mais 30% comparado com a média de visitas de todos os meses de julho dos anos anteriores.
"Não vejo mais turistas na cidade no dia a dia, mas agora todos os que vêm a Turim querem visitar o estádio, o museu, as lojas, comprar uma camisola do Ronaldo, querem fazer alguma coisa ligada ao CR7 e à Juventus. Em dias de jogo, é evidente que há muito mais gente no museu e na loja ao lado do estádio", realça a jornalista brasileira do "Esporte Interativo", Clara Albuquerque, que vive em Turim e acompanha a Juventus há dois anos.
Camisolas esgotadas
Entre julho e agosto esgotaram todas as camisolas de jogo oficiais que o clube tinha encomendado para a época 2018/19, que são as chamadas Authentic; as mais caras podem custar 154,95 €, se forem personalizadas com nome e número do jogador.
"Esgotaram no final de agosto as Authentic, depois continuámos a vender as oficiais, mas não eram as dos jogos. Fizemos nova encomenda e estamos a recebê-las agora em outubro. Foi o que aconteceu também ao PSG quando contratou o Neymar", explicou a assessora de Imprensa do clube, Cristina Demarie.
Ir ao estádio ver a Juventus nunca foi tão caro. O clube anunciou um aumento de 30 por cento no preço dos bilhetes já durante as negociações para tirar Ronaldo do Real Madrid e os bilhetes esgotaram de imediato. No encontro frente ao Nápoles em setembro, o Allianz Stadium registou um recorde histórico na Serie A, faturando dois milhões e 734 mil euros só com venda de bilhetes. O lugar mais barato no estádio em Turim custa 595 euros por época, mas a presença de Ronaldo também encareceu os jogos fora de casa. Hoje, ver a Juve em Parma ou em Udine não custa menos de 50 € (um bilhete básico), no ano passado custava cerca de 25 euros. Em San Siro, quando a Juventus visitar o Milan, em novembro, o bilhete mais barato pode chegar aos 75 €.
Nas redes sociais, a Juventus soma e segue: desde que contratou Ronaldo, o clube já amealhou mais de dez milhões de seguidores entre Facebook, Instagram, Twitter e YouTube. Só no Instagram foram sete milhões de seguidores em cem dias.
Estratégia comercial sob ameaça
Com o impacto das vendas de camisolas, bilhetes e nas redes sociais a resultar exatamente como a Juventus tinha planeado, a acusação de violação feita, em Las Vegas, por Kathryn Mayorga a Cristiano Ronaldo, crime alegadamente ocorrido em 2009, teve efeitos indesejados, sobretudo na bolsa de Milão, onde está cotado o emblema transalpino. As ações da Juventus perderam 40 por cento do valor que tinham em duas semanas, depois de atingirem um pico máximo no dia 20 de setembro, quando cada ação chegou a custar 1,75 €; agora valem pouco mais de um euro. Uma queda que preocupa os responsáveis bianconeri.
Contudo, aquilo que a Direção da Vecchia Signora mais teme é o eventual impacto negativo que a alegada violação possa ter na estratégia comercial delineada pelo clube. O presidente Andrea Agnelli afirmou, em entrevista ao "Financial Times", no dia 17 de setembro, que com a contratação de Cristiano Ronaldo, a Juve pretendia renegociar todos os contratos com os patrocinadores num espaço de 24 a 30 meses e, com isso, aumentar o valor anual das receitas com patrocínios de 114 milhões para 235 milhões de euros.
Juventus teme os efeitos que o caso Mayorga possa ter
Os primeiros contratos a serem revistos são os que a Juve tem com a Adidas, marca desportiva que equipa o emblema de Turim, e da Jeep, marca de automóveis que pertence ao grupo Fiat Chrysler e que tem beneficiado com a venda de merchandising, redes sociais e visibilidade internacional. No entanto, a Juventus receia que as empresas queiram aguardar por uma definição deste caso, que de momento não é possível prever quando estará resolvido.
O clube, recorde-se, investiu mais de cem milhões de euros na contratação do capitão da Seleção Nacional e está obrigado a pagar 31 milhões de euros líquidos a Ronaldo nas próximas quatro épocas. Razões mais do que suficientes para temer ver o seu plano comercial ameaçado com as repercussões do caso.