Portugal não eliminaria a Polónia e Renato Sanches não seria arma secreta
Cumpre-se meio século do terceiro lugar de Portugal no Mundial de 1966. Há 50 anos, Fernando Santos não teria eliminado a Polónia a penáltis e Renato Sanches só poderia ser arma secreta se fosse guarda-redes.
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Numa década marcada pela forte emigração dos portugueses para a Europa Central, com o objetivo de trabalhar e fugir à Guerra Colonial, a Seleção Nacional estreava-se em fases finais de grandes competições. Foi uma das 16 equipas participantes, metade das que marcam presença atualmente num Mundial. O torneio decorreu apenas entre 11 e 30 de julho e contempla pequenas histórias que seriam impensáveis hoje em dia. Sinais dos tempos. "O mundo evoluiu mais nos últimos 50 anos do que nos cinco séculos anteriores. O futebol não foge à sociedade", sublinha o magriço António Simões, um dos obreiros do terceiro lugar.
A poucos meses do início do Mundial, a Taça Jules Rimet foi roubada numa exposição de selos. Seria encontrada no lixo por um cão chamado Pickles, que entrou de tal maneira na história do futebol que até tem direito a uma página na Wikipédia. Em termos de calendarização e organização, o evento estava longe de antecipar as preocupações atuais com televisão ou publicidade. Todos os jogos dos quartos de final, por exemplo, decorreram no mesmo dia e à mesma hora, um sábado às 15h00. Mas houve mais: todos os jogos do grupo da Inglaterra estavam programados para Wembley, mas um deles (França-Uruguai) teve de ser transferido para outro recinto, o White City. Isto porque para a hora do jogo estava agendada uma corrida de galgos em Wembley. Os festejos, esses, eram semelhantes aos atuais. Há várias imagens de jovens ingleses a festejar junto a fontes o título conquistado pela seleção anfitriã.
A Inglaterra venceu o seu primeiro e único título a jogar em casa, perante a ausência total de vizinhos britânicos. Nenhum conseguiu qualificar-se. De fora ficaram também as seleções africanas, neste caso por protesto. A FIFA determinou um play-off entre o vencedor da zona africana com Ásia/Oceânia. África queria a entrada direta e decidiu não participar. Apuraram-se os misteriosos coreanos, que conquistaram o povo de Middlesbrough, cidade onde decorreram os jogos da fase de grupos. Muitos jovens desta localidade seguiram para Liverpool, a fim de apoiar a Coreia do Norte nos quartos de final frente a Portugal. Os coreanos permitiram a reviravolta para 5-3, depois de uma vantagem de três golos, mas já tinham ganho um lugar na história. Seriam recebidos como heróis na capital Pyongyang. Um feito tão impactante que em 2002 um realizador inglês, Daniel Gordon, filmou o documentário "O jogo das suas vidas". Oito jogadores e o treinador participaram no filme, recordando uma epopeia dificultada pelo estatuto internacional da Coreia do Norte. O regime comunista de Kim Il-Sung não tinha relações diplomáticas com a Inglaterra, pelo que, para entrar no país, a Coreia aceitou que o seu hino não fosse tocado antes dos jogos.
O Mundial inovou e foi o primeiro a ter mascote, o leão Willie. Por outro lado, ainda foi disputado sem cartões e substituições (só era permitido trocar de guarda-redes se estivesse lesionado). As duas regras surgiram apenas no Mundial seguinte, o México"70. O Inglaterra-Argentina, dos quartos de final, ficou marcado pela expulsão do capitão argentino Rattín, que gesticulou perante o árbitro alemão e gerou-se uma tremenda falha de comunicação. Recebeu verbalmente ordem de expulsão, mas recusou-se a sair. Só abandonou o relvado com escolta policial. Depois deste episódio, o árbitro inglês Ken Aston, membro do comité de arbitragem da FIFA, viria a inspirar-se nos semáforos e inventou os cartões. O desempate por penáltis também não existia. A final, caso não ficasse resolvida no prolongamento (4-2 para a Inglaterra sobre a Alemanha, após 2-2 no tempo regulamentar), seria repetida na terça-feira seguinte a esse 30 de julho, um sábado (dia inédito para a final de um Mundial).
Do ponto de vista tático, a organização implementada pelo selecionador inglês Alf Ramsey fez a diferença. Depois das pioneiras e muito ofensivas táticas da Pirâmide (2-3-5) e do WM, na década de 1960 começou a haver uma maior preocupação da parte dos treinadores em dotar as equipas de mais equilíbrio. Ramsey variou entre o 4-2-4 e o 4-3-3, com médios e alas mais recuados, o que estaria na origem do 4-4-2. O treinador apostou também nas marcações individuais. Nobby Stiles, médio do Manchester United que jogava sem os dentes postiços da frente, ficou célebre pelas suas perseguições e entradas agressivas. Eusébio, nas meias-finais do Mundial"1966 e na final da Taça dos Clubes Campeões Europeus que o Benfica perdeu para o Manchester United em 1968, acabaria por ser o maior troféu da carreira de Stiles.