Estudos mostram que as equipas visitadas pioram os desempenhos em estádios vazios. Vários fatores terão influência, sendo um deles a aparente redução da parcialidade dos árbitros em favor do clube da casa
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A pandemia da covid-19 terá um profundo impacto no futebol. No imediato, a mudança mais óbvia é que vai regressar à porta fechada. Um assunto estudado até em universidades, com teses a demonstrar que a ausência de público contribui decisivamente para diminuir e tornar até quase irrelevante a chamada de "vantagem caseira" - traduzida na superioridade de vitórias e pontos conquistados pelos visitados.
Um estudo revela que os visitantes veem menos 0,5 cartões em média nos jogos à porta fechada
James Reade e Carl Singleton da Universidade de Reading (Inglaterra) e Dominik Schreyer da WHU - Otto Beisheim School of Management (Alemanha) iniciaram um projeto chamado "Ecos: o que acontece quando o futebol é jogado à porta fechada?", tendo apresentado este mês as impressões preliminares ao que sucede em jogos realizados com bancadas despidas, com a interpretação de vários dados estatísticos.
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De 2002/03 até 14 de março deste ano, foram avaliados 33 796 jogos, dos quais 161 à porta fechada, das provas da UEFA, Serie A, B e C italiana, Taça de Itália e Ligue 1 francesa. A amostra é relativamente pequena, mas comprova que a percentagem de triunfos caseiros diminui bastante sem adeptos: no total de todas as competições, passa de 45,8 para 36 por cento de triunfos, nas competições da UEFA de 49,1 para 30,8%, na Serie A e Ligue 1 juntas baixa de 45,7 para 39,6 %. Para os forasteiros o efeito é inverso: triunfam muito mais vezes, sobretudo na Europa. Passam de 26,8 para 41 por cento de vitórias, mais até do que os clubes que jogam em casa.
Menos cartões e faltas
Muitos tentam entender e explicar o fenómeno da "vantagem caseira" abordando os vários fatores que contribuem para a mesma - cujo peso tem vindo a diminuir. Num estudo da Universidade de Harvard, com base em mais cinco mil jogos da Premier League entre 1992 e 2006, o investigador Ryan Boyko, do departamento de psicologia, chegou a uma equação em que por cada dez mil adeptos num estádio a equipa caseira marcava 0,1 golos a mais. Outro, citado no "Times", diz que os jogadores chegam a correr "até mais dez por cento", em virtude do apoio dos adeptos que aumenta a motivação e ajuda a fazer esquecer a fadiga.
Contudo, tanto Boyko, como os investigadores já citados e outros que se debruçaram sobre o assunto, no futebol e noutros desportos, colocam também ênfase na parcialidade, ainda que subconsciente, dos árbitros em favor das equipas da casa. Isso traduz-se no assinalar de mais mais faltas a favor da equipa anfitriã e mostrar mais cartões aos forasteiros, consequência da pressão vinda do público, a que nem sempre um juiz consegue estar imune. Razão pela qual a análise aos 161 jogos à porta fechada já referida revela que os árbitros acabam por exibir menos cartões para as duas equipas, mas em particular às visitantes (0,5 por jogo/média).
Este fenómeno não é uma questão de desonestidade, antes um efeito psicológico e menos evidente em árbitros de maior experiência. Um exemplo? Outros investigadores colocaram 40 árbitros a rever um Liverpool-Leicester da época 1998/99. Metade sem som e a outra metade com o ambiente de Anfield "nos ouvidos". No final, a conclusão foi que estes últimos teriam assinalado menos faltas contra os reds e mais contra os foxes...
I Liga com atenção
A dez jornadas do fim da I Liga, os clubes devem acautelar-se para esta situação, pois, com raras exceções, o campeão, a Europa e as despromoções decidem-se muito no diferencial de pontos feitos em casa em relação aos rivais diretos. Para já, Benfica, Rio Ave, Santa Clara, Boavista e Tondela são as equipas que têm mais pontos fora do que nos respetivos estádios, com realce para os tondelenses, face aos nove pontos a mais conquistados longe do seu reduto.
DADOS
>> Desde 2002, apenas 39 de 5684 jogos da UEFA foram realizado à porta fechada. Mas enquanto nas partidas com adeptos a percentagem de vitórias caseiras foi de 49,3, sem adeptos baixou para 30,8, uma quebra de 18,5 por cento e que levou os visitados até aos 41% de triunfos.
>> A taxa de insucesso nos penáltis nas equipas visitantes desce de 20 para 9 por cento com jogos à porta fechada. Nos visitados sobe de 21 para 27 por cento.