PERFIL - Bernard Gonzalez, médico dos franceses do Stade Reims, pôs termo à vida domingo passado
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Bernard Gonzalez era um homem da ciência. Era assim que o chamavam. Sabia muito. Se calhar, na ideia de muitos, terá sido esse conhecimento enciclopédico que fez com se perdesse num labirinto dentro de si mesmo, levando-o ao mais desesperado dos atos.
Aos 60 anos, o médico do Stade Reims cometeu suicídio. Estava em isolamento com a sua mulher, depois de ambos serem diagnosticados como infetados pelo novo coronavírus. O clube, bem como a cidade do primeiro emblema de futebol icónico de França, ainda não recuperou do choque.
Há 20 anos ao serviço do seu clube de sempre, Bernard Gonzalez é agora recordado como um homem de "curiosidade imensa" pelo clube, que lhe fez uma pronta homenagem assim que a notícia trágica foi anteontem divulgada. O clínico era sobretudo alguém que se diferenciava pela proximidade com os atletas, desviando-se várias vezes da relação médico-paciente, assim que sentia que a situação exigia uma proximidade além do relacionamento profissional.
a sua aplicação e paixão rara num membro do staff médico devolveram ao Stade Reims um profissionalismo como há muito não se via
A sua presença fez-se sentir durante os anos de travessia no deserto do Stade Reims. Os rouges et blancs andavam a anos-luz da sua época áurea, quando, nos anos 1950, eram, à distância, o melhor esquadrão francês. Liderado pelo técnico Albert Batteux, o Stade era crónico campeão gaulês, com os seus craques Kopa, Fontaine e Jonquet, entre outros, a inspirarem terror na oposição - a conquista da Taça dos Campeões só foi negada, e por duas vezes, pelo irresistível Real Madrid, nas finais de 1955/56 e 1958/59.
Com a descida aos infernos, Gonzalez encontrou um clube familiar, quase provincial, e a sua aplicação e paixão rara num membro do staff médico devolveram ao Stade Reims um profissionalismo como há muito não se via. Com a devolução ao patamar mais alto, a Ligue 1, assentou como uma luva a postura diligente e de método sofisticado de Bernard Gonzalez, conhecido por "Doc".
De natureza afável e com uma vida doméstica aparentemente estável, segundo o "Le Parisien" - que entrevistou várias figuras do clube nas últimas horas -, o médico estava em casa com a esposa a cumprir o período de quarentena, sem dar grandes sinais para o exterior.
Num país que conta já mais de nove mil mortes causadas pela covid-19, Bernard Gonzalez foi encontrado no seu escritório, onde guardava a sua adorada e vasta biblioteca. Estava morto. Não é do conhecimento público como pôs termo à vida. A seu lado tinha uma carta a justificar o seu último gesto. Não é conhecido o seu conteúdo.