"O presidente chateou-se e mandou 15 atletas de férias. Quem sofreu fui eu"
ENTREVISTA, PARTE II - Ricardo Soares confessa as dificuldades da passagem curta pelo Cairo, com decisões abruptas
Corpo do artigo
Que mundo o Ricardo Soares descobriu ao trabalhar no Egito e China?
—Enriqueceram-me na forma de olhar para o mundo e estar na vida de maneira mais abrangente. Nunca pensei, mesmo acreditando na minha capacidade e esforçando-me para ter sucesso como treinador, que a carreira sofresse esta transformação. Foram vivências incríveis, nada paga isto. Dois países muito diferentes, dois clubes gigantes. O Al Ahly tem um peso maior, tem essa pressão excessiva de dentro e fora, isso diz da grandeza e exigência tremenda. É o segundo clube mais titulado do mundo. As pessoas são muito fanáticas, aí a cultura difere muito da China, porque as reações podem dar para qualquer lado, há muita angústia e obsessão, e até pode ser perigoso. Mas gostei muito, havia uma grandeza que se notava e respeitava. Só não correu como queria. A China é um excelente país, de pessoas educadas, onde passeias na rua e não há crime de qualquer espécie. As pessoas tremem a pedir-te uma foto. Nunca podes rejeitar uma foto a um chinês. No Egito não é assim, já percebes a vida e o mundo em 300 ou 400 metros, onde vês um palácio, ao lado uma casa sem teto, e, mais ao lado, alguns sem-abrigo. Algo surreal!
O Al Ahly soube a pouco?
— Foram 19 jogos, dois meses, uma fase muito conturbada do clube, onde fiz 12 jogos sem grande parte do plantel, o presidente chateou-se e mandou 15 atletas de férias. Uma decisão de força por causa de discussões com o Conselho de Arbitragem. Quem sofreu fui eu, pese os resultados não terem sido maus para o contexto, mas tinha ido com expectativas de ganhar títulos. Ganhei uma Taça, mesmo assim… No Egito castigam, proíbem o atleta de treinar mas também ilibam dum dia para o outro.
E o que aconteceu para lhe riscarem, de repente, tantos jogadores?
—O campeonato esteve parado alguns anos depois da tragédia em que morreram 72 pessoas. Tentam recuperar o calendário de anos anteriores e isso gera uma sobrecarga brutal, sem que o corpo descanse. Tinha muitos lesionados, outros casos de fadiga, inteirei-me do que se passava. Dei uma sugestão de férias, mas não para me colocaram os jogadores de férias como fizeram, seria para forçarem a Federação a adiar o arranque do campeonato seguinte. Enquanto disputava um título, fiquei sem jogadores.
Imagino que tenha sentido o peso do Manuel José no clube?
— O Manuel José foi muito importante, já apreciava a sua forma de estar, muito direta e sem rodeios, frontal, alguém que convive bem com as opiniões que emite. Já era uma referência, mas depois de o conhecer, percebi porque era um deus no Al Ahly. Toda a gente fala dele, é venerado, há um respeito enorme que é bonito de se ver. Ajudou-me imenso com conselhos, como lidar com a cultura, prontificou-se a ajudar. A passagem não correu bem, mas não foi por ele não me ter elucidado.