Numa entrevista em exclusivo a O JOGO, Jaime Pacheco, treinador do Zamalek, falou da segunda experiência que está a viver no Egito, mas também da atualidade do futebol português.
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Esta bem podia ter sido uma semana de sonho para Jaime Pacheco, porque o Zamalek disputou, no espaço de dias, a final da Liga dos Campeões Africanos, diante do grande rival, o Al-Ahly, e as meias-finais da Taça do Egito. Duas derrotas impediram à equipa terminar a época da melhor forma, depois da excelente recuperação no campeonato.
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Apesar dos desaires, o treinador português manteve a palavra dada e concedeu uma longa entrevista a O JOGO. À hora marcada, enviou uma mensagem a dar conta de que estava disponível para falar. Numa altura em que está quase a fazer 20 anos desde o título de campeão conquistado pelo Boavista, o treinador português acredita que o Braga pode cometer a mesma proeza. Garante até que torce para que tal aconteça.
Quase 20 anos depois do título do Boavista, qual o significado desse feito?
-Costumo dizer, na brincadeira, e quem não me conhece interpreta mal aquilo que eu digo, mas estou a marimbar-me para isso, que o campeonato ganho pelo Boavista já prescreveu para muita gente que anda no futebol. Só falam os boavisteiros ou uma ou outra pessoa por inveja. Mas, naturalmente, foi um feito histórico e desejava que mais algum clube repetisse o que nós conseguimos.
Acredita que isso pode acontecer em breve?
-Nesta altura o Braga tem muitas condições para ser campeão e para cumprir o desejo do presidente António Salvador. Tem equipa para ser campeão. Está bem orientado, tem um plantel fabuloso, uma organização tremenda. É o Boavista de outros tempos. Oxalá tenha ambição e capacidade. Não tenho nada contra os outros clubes, mas sinto que o Braga pode ser o Boavista do início do século.
"A grande diferença do Sporting para as outras equipas é não estar nas competições europeias. Se estivesse, de certeza que não estaria em primeiro no campeonato"
E vê o Sporting com capacidade para lutar pelo título já esta época?
-O Sporting era e continua a ser um grande clube. Tem fases ou anos menos positivos, porque o FC Porto e o Benfica têm apresentado grandes equipas e têm ganho com mérito, mas o Sporting está a fazer um campeonato espetacular com uma equipa nova. A grande diferença do Sporting para as outras equipas é não estar nas competições europeias. Se estivesse, de certeza que não estaria em primeiro no campeonato. Como foi afastado, tem tempo para treinar, recuperar e não tem o desgaste emocional por ter de disputar três jogos por semana. O Sporting está a tirar partido disso, mas acredito que o Benfica e o FC Porto, numa evolução natural e normal, mais lá para a frente vão aproximar-se do Sporting.
Sente que ficou marcado por esse título, até em termos negativos?
-O que sei é que tenho orgulho enorme em ter cometido esse feito num clube que eu adoro, com adeptos e pessoas que não esqueço. Tivemos muito mérito num clube que não tinha a dimensão dos outros, mas sempre foi muito bem organizado e com pessoas com muito valor. Havia muita qualidade.
Mas não sente que ficou conhecido por ser um treinador resultadista e que a equipa cometia muitas faltas?
-Ainda agora passam esses jogos na televisão e vê-se que jogávamos melhor do que os nossos adversários. Éramos até uma equipa mais fustigada pelos adversários. Como não tinham maneira de combater o nosso futebol, inventavam isso para retirar mérito às nossas vitórias. É conversa de fim de jogo e, nesse capítulo, somos o pior povo do mundo. Trabalhámos muito de manhã à noite, com sol e com chuva. Levámos o nome do Boavista pela Europa dentro, realizando grandes exibições e grandes resultados.
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"RECEBI PROPOSTAS DE EQUIPAS LIGADAS À MÁQUINA"
A viver os primeiros meses no Zamalek, onde chegou em setembro, Jaime Pacheco fala do dia a dia no Cairo, onde gosta de estar, mas não esconde as saudades de Portugal.
Com a pandemia, o seu dia-a-dia mudou muito?
-A pandemia atacou mais o nosso grupo nos últimos tempos. Quando cheguei ao Cairo não havia a preocupação que já existia na Europa, mas sempre tivemos muito cuidado com o uso de máscara, do desinfetante e estou farto de fazer testes a toda a hora. Estamos bem protegidos e evitamos ser contaminados, como é óbvio.
Tem saudades do futebol português?
-Tenho saudades de tudo o que é Portugal. Sou emigrante há 10 anos, mas patriota de alma e coração, português de gema, como se diz na gíria, porque gosto de tudo o que é português. Quanto mais emigro mais gosto do que é português. A vida nem sempre nos dá o que desejamos, mas estou sempre atento ao futebol português. Estou a par de tudo. Só tenho pena de não haver adeptos nos estádios. Aqui, no Egito, isso já acontecia, e limitam a entrada a 50 adeptos para cada um dos clubes. Não permitem mais por causa do problema da violência que se verificou quando o Manuel José ainda cá estava. Mas os jogadores precisam do público. O futebol até parece mais triste.
Apesar das saudades de Portugal, admite que recusou alguns convites para treinar na I Liga
Nos últimos anos recebeu algum convite para treinar na I Liga portuguesa?
-Recebi pontualmente algumas propostas, mas eram equipas que estavam "ligadas à máquina" ou perto disso. Não fazia sentido aceitar um projeto desses, porque não gosto de perder. Ia ter problemas.