"O adjunto disse: 'Não vão acionar a tua opção de compra, é por isso que não vais jogar'"
ENTREVISTA - Aventura turca correu mal a Pedro Rebocho, que se deixou iludir com promessas que não eram para cumprir.
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Em 2018/19, Pedro Rebocho foi o terceiro defesa com mais assistências para golo no top-5 das ligas europeias. Jogava então no Guingamp, de França. A produtividade ofensiva convenceu o Besiktas a apostar nele, mas com uma cláusula que viria a tornar-se decisiva para o insucesso. E o lateral-esquerdo português acabou por regressar da Turquia com uma sensação de amargura, sem o prometido contrato de sonho e, pior do que isso, com salários em atraso.
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Que balanço faz deste ano que passou no Besiktas?
-Positivo, mas ao mesmo tempo com um sabor agridoce. Tive momentos muito bons, mas a partir de janeiro tudo mudou e a época já não correu como eu esperava. Adorei Istambul, os adeptos, o estádio, que tinha o melhor ambiente onde já joguei. Mas também houve partes menos positivas.
A que se refere?
-Havia uma cláusula no contrato que previa que, quando eu atingisse os 20 jogos no clube, o Besiktas tinha obrigatoriamente que me comprar. Só que, depois de eu ter feito a 17.ª partida o treinador adjunto veio falar comigo e disse: "Como sabes, o clube está muito mal financeiramente e os dirigentes não vão acionar a tua cláusula de compra. É por isso que já não vais jogar o próximo jogo. Supostamente ias jogar hoje, mas até a tua situação estar resolvida a Direção diz que não jogas". A partir daí, não joguei mais. Fui convocado algumas vezes, mas sentia que não era com a intenção de me porem a jogar.
Quanto tinha que pagar o Besiktas para o adquirir?
-Creio que era à volta de dois milhões e tal de euros, não sei ao certo. Mas o clube vivia grandes dificuldades financeiras. Era uma realidade completamente diferente. Cheguei a ficar seis meses sem receber e neste momento ainda tenho salários em atraso. Com esses problemas faltava-me motivação para jogar. Sempre pensei que fazer 20 jogos estava longe de ser inatingível, mas não aconteceu. Dos adeptos é que não tenho razões de queixa. Sempre me apoiaram e mesmo na altura da despedida recebi muitas mensagens positivas deles.
"O adjunto disse: "Não vão acionar a tua opção de compra. É por isso que não vais jogar o próximo jogo""
A crise do clube teve a ver com a pandemia?
-Não. Aconteceu desde que cheguei, pois nunca recebi um salário em dia. Logo de início atrasaram dois meses. Há pouco tempo, tinha quatro salários em atraso e ainda a renda da casa que pagava eu com a condição de eles me reembolsarem. Entretanto, pagaram dois ordenados, pelo que agora são dois meses em atraso.
Como pensa resolver esta situação?
-Chegámos a pensar em apresentar o caso à FIFA, mas entretanto pagaram dois meses e já não vamos fazer isso. O meu objetivo também não era esse. Eu não queria arranjar problemas com o clube, até porque me sentia bem lá. E a questão financeira nem sequer é com o objetivo de comprar roupa, ou de comprar um carro, não tem nada a ver com isso. É só porque tenho uma família, tenho contas a pagar e não tenho que estar a pensar: "E se eu não pagar esta conta?" É um problema que já existia no clube na época passada e nos anos anteriores também, com o anterior presidente. O novo presidente melhorou um pouco e sempre foi sincero, isso é verdade, disse que ia tentar resolver a questão financeira até ao fim da época.
Com a pandemia piorou tudo, não?
-Sim, claro, eles perderam o dinheiro dos direitos televisivos e também as receitas da bilheteira, entre outras verbas.
Havia mais jogadores na mesma situação?
-Sim, sim.
Como resumiria esta aventura turca?
-Foi uma experiência incrível, mas houve algo que ficou por fazer.
Não volta lá mais?
-Admito voltar, porque ficou um carinho pelo clube, cidade, adeptos. Para mim, conta mais o lado positivo do que o negativo. O que retiro de lá são os momentos bons que tive.
"Nunca recebi um salário em dia. Logo de início atrasaram dois meses. Tinha quatro em atraso agora, mas já pagaram dois"
De qualquer forma, mencionou aqui uma clivagem grande.
-Se eu cumpro com os meus deveres, se me apresento todos os dias para treinar, respeitando as regras e o regulamento do clube... Andar a trabalhar sem receber? Eu gosto muito de jogar futebol, mas isto para mim é uma profissão. E o dinheiro nunca foi o mais importante. Jogo porque gosto de jogar. Mas estar quatro meses sem receber, e agora dois, é muito tempo. É um problema recorrente e também quero contar isto porque é importante os jogadores que possam ir para lá saberem. Esse foi um ponto negativo e também o facto de me deixarem de fora tanto tempo, só por causa dessa tal cláusula.
E agora? Quais os seus planos?
-Conto ficar uns dias em Portugal, a visitar a minha família que não vejo há algum tempo. Há um ano que não estava em cá, quero aproveitar para estar com os amigos. É sempre tudo a correr, há muita coisa a fazer. Depois volto a França e aos treinos. Tenho que lá estar dia 9. Eles começaram na segunda-feira, mas eu pedi para chegar mais tarde, porque estive muito tempo fora de Portugal e foi uma época difícil.