"No FC Porto, qualquer jogo era uma final e quando se perdia era o fim do mundo"
ENTREVISTA (Parte 2) - Olhando para trás, André Silva daria outros conselhos a si próprio. Assume que nem sempre fez o correto mas hoje sente-se melhor pessoa.
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Além do trabalho no campo, André Silva considera fundamental treinar também a parte mental e isso, garante, tem feito dele melhor jogador.
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-Fala muitas vezes das questões mentais, diz-se um jogador mais forte mentalmente e a verdade é que, até por esta entrevista, parece sempre muito focado em si próprio, no trabalho e na evolução. É só feitio ou há trabalho mental por trás?
-Há muito trabalho mental. Não sou o mesmo jogador que era no FC Porto. Tentei sempre focar-me no trabalho mental e físico. Mental é mais difícil, porque não controlamos. Há coisas difíceis que aos olhos dos outros não se notam, mas nós sentimos. Os momentos mais difíceis foram o mais importante para melhorar. Nunca seremos perfeitos, importante é querer melhorar. Não adianta dizer que pensamos positivo quando não o fazemos. A atitude e vontade são o importante. Temos que mostrar isso principalmente a nós próprios e tentar sair do buraco onde estamos.
Já teve discursos positivos para o exterior sem os sentir?
-Durante a minha carreira fui como um lobo pequeno lançado para uma alcateia de lobos. Estava a aprender, a crescer. Não fujo à regra. Erros foram muitos mas é bom sinal, sinal que temos algo para aprender. A nível mental e na forma de olhar para as coisas de forma positiva nem sempre fiz o correto e, se tivesse feito, isso poderia trazer-me mais progressos. Agora sou uma pessoa mais correta, faço as coisas melhor. Olhando para trás, daria outros conselhos a mim mesmo, mas a vida é mesmo assim e é por isso que tem graça.
"No FC Porto, quando se perdia era o fim do mundo. Agora, ao não lutar tanto por títulos, temos de adaptar a mentalidade, senão afundamos"
Teve algum apoio psicológico por fora?
-Nunca tive ninguém ligado a mim a fazer trabalho psicológico. A família e os amigos estiveram sempre ligados a mim. Tentamos sempre sair das zonas mais difíceis graças as nós, somos os primeiros a querer isso. Aprendi muito comigo mesmo. Tento olhar para tudo o que me rodeia. Passando por tantos campeonatos pude conviver com diferentes jogadores, diferentes culturas e formas de pensar, aprendi muito com isto tudo. Melhorei a parte mental trabalhando comigo mesmo, querendo sair das zonas difíceis.
Como é que uma mentalidade ganhadora como a sua se adapta a jogar numa equipa que não luta por títulos?
-A verdade é que no FC Porto sempre ansiamos por títulos e lutamos por isso, mas à medida do tempo essa foi uma das coisas com que tive que lidar. No FC Porto qualquer jogo era uma final e quando se perdia era o fim do mundo. Isso acaba por nos deitar abaixo. Fui crescendo com o tempo, porque noutros clubes não estamos na mesma posição que o FC Porto está na Liga portuguesa. Ao não lutarmos por tantos títulos, temos de adaptar a mentalidade, senão vamos afundar-nos. É pensar positivo e pensar que demos o nosso melhor. Focar apenas no que controlamos.
"Não adianta dizer que pensamos positivo quando não o fazemos"
As coisas nem sempre lhe correram bem. Nunca se arrependeu de ter saído tão cedo de Portugal?
-Tive momentos muito complicados. Agradeço a todos agora, olho para trás de forma positiva, esses momentos transformaram-me no jogador e na pessoa que sou neste momento. Sinto muito orgulho. Acho que é através de caminhos difíceis que ficamos melhores, se estivermos sempre a lutar e nunca desistirmos. É isso que sinto. Acho que sou melhor pessoa e melhor jogador. Mas acredito que, se tivesse mais estabilidade, teria mais golos e melhor futebol. Penso que o que passei agora, no futuro vai valer a pena, porque a nível humano sou melhor pessoa. E a nível mental também estou mais forte e posso passar isso para o campo, fazer o meu futebol e atrair mais pessoas a apaixonarem-se pelo meu tipo de jogo.
Quer falar desses momentos complicados?
-Tive alguns momentos maus, no Milan não joguei o que esperava. Não jogando não podia marcar. No Sevilha, no final, com a lesão, também não foi fácil. Em Itália foi principalmente porque estive longe da zona de conforto, estava longe da família. Quando passava mal, eles ao longe não notavam tanto e eu tentava não o mostrar para eles não passarem também mal. Agora vejo as coisas de outra forma. Sinto o apoio deles de outra maneira. Os momentos difíceis fizeram-me pensar na melhor forma de sair dessas situações. Estou na minha melhor forma e a cada ano que passar vou estar melhor.