Nove anos depois de fugir à 4.ª Divisão e à falência, o modesto clube sueco está prestes a ser campeão pela primeira vez e fazer feliz uma localidade de apenas 800 habitantes
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Quase de certeza que não era bem isto que Axel Bengtsson tinha em mente quando, em 1939, começou a espalhar a palavra de que o futebol podia servir para dar visibilidade e até retorno financeiro considerável a uma pequena e modesta localidade, mais ou menos isolada e esquecida no sul da Suécia. Para isso, defendia ele, fazia falta unir os vizinhos Listers IF e o Halleviks IF e criar um só clube local capaz de agregar mais pessoas, reunir mais apoios e dar à comunidade um propósito comum e mais ambicioso. A ideia soou megalómana e começou por ser desconsiderada, mas Bengtsson, agricultor como a maioria dos seus conterrâneos e, segundo a lenda, dotado de uma oratória acima da média, levou a dele avante. E, a custo, lá nasceu o Mjallby AIF. O objetivo mais pragmático era construir um dos "clubes mais pequenos da elite do futebol europeu", já o lema não podia ser mais mobilizador: "juntos tornamos possível o impossível". Passados 86 anos, essas inconcebíveis expectativas estão prestes a ser superadas.
Situada nas margens do Mar Báltico, Hallevik tem à volta de 800 habitantes - Solvesborg, a cidade mais próxima, tem 10 mil habitantes -, mas é lá que bate o coração do mais que provável futuro campeão sueco. Para tal acontecer, a equipa comandada por Anders Torstensson precisa apenas de vencer uma das últimas quatro jornadas (ou que o Hammarby perca em alguma delas), sendo que a proeza pode ser consumada no dia 20, na casa do histórico Gotemburgo. Impensável por todos os motivos e também por este: em 2016, o Mjallby esteve para cair na quarta divisão e até desaparecer. "A visão de Axel Bengtsson simboliza fé e superação e a história do Mjallby é isso: em 1980, mostrou que podia competir na 1.ª Divisão; em 2023 que podia disputar a final da Taça da Suécia e em 2026 vai jogar nas competições europeias. Oxalá consigamos quebrar mais barreiras, a começar já por provar que um pequeno clube como o nosso pode ser o melhor da Suécia", refere Jacob Lennartsson, diretor-geral do clube, a O Jogo.
Em 26 jornadas disputadas das 30 que compõem a Allsvenskan, o Mjallby só sofreu uma derrota, tem a defesa menos batida e derrotou os gigantes Malmo, AIK, Gotemburgo e Djurgardens. Isto com um dos orçamentos mais baixos do campeonato e sendo um dos clubes que menos receitas gera. "Somos um clube estável financeiramente, mas ainda temos que pensar muito bem cada novo investimento", explica Lennartsson, salientando que "por detrás destes resultados está uma estratégia pensada a longo-prazo, que permitiu criar boas condições financeiras e estruturais, com mais profissionalismo e mais pessoas". Os dividendos estão à vista e o futebol está prestes a testemunhar um dos grandes feitos de sempre. Bendito wAxel Bengtsson!
O ex-militar que virou treinador e faz história apesar da leucemia
Houve uma altura em que Anders Torstensson queria era distância do futebol, ter mais tempo livre, dedicar-se ao ensino. Depois de passar uma década no exército, como militar, tornou-se professor e, após algumas experiências como treinador, quer na formação quer na equipa principal do Mjallby, convenceu-se de que não estava talhado para a função. Opinião diferente tinham os atuais dirigentes do clube que, em 2023, foram recuperá-lo à escola onde já era diretor. Dois anos volvidos, Torstensson virou o mais importante treinador do Mjallby e nem uma leucemia linfocítica crónica recentemente diagnosticada lhe pôs um travão.
A glória ao lado de amigos e vizinhos
Antes de ser diretor-geral, Jacob Lennartsson representou o Mjallby como jogador, foi treinador na formação e passou pelo departamento de comunicação. Nasceu perto do estádio e é adepto do clube desde sempre. Mas não é caso único. A maioria das pessoas que atualmente trabalha na estrutura tem uma ligação igual ou parecida ao clube. O diretor desportivo Hasse Larsson também foi jogador, tal como o treinador Anders Torstensson, que é amigo de infância do presidente Magnus Emeus. Todos são nativos das redondezas, todos são Mjallby. "Acredito que isso é uma grande vantagem. Conhecer a história e as pessoas ajuda-nos a tomar melhores decisões porque quando decidimos alguma coisa fazêmo-lo não só com a cabeça mas também com o coração", defende Jacob Lennartsson.
Também o plantel tem vários jogadores locais ou formados no clube e a aposta na prata da casa é inegociável para o projeto do Mjallby. "O nosso objetivo é conseguir que 50% do plantel seja constituído por jogadores da nossa academia e promover pelo menos dois jogadores por ano à equipa principal. Se precisarmos de contratar, olhamos primeiro para a nossa região e só depois para o resto do país", lê-se no site oficial. Por outro lado, esta ligação à comunidade estende-se para lá do aspeto desportivo. Através do programa "Outside the Rectangle", o Mjallby aspira a criar projetos e oportunidades que se enquadrem "nas necessidades sociais da região" e "através do futebol tentar melhorar as vidas de pessoas mais velhas e mais novas". "Para nós, também é muito importante ter um impacto positivo na sociedade", sublinha Lennartsson.
"Ainda é difícil de acreditar"
Casa do Mjallby desde 1953, e também ele obra de Axel Bengtsson, o Estádio Strandvallen transformou-se nos últimos meses quase num local de peregrinação, de culto. Tem capacidade para seis mil espectadores e nunca como esta temporada teve tanta afluência. "Há cada vez mais pessoas a vir ao estádio e as vendas de produtos batem recordes em quase todos os jogos", confidencia Jacon Lennartsson. Os dias de jogo não são apenas para apoiar o Mjallby, mas também uma oportunidade para conviver com um copo de cerveja na mão, ouvir música, aproveitar a praia, que fica logo à saída do estádio, pôr a conversa em dia. O assunto, inevitavelmente, anda à volta do mesmo, quem sabe para se convencerem de que é mesmo verdade.
"Ansiedade ou excitação? Sinceramente, não sei bem o que sentir. Ainda estou a tentar assimilar tudo, continua a ser difícil acreditar que podemos mesmo ganhar o título. Acho que ninguém aqui compreende muito bem o que está a acontecer", conta, a O JOGO, Jakob Rasmusson, vice-presidente do grupo Sillastrybarna, a única claque oficial do clube desde 1992 (ver caixa), e adepto de longa duração do Mjallby. "Toda a minha família apoia o clube e tenho memórias de ver o meu avô sair de casa para ir ao estádio. Vou a todos os jogos que consigo, seja em casa ou fora, e também não faltarei aos jogos europeus que teremos na próxima época", acrescenta.
A incredulidade pelo que está prestes a suceder fica evidente na forma como aborda o tema, sempre com pinças, apesar de o título estar praticamente garantido. "Se acontecer", "se ganharmos"... "Vamos ver como as coisas correm, mas a festa será muito grande. Tenho dúvidas que alguém vá trabalhar no dia seguinte", perspetiva Jakob Rasmusson.
Sim à inclusão, não aos telemóveis
Lado a lado com os bons resultados da equipa caminha o crescimento associativo ligado ao Mjallby. O clube nunca teve tantos sócios como agora e o mesmo se passa com o grupo Sillastrybarna, que em pouco tempo passou de "menos de 30 membros para 500". A claque, que também dá nas vistas pelas coreografias que apresenta, está "aberta a todos, independentemente da idade, do género e da origem", propõem-se a "trabalhar por uma cultura positiva nos estádios" e "opõe-se veementemente a todas as formas de violência, racismo e sexismo", pode ler-se no site oficial. Sobre o uso de telemóveis durante os jogos não é tão intransigente, mas a mensagem é clara. "Mantenham-nos nos bolsos. Antes e depois do jogo há muito tempo para usá-los. Durante, apoia-se a equipa e nada mais".