PERFIL - Quem era Michael Robinson, ex-jogador do Liverpool que faleceu na terça-feira?
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Não foi por não querer caminhar sozinho que não marcou o penálti da final da Taça dos Campeões Europeus de 1984; simplesmente não houve necessidade e foi um tremendo alívio.
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Michael Robinson, o comentador de futebol com sotaque inglês consagrado por uma Espanha que lhe chamava "culé" em Madrid e madridista em Barcelona, foi um grande do futebol. Jogou no lendário Liverpool da década de 1980 e levantou a Orelhuda em Roma, frente à equipa da casa. A decisão foi para os 11 metros e ele seria o sexto a bater se a primeira série não resolvesse. O campeão mundial Graziani falhou e Alan Kennedy (4-2) acabou com as aflições deste natural de Leicester que "estava cagado de medo". E pior ficou no dia seguinte, quando estava responsável por transportar a taça e a deixou perdida no free-shop do aeroporto. A razão era... quase boa. Na loja franca havia cigarros da marca que a mãe dele fumava, mas Michael só o percebeu à última hora. Foi comprar um volume e, por se esgotar o tempo, correu para o avião. Quando o capitão Graeme Souness, esse mesmo que treinou o Benfica, lhe perguntou pelo Caneco, fez o maior sprint da carreira.
Michael Robinson era um personagem. Quando se transferiu do Liverpool para o Osasuna procurou sem sucesso localizar o clube no mapa, mas só ao segundo ou terceiro dia de lá estar percebeu: a cidade chama-se Pamplona. Ah!, nessa altura já sabia dizer "cerveza". Ele era assim mesmo, entendia a vida com leveza e sentido de humor. A coisa só era mais séria se o tema fosse o Liverpool, como expressa esta declaração numa entrevista à "Esquire": "Ir ver o Liverpool a Anfield era como se o Pai Natal viesse a cada quinze dias. Jogar ali era fazê-lo por uma causa, tinha um valor acrescido. Tentávamos que as pessoas ficassem orgulhosas. Aqueles eram os gladiadores da sociedade que perderam o trabalho com Margareth Tatcher [primeira-ministra britânica entre 1979 e 1990]".
Assim como disse que o "futebol inglês está para a criatividade como Herodes para cuidar de crianças" [Herodes segundo um evangelho de Mateus terá mandado matar todas crianças de Belém], achou estranho que os colegas de equipa do Osasuna rezassem antes de entrar em campo. "A equipa é tão fraca que até precisamos de preces antes de jogar", dizia ele ao pai. Também depreciava o "tiki-taka" e dizia que mesmo aquele Barcelona de excelência num dia mau esvaziaria metade dos recintos ingleses. "Não viemos ao estádio ver meninos a tocar a bola, eu quero ver sangue". A sangrar por dentro saiu do último estádio onde trabalhou. Em março, comentou em Anfield o Liverpool-Atlético de Madrid (2-3) para a Champions. Ser de Morata o último golo que comentou foi uma espécie de poesia trágica.
Vítima de um melanoma metastizado que o roeu nos últimos dois anos, ontem pousou o microfone ao lado das chuteiras. A família agradeceu a quantos quantos "fizeram este homem tão feliz, nunca caminhou sozinho". Há um ano dissera: "Tenho 60 anos e vivi na Disneylandia".