ENTREVISTA >> Luís Castro, agora no comando técnico do Al Nassr, deixou o Botafogo confortável na liderança do Brasileirão e admite que esperava ver o clube ser campeão
Corpo do artigo
Toda a verdade sobre o Botafogo na primeira pessoa.
Projeto do Botafogo começou com urgência de organizar o clube quase de raiz. Saiu com impacto, quando comandava o Brasileirão, deixando no ar a ideia de que pode retomar a rota no futuro
Que balanço faz da sua passagem pelo Brasil?
-Foi um percurso ondulante, como o Oceano Atlântico. Chegámos e não tínhamos nada. Não havia centro de treinos, campo para treinar e o estádio tinha más condições. Não havia um sítio para fazermos as refeições juntos, não tínhamos massagens, nem sequer marquesas. A equipa vinha da Série B e tinha de ser reconstruída, apesar de ter muitos jogadores e seres humanos bons. Tínhamos de refazer tudo. Encontrámos também uma mentalidade muito fatalista. Após um jogo, ganhando ou perdendo, as pessoas pensavam que não iriam voltar a vencer.
Os primeiros tempos foram difíceis. Como conseguiu reestruturar tudo?
-Em primeiro lugar, tivemos de encontrar um centro de treinos com balneários que permitissem que todos se equipassem juntos. Depois, também foi necessário construir uma mentalidade vencedora, a parte mais difícil, dado que necessita de comunicação permanente. Fomos resolvendo problemas. Os jogadores deixaram de comer sandes depois do treino e criámos um refeitório, um posto médico, um auditório e outras condições, implementando uma organização que permitiu ao clube estar pronto para discutir algo no futebol brasileiro. Na primeira época criámos essas condições e partimos para a segunda com o objetivo de conquistar uma vaga na Libertadores. O compromisso com o grupo era simples e passava por melhorar sempre a classificação. E se estivéssemos em primeiro a ideia era aumentar a vantagem. Depois de um Carioca muito mau, quase toda a gente pediu a minha saída, curiosamente os mesmos que depois pediram para eu ficar. Mas ainda somos donos de nós mesmos. Quem bate esquece, mas quem leva nunca esquece. Não saí por isso, mas sim pela oportunidade única que tive. No futebol, não são só os clubes que podem dispensar treinadores. Às vezes também pode acontecer o contrário. A vida de um treinador não é só chegar ao estádio e a administração mandar embora.
Saiu com o Botafogo a liderar com vantagem confortável de sete pontos, mas o clube não conseguiu manter o primeiro lugar. Como viveu esse drama do clube nas últimas jornadas?
-Estava convicto de que o Botafogo ia ser campeão, pela qualidade dos jogadores e pela sua dimensão humana. Eram fantásticos, mas como em tudo na vida é necessário contexto para a qualidade de manifestar. Em determinado momento esse contexto não existiu e aconteceu o que toda a gente sabe. É uma equipa que jamais esquecerei, fundamentalmente pela forma unida como esteve nos momentos maus, em que nos fechámos muito e evitámos que nos tocassem.
Encontra explicação para a equipa perder o título da forma como perdeu?
-Sei pouco do que se passou a seguir à minha saída. Não tenho o atrevimento de tentar falar de coisas que desconheço, uma arte que muitos têm mas eu não tenho. Há uma arte comum de tentar adivinhar o que se passa nas outras casas, no caso do futebol o que se passa nos treinos e no balneários, mas eu não não consigo falar sobre o que não sei. Foi com tristeza que não vi o Botafogo campeão. Depois de ver a equipa com 13 pontos de avanço jamais pensei que iria claudicar. Mas não é o fim do mundo, porque o Botafogo é um clube de grande prestígio, com uma história maravilhosa e ídolos que são referências do futebol mundial. A massa adepta é muito emocional e adora o clube. A emoção e a forma como se expressa no estádio é muito natural. Esse comportamento nunca magoa. O que magoa é a premeditação de alguém ir a um estádio para ofender outra pessoa. Ter as bancadas cheias de gente que dirige palavras menos próprias ao treinador não ofende, mas a premeditação ofende e é imperdoável.
Treinar no Brasil é mais exigente do que noutros lados?
-O Brasil é uma paixão. Os estádios estão sempre cheios, a emoção é permanente. Os jogadores têm enorme vontade de jogar, há festa antes e depois dos desafios e os media envolvem-se da competição de forma diferente. Mas há uma coisa: se não chegarmos preparados, ali derrete alcatrão! Tudo ferve e é preciso estar pronto para aguentar o embate. Há momentos violentos em termos mentais, com pressão enorme, mas quando estamos determinados pode vir a pressão toda. No Botafogo ela veio de todo o lado, mas seguimos em frente e relativizámos as coisas que percebíamos.
Teve alguma situação mais desagradável com os adeptos?
-Há momentos em que é melhor não sair de casa, mas nunca tive uma má abordagem na rua. Agradeço ao povo brasileiro a forma como sempre fui tratado. Senti apoio e carinho. Num estádio compreendo as emoções.
Parece falar com nostalgia. Regressar ao Brasil está nos seus planos?
-Gostei muito e um dia talvez volte. Aliás, posso afirmar que gostava de voltar ao Brasil. Tenho muito boas recordações de tudo. É um campeonato com uma competitividade enorme, há equipas campeãs que descem de divisão. Nada pode ser dado como adquirido, pois a luta é até ao fim.