Lisca Doido: o adversário de Abel Ferreira e treinador sensação do Brasil em 2020
Treinador de 48 anos está à frente do América-MG, líder da Série B do campeonato brasileiro e equipa rival do Palmeiras, do português Abel Ferreira, na meia-final da Taça do Brasil.
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Forjado entre a irreverência e a espontaneidade de um personagem taxado como "doido" e a habilidade de um treinador estratega, inteligente e trabalhador, Luiz Carlos de Lorenzi tornou-se o técnico sensação do Brasil em 2020.
Difícil, entretanto, é algum adepto conhecê-lo pelo nome verdadeiro. Experimente, então, perguntar pela alcunha: Lisca Doido. Aos 48 anos e a viver o auge da carreira, o "louco" mais icónico entre as figuras do futebol no país está no caminho do Palmeiras, do técnico internacional português Abel Ferreira.
Líder da Série B do campeonato brasileiro, o América-MG tem feito uma campanha surpreendente na Taça do Brasil, onde deixou para trás os gigantes Corinthians e Internacional. Na meia-final, mais uma missão improvável: eliminar o favorito Palmeiras, uma das equipas de maior investimento financeiro do país. A primeira parte do desafio foi bem cumprida: empate (1-1) no estádio palmeirense, em São Paulo. A segunda mão acontece na próxima quinta-feira, às 00h30, na Arena Independência, em Belo Horizonte.
O técnico afirmou que observa de perto e tem como inspiração o trabalho do alemão Jurgen Klopp, no Liverpool, e acompanha e admira o técnico português Jorge Jesus, do Benfica, assim como o argentino Jorge Sampaoli, do Atlético Mineiro. À frente do América-MG, embora sem perder a agitação que lhe é característica, Lisca procura deixar para trás o apelido de "doido" que o acompanha desde 2012.
Foi no Juventude, do Rio Grande do Sul, que o treinador ganhou a alcunha. Os adeptos da equipa do sul brasileiro têm um grito de guerra que diz "Papo, papo doido!". Na alegria por ter eliminado o rival Grémio, nos penáltis, subiu a rede protetora do estádio Alfredo Jaconi e bebeu espumante no relvado. Na vibração exacerbada do treinador, o canto dos adeptos foi adaptado para "Lisca, Lisca Doido!" para delírio do treinador.
"Frescando"
Foi com essa fama, de doido, que desembarcou no Recife em 2013 para treinar o histórico Náutico. Na nova casa, o canto foi novamente adaptado para "Ah, é Lisca Doido! Ah, é Lisca Doido!". Em 2014, na vitória no dérbi com o Sport Recife, em pleno estádio do adversário, a cena repetiu-se. O treinador trepou a rede para comemorar com os adeptos e provocar os rivais.
No mesmo ano e contra o mesmo adversário, no campeonato pernambucano, o treinador viu o avançado Neto Baiano, do Sport Recife, partir para cima de si ao alegar ter sido provocado pelo técnico. A confusão instalou-se no relvado e o técnico "subiu" às manchetes nacionais pela primeira vez.
Por fim, Neto Baiano acabou por se dar melhor: ajudou o Sport a ser campeão sobre o Náutico e comemorou com a dança "frescando", palavra que no nordeste brasileiro significa brincar ou provocar. Lisca guardou a provocação e quando voltou a vencer o adversário noutra ocasião dançou da mesma forma. Os adeptos da equipa foram à loucura com o gesto.
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"Saiu do hospício..."
A alcunha ganhou ainda mais força em 2015, quando Lisca chegou ao Ceará. Em situação difícil e prestes a sofrer uma inédita despromoção à Série C, o treinador conseguiu inverter uma situação "impossível" e salvar o clube. Na explosão nas comemorações, abraços aos adeptos nas bancadas do estádio e de chegar a "roubar" a cabeça de Vozão, mascote do Ceará, para comemoração no relvado, o técnico tornou-se ídolo. E ganhou uma música dos adeptos: "Saiu do hospício, tem que respeitar: Lisca Doido é Ceará".
Relação profissional
Em 2016, Lisca teve uma oportunidade numa das mais célebres equipas do Brasil: o Internacional. Era uma missão improvável e que foi falhada. Em três jogos, precisava de livrar o clube da despromoção. Não conseguiu... e foi demitido.
Em 2017, o episódio mais negativo da carreira. No Paraná Clube, na Série B, levou a equipa do 15º posto ao quinto. Estava perto do acesso ao Brasileirão quando, de repente, foi demitido sob acusação de ter agredido fisicamente o adjunto Matheus Costa. Até hoje, o caso não ficou bem esclarecido, mas serviu para trazer à luz a discussão sobre problemas de relacionamento profissional, já relatados anteriormente no Náutico e no Ceará.
O técnico passou ainda por clubes medianos do país, como Joinville, Criciúma, Guarani, Sampaio Corrêa, quase sempre com destaque dividido entre a mística do personagem e o técnico vencedor. Em geral sempre muito querido pelo jeito simples, por vestir camisolas dos clubes no dia a dia, por lidar com os adeptos de maneira natural. Muitas foram as vezes que Lisca tirou a camisola para comemorar vitórias no estádio.
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América-MG, o auge da carreira
Desde que chegou ao clube atual - o América-MG -, Lisca tem lutado para tentar minimizar a fama de "doido" que ganhou pelo Brasil. Com um trabalho sólido, elogiado pelos principais críticos do país, está muito perto de garantir o acesso do América-MG ao Brasileirão e a uma vitória de levar o clube a uma inédita final da Taça do Brasil.
O estilo irreverente, brincalhão e espontâneo esconde um estratega que luta há muito para separar o personagem "doido" do profissional dedicado e vencedor. Na oscilação entre a seriedade e a explosão, nem sempre Lisca consegue esconder quem é verdadeiramente. Há dez dias, foi aos microfones e, transtornado, reclamou da arbitragem num jogo com a Chapecoense, em que teria sido prejudicado com a anulação de um golo. "Não vou responder a nenhuma pergunta. Vim aqui só para dizer uma coisa. É a sexta vez que fomos prejudicados", gritou.
Após o empate com o Palmeiras, em São Paulo, na semana passada, o treinador aproveitou o momento para reforçar o desejo de separar o profissional do personagem "doido" que ele próprio ajudou a construir ao longo da carreira. "Muitas vezes, aproveitam essa alcunha de 'doido' para rotular o profissional, e para talvez, algumas vezes, ironizar, ou menosprezar. Isso muitas vezes me incomoda. Por isso, acho que seria importante falarmos cada vez mais de trabalho e menos desse personagem que foi criado", disse o adversário de Abel Ferreira.