Josep Suñol, o presidente do Barça que mesmo fuzilado continuou... presidente
DESPORTO EM TEMPO DE GUERRA - Mais uma história da Guerra Civil de Espanha a envolver um grande clube do país, um episódio definidor da máxima "mais que um clube", que o Barça plasmou nas bancadas de Camp Nou
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A guerra civil de Espanha bateu de frente com os dois colossos do futebol do país. O Real Madrid teve um presidente comunista e reescreve a história de modo a tentar ignorá-lo o mais possível (história já contada neste espaço), o Barcelona foi presidido por homem nascido rico e esquerdista, que foi fuzilado nos primeiros dias da guerra (1936), mas que é desde sempre motivo de um orgulho desmedido, tanto no momento em que os companheiros de trajeto o mantiveram como presidente depois de morto, na especial condição de "presidente ausente", como no modo heróico de fazer prevalecer viva a memória dele.
Josep Suñol Garriga nasceu rico a 21 de julho de 1889. O pai, também Josep, e o tio Ildefons, eram proprietários da Companhia das Indústrias Agrícolas, o que fazia dele herdeiro de uma das maiores fortunas de Barcelona. Dado ao futebol, à política e às letras, foi jogador do Espanhol, deputado às Cortes de Espanha, dirigente da Esquerda Republicana da Catalunha e proprietário e colunista do jornal "La Rambla", dedicado à cidadania e ao desporto.
Fez-se sócio do Barça em 1925, quando o governo do ditador Primo Rivera encerrou o campo do clube por seis meses. Um ano depois já ocupava o cargo de vice-secretário da direção de Arcadi Balaguer, um monárquico convicto, alguém nos antípodas dos princípios políticos de Suñol, mas a importância social e desportiva do clube atenuava as diferenças.
O motorista terá errado o caminho e levado o quarteto a cair numa emboscada levada a cabo por uma milícia franquista
Passou a época de 1929/30 como presidente da Federação Catalã de Futebol, ganhou traquejo, como dirigente, voltou ao clube para o desempenho de várias tarefas e a 27 de julho de 1935 foi eleito presidente do FC Barcelona, tornando-se o 22º a ocupar um cargo ao tempo propício a entradas, saídas e regressos, como aconteceu com Hans-Max Gamper Haessing, o suíço que fundou o Barcelona depois de ter fundado o Basileia e que em Espanha era conhecido como Joan Gamper (apesar de ter sido criador do clube foi o oitavo presidente e esteve cinco vezes à frente do clube mas sem nunca fazer dois mandatos seguidos).
Ativo na escrita e na ação direta como político, Josep Suñol deslocou-se a Madrid nos primeiros dias após a eclosão da guerra civil para a ver com os próprios olhos. Contam os relatos da época que, acompanhado pelo jornalista Pere Ventura i Virgil, mais um motorista e um oficial da Frente Popular, iria visitar e levar dinheiro ao exército republicano, aquartelado na Sierra de Guadarrama e a preparar uma contra-ofensiva.
O motorista terá errado o caminho e levado o quarteto a cair numa emboscada levada a cabo por uma milícia franquista numa espécie de posto de paragem. As tropas intercetaram o carro e gritaram slogans anti-Franco, Suñol e companheiros tentrão pensado estar com os deles. Puro logro. Foram todos fuzilados no local, que já antes a guerra era conhecido por "Casinha da Morte".
Curiosa foi a reação dos c0mpanheiros de direção do Barcelona à morte do líder. Em vez de constituírem um deles como novo presidente para terminar o mandato, mantiveram-se até 1937 à frente do clube como "comité de empregados". Entre 1937 e 1939, Francesc Xavier Casals Vidal assumiu os destinados do emblema catalão com o estatuto de "presidente acidental", uma vez que Josep Suñol era pelo grupo (e pela maioria dos adeptos "culés") considerado como "presidente ausente".
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Em 1939, com a vitória dos franquistas na guerra civil, o Barcelona passou a ser gerido por uma comissão de gestão imposta pelo regime durante um ano. A seguir, Franco fez nova imposição: nomeou presidente um homem da sua confianças, Enrique Piñeyro Queralt, marquês da Mesa de Asta, que se manteve no cargo até 1943, acabando por renunciar após uma derrota por 11-1 em Chamartin, frente ao Real Madrid.
Uma nota para ajudar a perceber o caráter forte de Josep Suñol. Apesar de ser nacionalista e catalão até à raiz dos cabelos, tendo feito do FC Barcelona arma de arremesso político, nunca permitiu que lhe grafassem o nome como Josep Sunyol, como seria em catalão, porque o registo fora Suñol. Anos mais tarde, na publicidade de promoção a um concerto de homenagem, o nome apareceu como Sunyol e o filho mandou emendar. O pai enfadava-se com isso.
No tocante à responsabilidade política, os franquistas seguiram o caminho mais fácil. Em setembro de 1939 foi aberto um inquérito que viria a ser encerrado em julho do 1944. Para os relatores, Josep Suñol era "um comunista, separatista, responsável pelo marcado rumo anti-espanhol do FC Barcelona".
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