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Nem todas as notícias são más durante a pandemia, mas as primeiras palavras públicas de Gianluca Vialli, depois de saber que estava curado de um cancro no pâncreas, foram de muita reserva. "Tenho vergonha de estar tão feliz." Vialli, de 55 anos, não é uma figura qualquer do futebol, podemos até dizer que foi fundamental para dois futebóis muito diferentes ao longo de uma carreira com bastantes golos, mas nunca demasiados, e sem Botas de Ouro.
Filho de um milionário da região de Cremona, na Lombardia, Vialli cresceu no castelo di Belgioioso ["beloalegre"] e começou a jogar aos nove anos, no Pizzighettone. De lá saltou para a Cremonese e dali para a Sampdória, onde se juntou a Roberto Mancini (atual selecionador de Itália) para formar os "Gémeos do Golo", talvez a dupla de goleadores mais famosa dos últimos 40 anos, vencedora da Taça das Taças em 1990. Começou em Génova uma grande coleções de títulos, nacionais e internacionais, que nunca foi interrompida e cuja única mácula é o registo curto e bizarro pela seleção.
Vialli desiludiu no Mundial"86, deixou-se suplantar pelo também mítico Schillaci no Mundial"90 e ficou em casa no Mundial"94, alegadamente por ter barrado com queijo parmesão o guardanapo do selecionador Arrigo Sacchi, iniciando uma inimizade lendária. A notícia nebulosa de que, na final do campeonato, teria puxado pelo Brasil contra a Itália baniu-o dos azzurri até fazer as pazes com Sacchi, no ano seguinte. O regresso nunca chegou a acontecer, por Gianluca ter sabido que seriam os colegas a decidir por votação, no balneário, se ele estaria ou não autorizado a voltar a vestir a camisola azul. "Se um grupo é isto", disse então, "algo está mal e eu fico contente por não fazer parte dele."
Potente, de remate fácil com os dois pés e bom jogo de cabeça, Vialli acrescentava a manha dos tempos em que o Calcio não admitia um sopro de ingenuidade a nenhum dos seus participantes
Entretanto, a vida de clube corria esplendorosa. Potente, de remate fácil com os dois pés e bom jogo de cabeça, Vialli acrescentava a manha dos tempos em que o Calcio não admitia um sopro de ingenuidade a nenhum dos seus participantes. Da Sampdória, Vialli seguiu para a Juventus, agora para alargar o duo atacante para um trio fenomenal, mais uma vez dos melhores de sempre. Em Turim, encontrou Fabrizio Ravanelli e Roberto Baggio. Entre os três juntavam um arsenal capaz de envergonhar o exército dos Estados Unidos, da ratice de Vialli ao jogo de cabeça de Ravanelli, encerrando no génio singular de Baggio. Outra vez, os títulos jorraram, da Serie A à Taça dos Campeões, com Gianluca a capitão e diante do Ajax de Van Gaal e Davids, em 1996.
O regresso ao futebol deu-se apenas com a chegada de Mancini à seleção italiana e o convite para um cargo de direção, que depressa teve de suspender para um longo tormento médico de 17 meses, agora concluídos num final feliz.
Esgotada Itália, Vialli integrou o primeiro contingente revolucionário do futebol inglês, ao serviço do Chelsea de Ruud Gullit (1996/97), ex-estrela do Milan e ex-rival do matador italiano. Vialli acabaria por substituir o holandês como treinador-jogador, alcançando um recorde de precocidade internacional que só viria a ser batido em 2011 por um português chamado André Villas-Boas. Vialli tinha 33 anos e 308 dias quando levou o Chelsea à vitória na Taça das Taças, Villas-Boas viria a ganhar a Taça UEFA, pelo FC Porto, com 33 anos e 213 dias. Apesar dos cinco títulos que lá juntou em três anos (Taça, Taça da Liga, Supertaça e Supertaça Europeia), Gianluca veria a carreira de treinador sucumbir logo no clube seguinte, o Watford. O regresso ao futebol deu-se apenas com a chegada de Mancini à seleção italiana e o convite para um cargo de direção, que depressa teve de suspender para um longo tormento médico de 17 meses, agora concluídos num final feliz.