Fernando Santos lembra Grécia: "Ao fim de cinco dias já não me podiam ver"
Selecionador nacional dá exemplo da experiência na congénere grega para revelar como um treinador se deve adaptar aos jogadores. Vincou ainda a lesão de Ronaldo na final do Euro"2016.
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Fernando Santos chegou à seleção da Grécia em 2010 depois de 22 anos a treinar clubes e revela, numa conferência em Lisboa, que teve de adaptar os seus métodos para o sucesso: "Assinei com a Federação da Grécia e planeei a semana de trabalho. O estágio era de dez dias, não deixava os jogadores sair e percebi que, ao fim de cinco dias, já não me podiam ver. Mudei tudo, adaptei-me. Depois dei liberdade e senti que se respirava melhor no balneário. Ainda assim, não correu tão bem porque houve jogadores a irem à discoteca. Tive de estabelecer regras, mesmo não sendo tão rígido como lá cheguei."
Engenheiro de formação, gestor hoteleiro de profissão. Fernando Santos desvaloriza a questão dos egos no futebol, se comparado com realidades dificultadas pela economia. "Fazem parecer que a gestão no futebol é diferente de uma empresa. Fui 19 anos diretor de um hotel. Egos todos temos, mas temos de levar as pessoas a fazerem o que queremos. No hotel, os trabalhadores ganham pouco e têm necessidades, isso sim é difícil. Agora sou selecionador, sabemos dos valores que auferem os futebolistas, mas 90% dos profissionais recebe abaixo de 1000 euros. Tive de trabalhar com essas questões antes de chegar ao FC Porto", admitiu, antes de salientar as diferenças quando assumiu o comando dos dragões em 1998: "No FC Porto tive de acabar com as conversas de final de treino com os jornalistas. Foi uma mudança gigante, percebi o peso do resultado, de ter de ganhar sempre. Tinha a postura de falar com aqueles que jogavam menos sistematicamente, mas no FC Porto entendi que não o deveria fazer a cada jogo. Já tinham as suas ambições, os seus conhecimentos. Iriam "mandar-me para algum sítio."
Afirmando-se como uma pessoa que gosta de "rir", garante que tem a "porta sempre aberta aos jogadores", mas que é "rígido quanto a horários". Confessa que Jimmy Hagan, pelo qual foi treinado no Benfica em 1970, foi a maior inspiração: "Ao nível de clube, há trabalhadores que não podem expor o seu trabalho. Sete atletas ficam de fora em cada convocatória e mais sete ou oito não são titulares. Gerir quem não joga é difícil. Temos que explicar aos atletas que a sua importância vai além dos minutos que jogam. E o tratamento no quotidiano é fundamental. Não basta "massajar o ego". Jimmy Hagan trabalhava com todos. Os outros treinadores que tive, preparavam o onze titular e deixavam os restantes com os adjuntos."
Hoje, na Seleção, diz que tem alguma preocupação em conversar com determinados jogadores: "Quando o selecionador faz a convocatória, há quem ache que deveria ser outro. É a emoção, o lado irracional, as preferências de cada um. Em casos específicos, aos jogadores que deram contributo de muitos anos, devo uma palavra de respeito, simbolizando o respeito que o país lhes deve", terminando com a convicção de que a "defesa é a base e que garante dois resultados [empate e vitória]" r com a constatação da mudança no futebol: "Deixou de ser uma modalidade com tempo e espaço. Daí ser absurdo comparar jogadores de há 40 anos com a atualidade. A ciência entrou no futebol, tenho oito colaboradores comigo quando, há 20 anos, estava sozinho com tudo. Basta dizer que quando jogava, para ganhar potência muscular, tínhamos um preparador físico que era atleta de salto com vara a levar-nos para uma caixa de areia."