"Estava na esquadra, a minha mãe chegou e rebentou comigo. Deu-me uma coça"
ENTREVISTA >> O atual adjunto da seleção dos Camarões, Tony, cresceu num bairro dos arredores do Paris onde o mais difícil era ter "uma vida normal". Segundo conta, 90 por cento dos amigos "foram presos ou morreram". Tony era ainda menor quando se envolveu num episódio violento que o levou a uma esquadra
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A vida de Tony podia ter dado para o torto. Ainda adolescente, envolveu-se numa cena de faca e alguidar que por pouco não lhe saiu cara. Foi para a esquadra, andou em tribunal, mas uma conversa de olhos nos olhos com o pai fê-lo tomar uma decisão para a vida. Tony escolheu o futebol.
Deu-me uma coça tão grande em frente aos polícias que até fiquei envergonhado. "Ó filho, imaginas a nossa vergonha? Ligarem-nos para o trabalho a dizerem para te virmos buscar", dizia a minha mãe
Como era o dia a dia do filho de emigrantes portugueses nos arredores de Paris?
-O que posso dizer? Tive uma adolescência atribulada, mas não tenho vergonha do passado. Vivíamos em Chatou, um bairro dos arredores de Paris que não era fácil. Eu estava lado a lado com a delinquência, a droga ou a violência. Às vezes queríamos vestir uma roupa melhor e tínhamos que roubar. Não me orgulho disso, mas era um facto.
Chegou a andar armado?
-Muitos jovens transmontanos habituavam-se a andar com navalhas desde cedo. Até como utensílio, para andar no campo. E eu, como descendente de transmontanos, também cheguei a andar com uma navalha. Mas ali, ou tinhas algo para te defender ou estavas lixado. Se tivesses umas boas sapatilhas, já sabias que mais tarde ou mais cedo serias assaltado. E eu preferia lixar os outros do que ser eu assaltado. Era assim a realidade em que vivia e não dava para escapar.
Alguma vez chegou a ir para a esquadra?
-Sim, uma vez, numa confusão. Meti-me para defender um amigo, mas vieram três contra mim. Eu tinha vindo de férias de Portugal e nessa altura andava com a navalha. E então tirei-a do bolso e houve um que se aleijou.
Mas porque se meteu?
-Estava a sair da escola e quando vi a confusão fui com o sentido de ajudar os amigos. Andei à porrada, fui assaltado, mas também assaltei e até assaltei quem me assaltou. Só quem vivia ali consegue explicar.
Como acabou a história?
- Fui detido. E estava na esquadra quando a minha mãe chegou. Rebentou comigo. Deu-me uma coça tão grande em frente aos polícias que até fiquei envergonhado. "Ó filho, imaginas a nossa vergonha? Ligarem-nos para o trabalho a dizerem para te virmos buscar", dizia a minha mãe. Eu vi o olhar de desgosto deles e não mereciam isso. Acabei em tribunal, mas não fui preso, até porque tive o apoio do PSG e de um empresário.
Mas mudou a sua vida?
-A vergonha que senti no olhar dos meus pais foi o momento mais determinante que tive na vida. Uns dias depois, o meu pai falou olhos nos olhos comigo. Disse-me que tinha que escolher a vida que queria ter. Ou era bandido e nunca mais tinha o apoio deles, ou era jogador e tentava que a família tivesse orgulho em mim. Se fosse assim podia contar com eles para tudo. Os meus pais trabalhavam das cinco das manhã até às oito da noite e eu não podia brincar com o sacrifício deles. A partir desse momento escolhi o meu caminho. Escolhi o que eu gostava, a minha paixão, que era o futebol. E não podia envergonhar os meus pais, por tudo o que eles fizeram por mim.