Carlos Leal é mais um português com um papel importante na Bundesliga. É diretor desportivo do Arminia Bielefeld, que esta época regressou ao principal escalão, e conversou com O JOGO sobre o futebol alemão.
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No passado domingo (dia 14) defrontaram o Bayern. Estiveram a ganhar 3-1, mas empataram. É um resultado satisfatório?
É um balanço um pouco agridoce. Se falássemos deste resultado antes do jogo, assinávamos logo o acordo sem hesitar, mas depois de viver o jogo, fica a sensação de que podíamos ter conseguido a vitória. O Bayern também poderia ter ganho, mas também porque tivemos um golo anulado por centímetros - seria o 4-2 -, fica a sensação de que poderíamos ter conseguido mais. Jogámos bem e ganhar no Allianz Arena é, praticamente, algo de uma vez na vida.
Este empate demonstra que vocês merecem estar melhor classificados?
Nós não temos as armas que as outras 17 equipas da Bundesliga têm. Fazemos os possíveis para chegar ao nosso máximo, mas as armas são tão inferiores que poderíamos estar em último, perfeitamente. Aqui, a questão é 'quem é que vai ficar em último?'. E a resposta seria sempre a mesma: o Arminia Bielefeld. A segunda equipa com o pior orçamento do campeonato tem, ainda assim, três vezes mais do que o nosso. É uma distância gigante. Nós andamos num barco insuflável e os outros num a motor. E então o Bayern, é um tanque gigante em alto mar. A nossa situação na tabela - 16.º - é muito boa. E só podemos ultrapassar outras equipas se eles cometerem erros graves e tiverem de ir à oficina corrigir uma falha no motor. E, nessa altura, nós teremos de estar lá para os ultrapassar.
O facto de o Bayern ter vindo do Mundial de clubes foi benéfico?
Sim, é verdade. As viagens, os jogos extra... mas já na primeira volta, quando nos defrontaram, estavam numa fase de sobrecarga de jogos e chegaram cá e não deram qualquer hipótese. Isso é impressionante. Todos os clubes passam por fases piores, mas o Bayern raramente as tem.
O Bayern é uma equipa praticamente invencível?
No futebol é impossível ser-se 100% invencível. Se apanharem dois dias fracos na Champions, são eliminados. Mas são mesmo diferenciados. Com esta situação da pandemia, nota-se mais como funcionam os clubes. É interessante ver como cada clube age à volta da organização de um jogo e é incrível o profissionalismo dele. No jogo caiu bastante neve e, na primeira parte, houve duas interrupções para limpar a neve das linhas. O árbitro apitou e, nesse segundo, entrou uma armada de funcionários com pás a empurrar a neve. Uma espécie de dança de formação altamente organizada. E eu pensei 'isto só mesmo neste clube. Nenhum outro no mundo está preparado desta forma'.
"Em Portugal só houve cinco campeões diferentes, são sempre os mesmos. Aqui, à exceção dos últimos anos, há mais diversidade"
O Arminia está um lugar acima da linha de água, mas a poucos pontos do meio da tabela. Até onde podem chegar?
A meta inicial é estar neste lugar, o 16.º, que permite depois jogar a o play-off [contra o terceiro da II Liga]. Isso já seria um sonho. Mas, é claro, existe o sonho da salvação direta. Já jogámos contra todas as equipas e o Mainz e o Schalke 04, que estão atrás de nós, têm falhado muito. Vendo bem, a distância para alguns clubes à nossa frente é pequena e seria ótimo conseguir mais um salto ou dois na tabela.
O Arminia volta à Bundesliga, após 11 anos. É uma frustração não ter os adeptos num ano tão importante?
É frustrante, especialmente porque o 'underdog' costuma tirar muita energia do apoio dos adeptos. Com o estádio aberto, teríamos sempre casa cheia, com 27 000 espectadores. Falta esse apoio. E também o aspeto financeiro. Esta situação teve um impacto de 19 milhões de euros nas contas. No entanto, esta situação também nos dá uma certa motivação para conseguir a permanência e possibilitar os adeptos de verem o Arminia na Bundesliga no próximo ano.
Tem sido difícil gerir a atividade do clube devido às restrições impostas pela pandemia?
Os processos da equipa profissional já estão muito rotinados. Já fiz mais de 100 testes e já é um elemento normal no dia a dia. Temos a sorte de ser um dos poucos clubes onde ainda não houve qualquer caso de covid-19. Mas isso é fruto da atitude de cada clube e das condições implementadas. A vida privada também é um fator importante e mais imprevisível. E claro que numa cidade grande o risco é maior do que numa cidade como Bielefeld.
A Bundesliga tem sempre estádios cheios, ao contrário do que se vê em Portugal. Como explica esta diferença?
Acho que tem, fundamentalmente, a ver com a história. Em Portugal só houve cinco campeões diferentes, são sempre os mesmos. Aqui, à exceção dos últimos anos, há mais diversidade. Há vários clubes com muita história no futebol alemão. Recentemente, por causa do Bayern, há vários grupos na Liga que querem tentar elaborar uma estratégia para mudar esta tendência, mas é praticamente impossível parar isso agora. A juntar a este fator, e ao contrário dos países do Sul da Europa, onde as pessoas que vão ao estádio têm mesmo interesse e estão concentradas a ver o jogo, o alemão vai ao estádio como entretenimento. É um evento antes, durante e depois do jogo. Querem apoiar a equipa e cantar em grupo. É mais do que o se vê em Portugal.
Num campeonato dominado sempre pela mesma equipa, porquê o interesse dos adeptos do futebol ao redor do mundo na Bundesliga?
Em princípio está relacionado com a competitividade das equipas. Aqui há sempre um grande que está em crise. E crise na Alemanha não é estar em quarto ou quinto, é estar em 15.º ou último. Não há diferenças gigantes entre as equipas, como noutros países. A Liga alemã está dividida em vários grupos: o Bayern; depois uns cinco clubes que lutam pela Champions; os outros a lutar pela Liga Europa; e depois o Arminia, que é de um mundo diferente e tenta chatear alguém que costuma ficar melhor classificado.
Quais são os objetivos a longo prazo do Arminia?
Gostávamos de evoluir de forma a que pudéssemos pertencer aos principais 24 clubes da Alemanha. Ficar na Bundesliga, às vezes descer, mas voltar a subir rapidamente. Há muitos clubes que sobrem à primeira de surpresa, entram em histórias malucas e pensam que estão a chegar à Champions [risos] e depois descem dois anos seguidos e acama na III divisão. Porque a II Liga alemã é muito, muito difícil. Muito mais difícil que a I. Há vários exemplos de equipas que descem para a II e depois para a III e isso pode ser a morte. Então, o nosso grande plano é aguentarmo-nos entre as duas primeiras divisões.
Há jogadores do plantel que possam dar o salto e permitam um bom encaixe financeiro?
Acho que sim. E é importante para nós. O Amos Pieper é um jogador que fomos buscar ao Dortmund por 50 mil euros, o que já é uma boa transferência, porque os negócios costumam ser a custo zero. Ele evoluiu de tal maneira, explodiu, vai aos sub-21 da Alemanha e vai ter interessados. Ainda tem um ano e meio de contrato, mas vamos ver a dinâmica no próximo verão. Outro exemplo é o guarda-redes Stefan Ortega, que talvez esteja no top-10 mundial a jogar com os pés. Muitas pessoas abriram agora os olhos e é de esperar que haja muitas ofertas.
Superliga europeia gera discórdia
Uma eventual Superliga europeia não agrada "à maioria das pessoas" na Alemanha, que defendem que os valores envolvidos no futebol são exageradamente elevados.
Qual é a opinião na Alemanha a respeito da Superliga Europeia?
De vez em quando, esse assunto vem à baila. E quando vem, a figura logo lançada é o Karl-Heinz Rummenigge [presidente do Bayern]. Depois vêm os críticos, que são a maioria, a dizer que seria o fim do futebol. Então o Karl-Heinze Rummenigge aparece a dizer que não apoia a Superliga Europeia, que o futebol nacional é muito importante, e o tema acalma novamente. Mas isto é um ciclo que já aconteceu quatro ou cinco vezes. É um tema que faz uma chamada de atenção à evolução do futebol, dos clubes, do mercado, que se desenvolveu de forma muito negativa. Fala-se que todos deviam estar mais focados nos valores e em elaborar ideias para travar esta evolução super sónica em relação à realidade. Mas o futebol é sempre um tema muito plástico, que desperta emoção e opinião nas pessoas, e é sempre bom haver uma discussão acesa. Mas sim, a maioria das pessoas é completamente contra.
Se avançar, será prejudicial para o futebol?
É difícil. Sou emocional, mas também muito pragmático e fui sempre adepto do mercado aberto. Acho que o mercado se regula a si próprio, mas também compreendo os românticos do futebol, que têm saudades dos velhos tempos. É muito difícil, especialmente quando se trabalha para um clube, que é um negócio, é uma empresa. Mas também é um clube e é complicado juntar os dois mundos de maneira a que ambos fiquem satisfeitos. Não gosto de extremistas: não se pode ser super romântico, nem pensar apenas no negócio. Na Alemanha, o investidor não tem a mesma influência que no resto dos países. O clube tem sempre 50+1% de votos, portanto é impossível que o investidor seja o único a ter a palavra. Há uma certa negação cá a esse mercado onde os investidores entram e saem e deixam tudo em ruínas. Mas, algum dia, também será assim na Alemanha. Devido à ânsia de ganhar a Champions. O Bayern ainda consegue isso, mas com o futebol a continuar desta forma, será impossível. Só com o apoio financeiro externo.