Como uma liga pirata salvou o futebol na Colômbia: uma história a não perder
Entre 1949 e 1953, houve uma era no futebol chamada El Dorado, quando dirigentes colombianos organizaram uma liga fora da esfera da FIFA e contrataram estrelas, capturando o coração do público. O JOGO conta-lhe como foi.
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Imagina Haaland a aparecer no Dragão como reforço do FC Porto? Ou Salah fartar-se de Liverpool e preferir Lisboa para jogar de águia ao peito? Ou Messi a tentar ganhar pelo Sporting o título que falta a Ronaldo? Parece de doidos, certo? Pois foi o que aconteceu em 1949, quando a Colômbia começou a atrair craques de nível mundial com a criação da primeira liga pirata da história, dotada de regras próprias e indiferente às normas e ditames das organizações mundiais e continentais do futebol. Um pouco como a guerra de secessão a que assistimos com a "ameaça" da Superliga Europeia, mas com um final agridoce.
Tudo começou com dois homens: Alfonso Senior, o polémico presidente do Millonarios de Bogotá, e Humberto Salcedo, líder do América Cali. Foram os percursores da Division Mayor, ou Dimayor. Aproveitando uma crise no futebol da Argentina e do Uruguai - onde explodia uma greve como forma de protesto contra a lei do passe que prendia o jogador ao clube -, o emblema da capital da Colômbia aproveitou primeiro e melhor o embalo da criação de uma liga fora da chancela da FIFA e da CONMEBOL, com base num modelo associativo alternativo que privilegiava o profissionalismo e ao abrigo da qual as contratações de estrangeiros não conheciam restrições. Os salários eram absurdamente chorudos para a época e ignoravam-se os valores de transferências. Assim, Alfonso Senior contratou ninguém menos do que Di Stéfano, a mais brilhante estrela do River Plate, e o segundo melhor jogador do emblema de Buenos Aires, Adolfo Pedernera. Nasceu assim a famosa equipa conhecida por "Ballet Azul", que capturou o coração e a imaginação do adepto colombiano, nada habituado a futebol de primeira água no seu próprio país.
A primeira edição da liga pirata colombiana foi um sucesso retumbante, com 12 equipas a participarem: Millonarios, Santa Fé, Atlético Municipal, Atlético Medellín, Deportes Caldas, Once Desportivo, América de Cali, Deportivo Cali, Junior Barranquilla e o Universidad. Os estádios enchiam-se e o Millonarios dominava.
Outros craques se seguiram no El Dorado colombiano, como o polémico e lendário Heleno de Freitas, que teve uma curta e vulcânica passagem pelo Junior Barranquilla. Mas a aventura não podia durar. Colocada de lado com o aparecimento da Dimayor, a Adefutbol, a associação colombiana original, foi punida pela FIFA, por não conseguir evitar a criação de uma liga pirata, sendo desfiliada. A Colômbia era alvo de todo o tipo de sanções e foi sendo isolada do mapa futebolístico. Para que tudo voltasse à legalidade, a FIFA obrigou que até 1954 os jogadores dos clubes da liga pirata (pelos quais tinha sido pago zero) fossem devolvidos aos clubes de origem.
A troco de cargos importantes na estrutura da FIFA, os principais dirigentes da liga pirata mantiveram-se em atividade no âmbito do acordo denominado Pacto de Lima.
A DiMayor manteve-se até hoje, mas jamais voltou a ter o charme do El Dorado. Mas ao fugir às regras a liga pirata conseguiu a maior das vitórias: fazer do futebol a maior paixão desportiva da Colômbia.