Despromovidos à Série B, os pernambucanos recorreram à Justiça para pedir a punição do Ceará por ter utilizado um jogador suspeito de adulterar a idade e ganhar a vaga do rival na primeira divisão. A "virada de mesa" é jogada comum no Brasil
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O campeonato brasileiro terminou a 2 de dezembro, com a coroação do campeão Palmeiras, mas, como tem sido habitual no país, as últimas decisões vão transitar para a famosa "39ª jornada". Esta é disputada bem longe das quatro linhas, com os juízes e os advogados a tomarem o lugar dos craques.
Despromovido no campo para a Série B, o Sport Recife entrou esta semana com uma queixa junto do Supremo Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) para tentar uma "virada de mesa", que poderá sentenciar a sua permanência no primeiro escalão em detrimento do Ceará. Isto porque o clube pernambucano pede a punição do rival pela utilização do lateral-direito Ernandes, suspeito de adulterar a idade em dois anos. O clube pernambucano pretende que sejam retirados, pelo menos, três pontos ao rival, o que lhes permitiria escalar para fora da zona de descida por troca, precisamente, com os cearenses. O imbróglio ganha ainda outra dimensão porque a Ponte Preta já tinha feito a mesma queixa em relação ao Goiás - clube que utilizou o supracitado jogador na segunda metade da época - para tentar ganhar a vaga de subida à Série A de 2019 dos goianos.
O STJD tem agora a palavra sobre um caso que pode mexer com a classificação do campeonato brasileiro em horas extraordinárias, algo que tem sido recorrente nos últimos anos à custa das equipas jurídicas dos clubes, que varrem o campeonato em busca de irregularidades para garantir permanências ou subidas "à força". A tática já tem dezenas de anos e, por entre vários arquivamentos, subsistem na história decisões favoráveis aos queixosos que provocaram autênticos terramotos nas tabelas, mas também na própria estrutura dos campeonatos. Em baixo estão expostos os casos mais famosos.
2013 - Dias após ter alcançado a permanência em campo, a Portuguesa foi alvo de uma queixa por parte do Grémio por ter utilizado Héverton, que estava suspenso por acumulação de amarelos, no duelo da última jornada entre as duas equipas. O Fluminense, que tinha terminado o campeonato logo abaixo da linha de água, entrou no processo como assistente e festejou a decisão do STJD em punir a Lusa com a perda de quatro pontos - três pela utilização de um jogador irregular e um que tinha conquistado frente ao Grémio -, que valeu a salvação ao tricolor carioca. Com isto, a Portuguesa desceu para a Série B e iniciou um "inferno astral" que a conduziu à Série D e consequente obscuridade.
2005 - Na sequência da investigação ao árbitro Edílson Pereira de Carvalho, principal figura de um esquema de corrupção de arbitragem denominado "Máfia do Apito", o STJD decidiu anular e remarcar os onze jogos dirigidos por este no Brasileirão. Esta medida acabou por beneficiar o Corinthians que, após ter perdido contra Santos e São Paulo, conseguiu conquistar quatro pontos nas repetições dos clássicos paulistas. Os novos resultados acabaram por revelar-se decisivos, pois o Timão sagrou-se campeão com três pontos de vantagem sobre o Internacional.
2000 - A descoberta de documentos que adulteravam a idade de Sandro Hiroshi, jogador do São Paulo, fez com que Internacional e Botafogo conseguissem conquistar junto do STJD os três pontos perdidos nos jogos frente ao tricolor paulista. Face a esta decisão, o Botafogo conseguiu escapar da descida em detrimento do Gama, que acabou empurrado para a Série B. Posteriormente, o clube de Brasília recorreu da decisão à Justiça comum, que deu um parecer favorável à sua manutenção na Série A. Face a este cenário, a CBF acabou punida pela FIFA e, impossibilitada de organizar o campeonato, fez um acordo com os 13 maiores clubes do Brasil (Clube dos Treze) para a criação da Copa João Havelange. Este torneio contou com 116 equipas divididas em quatro módulos. Para o de elite (que corresponderia à Série A) foram repescadas equipas como Fluminense e Bahia que, no ano anterior, tinham disputado... a terceira divisão, num processo de seleção, no mínimo, polémico.
1996 - O campeonato de 1996 teve a sua credibilidade questionada após terem surgido gravações de conversas telefónicas entre Ivens Mendes (presidente da Comissão Nacional de Arbitragem) com os presidentes do Corinthians e do Atlético Paranaense, onde estes sugeriam uma ajuda dos árbitros em troca de favores para a campanha eleitoral de Mendes para deputado federal. Sem esperar pela decisão do STJD, a CBF decidiu cancelar as descidas de Fluminense e Bragantino. Com isto, a liga de 1997 foi disputada com 26 equipas ao invés de 24.
1991 e 1992 - Na tentativa de salvar o Grémio, que tinha descido em 1991, o Clube dos Treze pediu o alargamento do campeonato para 24 clubes junto da CBF. A entidade não aceitou a suspensão das descidas deste ano, mas aumentou para 12 o número de clubes promovidos da Série B em 1992. O tricolor gaúcho acabou por subir em 9º lugar e, em 1993, voltou a conseguir manter-se na elite porque a CBF tinha determinado que... ninguém descia de divisão.
1987 - A batalha entre a CBF e o Clube dos Treze deu origem a um Brasileirão em moldes inéditos. A competição seria disputada por 32 clubes divididos em dois grupos: o Verde, com 16 equipas indicadas pelo Clube dos Treze e o Amarelo, com outras 16 escolhidas pela CBF. Ficou também decidido que os dois melhores classificados de cada grupo se iriam encontrar numa final-four que iria determinar o campeão. No entanto, apoiado por uma decisão por maioria do Conselho Arbitral (CA) da CBF que anulava o quadrangular, o Flamengo (que tinha vencido o grupo Verde) declarou-se campeão brasileiro. Face a isto, o Sport (campeão do grupo Amarelo) recorreu à Justiça comum, que considerou que qualquer decisão do CA da CBF só teria validade se fosse tomada por unanimidade. Com isto, o Sport venceu a final disputada com o Guarani (segundo classificado do grupo Amarelo) e declarou-se o campeão reconhecido pela CBF. Este imbróglio resultou numa longa batalha judicial pelo título que só culminou em... 2017, quando o Supremo Tribunal Federal (mais alta instância judiciária do país) decretou que o título pertence ao Sport.