Bernardo Silva, em exclusivo, revela momento marcante no City: "Foi duro..."
Figura de 2018 para O JOGO, o médio quer mandar na Premier League, dar a Champions que falta ao City... e mais ainda.
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Bernardo sabe que o City já não caminha sozinho na Premier League e que precisa de uma Champions para ter a aceitação do planeta. A conversa sobre sonhos começou por aqui.
É o homem do ano para O JOGO. Sente que 2018 tratou-o muito bem?
-Obrigado pela distinção [risos]. O ano de 2018 tratou-me bem. Mudei a meio de 2017 para o City e, durante 2018, fazer parte de um dos maiores clubes do mundo, ser campeão da Premier League batendo todos recordes fez deste ano algo fantástico para mim. O Mundial foi a parte menos boa, pois queríamos fazer melhor do que fizemos. Mas se medirmos tudo, 2018 foi fantástico e aprendi imenso. Estou num dos maiores clubes do mundo, a ser treinado por um dos melhores treinadores do mundo, senão mesmo o melhor, mas que 2019 seja ainda melhor. Estou supercontente com o meu ano.
É campeão inglês e, aos 24 anos, já tem uma carreira bem forrada com títulos? Qual a próxima montanha a escalar?
- Sempre dissemos desde o início da época que queríamos lutar por todas as provas. Obviamente, este ano, o campeonato não vai ser tão fácil como no ano passado, porque temos um Liverpool muito forte. O Chelsea também, tal como o Tottenham, mas queremos ganhar de novo a Premier League porque há muitos anos que uma equipa não vence o campeonato inglês duas vezes seguidas. Queremos a hegemonia em Inglaterra, o que não tem acontecido. Ambicionamos tentar ganhar a Champions, que é a competição mais prestigiada da Europa e o City nunca a ganhou. Temos equipa para isso, sabendo que é uma prova especial, muito difícil. Não estamos só a concorrer com equipas inglesas: há Barcelona, Real Madrid, Bayern Munique, Juventus..., mas nos próximos anos temos como meta andar sempre lá por perto para ganharmos a Champions. Ainda para mais, somos uma equipa muito jovem. Olho para o futuro e sinto que ainda há muito para ganhar.
A Premier League já não é o City e os outros...
- Sim, temos este Liverpool que não é campeão há muito tempo e está em primeiro lugar. É legítimo pensarem que podem ser campeões. Além disso, têm perdido muitos poucos pontos. Isto está renhido e vai ser muito complicado, mas agora, no início do ano, eles vêm a nossa casa. Não será decisivo, mas será importante. O campeonato está mais disputado. No ano passado, terminámos com 19 pontos de diferença sobre o segundo classificado [Man. United] e para o Liverpool foram quase 30 [n.d.r.: 25 pontos]. Agora, as equipas estão mais fortes, investiram, reforçaram-se bem e têm outra capacidade a nível de opções.
Como tem sido o seu progresso individual desde que chegou ao City?
- Estou muito confortável. É sempre difícil mudar de país, de liga... Fui bem acolhido, mas é um processo moroso até ter confiança. Fiquei mais à vontade na segunda metade da época passada. Ao cabo de ano e meio, faço o meu trabalho normalmente. A nível técnico habituei-me a uma forma completamente diferente de jogar da que tinha no Mónaco e na Seleção, mas aprendo coisas diferentes com treinadores diferentes.
No Manchester City, qual a personalidade, o momento que mais o marcou?
- Foi um momento: a derrota em Anfield por 3-0 para a Champions, na época passada. Aprende-se imenso com momentos assim. Foi duro... Sair da Champions foi o mais marcante da época no sentido construtivo. É que no resto foi tudo fantástico. Mas esse foi o momento... digamos... mais diferente.
"Não sou de ligar a críticas nem a elogios"
Tranquilo, mas senhor de si, o 20 do City avisa que o seu emblema não é o segundo de Manchester e jamais foi invetivado por adeptos do United. Quanto a apreciações, fazem-lhe ricochete no peito.
Desfaça um mito: quem é o maior de Manchester: o City ou o United?
- Quando cheguei a Manchester tinha a ideia de que havia mais adeptos do United. Será assim no resto do mundo, dentro da cidade de Manchester funciona de outra maneira. É muito dividido. É 50/50 e não há a disparidade que a maioria das pessoas acha. Pensam que é 80% do United e 20 do City. Isso não existe.
A cultura inglesa é distinta. É respeitado pelos adeptos dos dois clubes?
- Completamente. A maneira como se vive o futebol é muito diferente da portuguesa. Eu, mesmo só tendo jogado na equipa B do Benfica, ia beber um copo à noite ou jantar com amigos e lá ouvia uma boca de vez em quando de um adepto rival. Quando ia ao Norte, por exemplo, também levava umas bocas. Mas vivo em Manchester há ano e meio e nunca ouvi uma boca sequer de um adepto do United. É uma maneira diferente de viver as coisas. Há rivalidade e isso é bom, é saudável. Nós queremos ganhar sempre ao United e eles a nós, mas há sobretudo respeito. Em Inglaterra é muito isso.
Tem ganho cada vez mais aceitação. Como lida com o elogio e a crítica?
- Com os anos, habituei-me a deixar de ler tantos jornais e de estar tão atento às notícias. O futebol move imensas emoções. Começamos a época em agosto e quem fizer logo três jogos bons, é um "ganda" craque. Depois, fazes dois jogos menos bons e já és uma porcaria [risos]. Há um extremismo no futebol, para o qual tento não olhar muito. Depois, um jogador sente-se demasiado lá em cima ou demasiado cá em baixo e isso nada tem de favorável. Olho mesmo pouco para isso, sinceramente. Faço o meu trabalho da melhor maneira possível, não tenho problemas com críticas, mas aquelas a que dou valor são as dos meus colegas de equipa e do meu treinador. São eles que me ajudam a evoluir. O mesmo com os elogios. Não vou aos extremos. No meio é que está a virtude.
"José Mourinho? Máximo respeito"
Como assistiu ao despedimento de Mourinho do United? Teve contacto com ele aqui em Manchester?
- Contactámos pouco. Encontrei-me uma vez com ele no aeroporto de Manchester. Falámos normalmente, nada do outro mundo. Mas tenho por ele o máximo respeito. A saída dele do United são coisas do futebol quando os resultados não surgem. É um treinador português, naturalmente, que admiramos imenso. Todos nós, portugueses, temos de admirar o seu trabalho. É triste ele sair, apesar de se tratar do Manchester United, nosso rival. Desejo-lhe o melhor.
Há um contingente nacional interessante em Inglaterra. Como vê a progressão de Marco Silva no Everton?
- Já tinha feito um ótimo trabalho no Watford e no Everton tem lá o André Gomes. É uma equipa muito boa. Investiram bem. Jogámos contra eles há pouco tempo e sente-se esse ótimo trabalho. A seguir aos seis grandes, o Everton é a equipa referência da liga e o Marco tenta aproximar o clube das equipas mais acima. O que me diz quem conheço e trabalhou com ele, sobretudo no Sporting, é que o Marco é um excelente treinador. Os treinadores portugueses representam o nosso país. Só espero que não fiquem à minha frente, mas que dignifiquem Portugal.
E que dizer do fenómeno do Wolves de Nuno Espírito Santo, com marca de água lusa?
- Os resultados são excelentes e não tiveram dificuldades de adaptação à Premier. Intrometeram-se na primeira metade da tabela. Têm muita qualidade, com muitos portugueses. O Rui Patrício, o João [Moutinho]. Estão lá Hélder [Costa] e o Ivan [Cavaleiro] que jogaram comigo muitos anos na formação do Benfica. O Rúben Neves, o Jota também conheço da Seleção. Apanhei o Vinagre no Mónaco... Eles já nos tramaram, ao empatarem com o City [risos].
"Cristiano Ronaldo é um privilégio raro"
Ronaldo não podia deixar de ser tema, tamanha a dimensão do astro nacional. Para Bernardo, é mais que um jogador: é um caso de gratidão nacional.
Pergunta incontornável: qual o impacto que Cristiano Ronaldo lhe causa?
- Temos de estar gratos por termos tido um jogador que nos últimos quase 15 anos foi sempre consistente e constantemente o número um ou dois do mundo, possivelmente um dos melhores jogadores de sempre. Ele e Messi estão nesse patamar, tendo cinco bolas de ouro cada. Têm várias botas de ouro, várias Champions e ligas ganhas... enfim. Para nós, portugueses, é um privilégio ter Ronaldo e esperamos que continue por mais anos a representar Portugal. Somos um país pequeno que tem nele um grande símbolo. Quem não conhece muito sobre Portugal, associa-nos logo ao Cristiano. Isso fala por si.
A ética de trabalho dele também o impressionou?
- Trabalha imenso. Só assim se manteve ao mais alto nível durante tantos anos. É o nosso capitão, um ótimo capitão e é excelente estar com ele na Seleção e aprender. Partilhamos muitos e bons momentos.
Há quem não aceite bem a pausa que Ronaldo fez na Seleção Nacional. Concorda?
- As pessoas não devem ficar chocadas com isso; é normal. Ele já deu muito à Seleção. Esperamos que volte, na Liga das Nações ou no apuramento para o Europeu. Faz sempre falta, mas percebemos que ele tem de descansar. Quando se chega a uma certa idade, a jogar-se a um ritmo intenso, não se rende o que se quer. Daí o repouso. Pessoalmente, não vejo qualquer problema.
"Nada contra Jorge Jesus"
Benfiquista até aos ossos, o internacional português não tem a certeza de que um dia voltará à Luz, embora tal desejo conste dos planos. Para esta época, "pede" pelo menos a Taça de Portugal
O Bernardo afirma sempre a preferência. Esse benfiquismo está bem de saúde?
- Sempre! Esta época não tem corrido bem, mas estou sempre atento e a desejar o melhor. Estando longe, não vou à Luz, claro. A última vez foi há duas épocas. Quando vou a Lisboa, tenho sempre azar: O Benfica ou joga fora ou jogou na Luz no dia anterior.
Há agitação em torno do Benfica. Esta época ainda tem conserto?
- Na segunda volta, o Benfica tem de jogar no Dragão, em Alvalade, em Braga, em Guimarães... Os jogos mais difíceis serão todos na segunda volta do campeonato. Vai ser difícil dar a volta a tempo, mas que recuperem rápido. Como benfiquista, espero que ao menos ganhem a Taça de Portugal.
A sua passagem ao mais alto nível no Benfica foi fugaz e não passa até hoje pelo estreito de muitos adeptos? Está em paz com o que se passou?
- Super em paz. Nunca tive problema nenhum.
Nem com Jorge Jesus?
- Nada. Decidi sair do Benfica e é perfeitamente legítimo um treinador escolher, assim como é legítimo um jogador sair quando não é opção. Não tenho problema algum com o ex-treinador do Benfica. Achei que não iria jogar, que não seria bom para a minha carreira voltar a fazer mais um ano na equipa B, portanto senti que seria bom para mim sair e foi a melhor decisão. Na altura, fiquei triste, o meu sonho sempre foi estrear-me e começar a minha carreira no Benfica. Não foi um passo fácil sair.
Pensa um dia voltar à Luz? Para jogar, claro...
- Claro. Não tenho a certeza disso, mas idealmente, olhando para o meu futuro, daqui a uns anos gostaria de voltar.