Árbitro FIFA brasileiro assume homossexualidade: "Vivi disfarçado e quero libertar-me dessa prisão"
Igor Júnior Benevenuto Oliveira mostrou cartão vermelho à discriminação
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O árbitro FIFA brasileiro Igor Júnior Benevenuto Oliveira assumiu a sua homossexualidade, no podcast "Nos armários dos vestiários", do Globo Esporte, enviando uma mensagem de coragem para muitos outros árbitros, atletas ou técnicos que escondem a sua orientação sexual no meio do futebol. Num relato sincero e revelador, mostrou cartão vermelho à discriminação. Igor terminou com uma sensação de liberdade, reclamando um tratamento justo e correto a quem com ele convive no meio e na sociedade.
"O meu nome é Igor Júnior Benevenuto de Oliveira. Sou árbitro de futebol. A partir de hoje, não serei mais as versões do Igor que eu criei. Não serei o Igor personagem árbitro, personagem para os amigos, personagem para a família, personagem dos vizinhos, personagem para a sociedade hétero. Serei somente o Igor, homem, gay, que respeita as pessoas e as suas escolhas. Sem máscaras. Somente o Igor. Sem filtro e finalmente eu mesmo. Tenho atração por homens e não sou menor por isso. Não estou no campo por isso. Não estou à procura de macho, não estou a desejar ninguém. Não estou ali para tentar nada. Quero respeito, que entendam que posso estar em qualquer ambiente. Não é porque sou gay que vou querer 'transar' com todo mundo, vou olhar para todos. Longe disso. Eu só quero respeito e o direito de estar onde eu quiser", atirou Igor Júnior, numa declaração sentida.
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Na entrevista, que durou quase uma hora, Igor refere que há mais na situação dele, mas sem a coragem de se revelarem: "Nós, os gays no futebol, somos muitos. Estamos em toda parte. Mas 99,99% estão dentro do armário. Há árbitros, jogadores, técnicos, casados, com filhos, separados, com vida dupla... Há de tudo. Reconhecemo-nos. Eu brinco que temos um Wi-Fi ligado constantemente e que se conecta com o outro mesmo sem querer. Nós existimos e merecemos o direito de falar sobre isso, de viver normalmente. No meio da arbitragem não é segredo que sou gay. E sou bastante respeitado. E por existir esse 'boato' em campo, já sofri com atos homofóbicos. O 'cara' lá fica 'puto' com o resultado de um jogo e desabafa com ofensas contra minha orientação sexual. 'Sua bichinha, seu veadinho. Eu sei por que você não marcou aquele penálti. Você deve estar dando o rabo para alguém ali'. Jogadores e técnicos jamais me ofenderam. Isso partiu todas as vezes de dirigente e torcida. E sempre que isso acontece eu reporto. Uma luta... Mas não desisto."
O árbitro mineiro de 41 anos, com insignias FIFA, reconhece que deve "tudo à arbitragem", mas lembra com mágoa o que perdeu. "Paguei um preço muito alto por isso. Deixei de lado paixões reais da minha vida para seguir esse universo macho alfa, para viver disfarçado. O futebol é meu sustento e até o dia de hoje foi o meu esconderijo hétero. Quero libertar-me dessa prisão. Quero poder ter relacionamentos, quero apitar em paz, quero que as ofensas sejam punidas. O difícil é lidar com o medo que tenho de morrer. Vivemos no Brasil, o país que mais mata gays no mundo. Aqui não é apenas preconceito, é morte. É um submundo. Os gays no futebol estão em numa caixa de pandora. Jogadores, árbitros, torcedores... E nós somos muitos! Já não há espaço dentro desse armário apertado. Já não cabe mais ninguém. Chega! Continuo a não suportar as piadas. O futebol é um esportedesporto que eu cresci a odiar profundamente. Não suportava o ambiente, o machismo e o preconceito disfarçado de piada. Para sobreviver na rodinha de 'moleques' que viviam a jogar à bola, montei uma personagem, uma versão engessada de mim. Não havia lugar mais perfeito para esconder a minha sexualidade. Até hoje, nunca havia sido eu de verdade. Vivia isolado, um 'moleque' triste, com um buraco no coração.
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O árbitro recordou que foi com o Mundial de 1994 que decidiu tornar-se árbitro: "A Copa do Mundo de 1994 foi um estalo para mim. Foi o primeiro campeonato que parei para assistir, por obrigação, é claro. Olhei a televisão e interessei-me imediatamente e exclusivamente pela figura diferente que estava em campo: o árbitro. Foi justamente naquele ano que a FIFA aprovou a mudança dos uniformes dos juízes para o Mundial dos Estados Unidos. O preto deu lugar a cores vibrantes - camisas prateadas, amarelas e rosa. Fiquei enfeitiçado pelo combo - as cores e o 'cara' que controlava tudo. No dia seguinte, na pelada com os meninos, avisei que não iria mais jogar. Queria comandar a partida, e foi assim que comecei a apitar. Ser árbitro coloca-me numa posição de poder de que eu precisava. Posicionei-me como o dono do jogo, o 'cara' de autoridade, e isso remete automaticamente a uma figura de força, repleta de masculinidade. Eu queria ter esse comando e exigir respeito".
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