André Silva a O JOGO: "Ambiciono a Bota de Ouro, se eu não pensar nisso..." (com vídeo)
O goleador do Eintracht Frankfurt aponta a fazer desta época uma "regra" na próxima década. Em exclusivo a O JOGO assume algumas más decisões, mas acredita que nada acontece por acaso.
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André Silva vive um momento de ouro. No Eintracht não há pai para ele, na Bundesliga só Lewandowski se destaca e na Europa discute o com os melhores de sempre a perseguição ao polaco que tem a segunda Bota de Ouro à vista.
O troféu é um objetivo para o português, que pretende estar sempre nessa luta na próxima década. Agora é possível pensar assim. Estabilidade é a palavra que elege como decisiva, depois de alguns anos irregulares e de muitas mudanças que nunca lhe permitiram sentir uma zona de conforto. Ainda assim, é de nova mudança que se fala. André é um dos avançados mais solicitados da Europa e apontado a Atlético de Madrid e Manchester United, por exemplo. Para já, o Frankfurt e, em março, a Seleção, da qual foi excluído nos jogos decisivos da Liga das Nações.
A Bundesliga já não é só o campeonato do Lewandowski e do Haaland. São 19 golos do André Silva. Está com moral...
-A moral trabalha-se e vai-se ganhando com as coisas que se realizam. Aquilo que fiz até agora tem sido falado, reconhecido, mas há muito mais caminho pela frente, muito mais coisas a realizar. Estou numa boa fase, as coisas correm bem, neste momento sou o segundo melhor marcador da Bundesliga e das cinco principais ligas europeias. Continuo focado no que posso fazer e no que consigo trazer para o presente. As coisas que fiz no passado e faço agora só me dão mais motivação e confiança para o futuro.
Há uma nova geração de goleadores a aparecer... Cristiano Ronaldo, Messi e Lewandowski ainda lá estão, mas vivem fases diferentes da carreira. É possível que o André possa ser regular entre os melhores marcadores europeus da próxima década?
-É algo que ambiciono, algo pelo qual gostaria de lutar. Todos gostariam. É um leque muito pequeno e sei que as coisas não são fáceis. E tenho que ser honesto... Apesar de estarmos em lugar de acesso à Champions, não é normal um jogador do Frankfurt estar a lutar pela Bota de Ouro e por este número de golos. As coisas estão a correr bem a todos, à equipa, a mim, vou continuar a dedicar-me para que estas boas energia continuem a rondar a equipa.
É possível, portanto, acreditar que Portugal venha a conhecer um quarto Bota de Ouro, depois de Eusébio, Fernando Gomes e Cristiano Ronaldo?
-Eu penso nisso. Se eu não pensar nisso, ninguém vai pensar nem realizar por mim. Mas tenho noção que é preciso muito trabalho, dedicação e consistência. E falar não basta, é preciso demonstrar, mas é claro que ambiciono e é um desejo meu. Mas neste momento só posso pensar no dia de hoje, trabalhar para o de agora, mais tarde se poderá falar do que vier a acontecer.
Ou seja, ambiciona ser Bota de Ouro da Europa, mas nesta altura não está obcecado. É isso?
-Sim, pelas razões que expliquei. Não é normal um jogador do Frankfurt lutar por estes números e tenho noção da competência de Lewandowski e de Cristiano Ronaldo, por exemplo. O Bayern ganhou seis títulos seguidos, o Cristiano faz isto ano após ano e sabe bem o caminho para chegar lá. Eu tenho os pés assentes na terra, sei do que sou capaz e vou continuar a dar o meu melhor. O que posso prometer é que não vou baixar os braços e lutar sempre pelas minhas ambições e pelo que quero. Luta é o que eu posso prometer.
"Não é normal um jogador do Frankfurt lutar por estes números e tenho noção da competência de Lewandowski e Ronaldo, por exemplo"
Está precisamente a par de Cristiano Ronaldo e Messi na perseguição a Lewandowski. De que forma isso é importante ou motivo de orgulho?
-São dois dos melhores marcadores do século e poder de alguma forma estar perto deles nos golos marcados é motivo de orgulho e incentivo para continuar a lutar e seguir a trabalhar forte para que as coisas sejam recompensadas.
A Bota de Ouro é um objetivo, mas terá mais no imediato. Quais prioriza, neste momento?
-Neste momento é conseguir lutar pela posição de Champions onde estamos, ir ao Europeu por Portugal e fazer o maior número de golos que conseguir.
E qual é esse número? Os 20 estão quase. Marcar 25 era era satisfatório?
-Era um número bonito, mas 26 ainda mais [risos].
Para já conta 19. Corresponde às expectativas para esta fase da época?
-Eu sempre fui dos que nunca desiste e tenta sempre à luta por mais. Nunca fico confortável com aquilo que tenho e tento criar novos caminhos e objetivos. É verdade que estou bem, sinto-me bem, as coisas correm bem, mas sendo o futebol muito uma questão de momento, sei que posso fazer mais, sei que ainda vou fazer mais.
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Na Alemanha? Ou a ideia é continuar a conhecer mais campeonatos?
-[Risos] Na minha idade já não me faltam muitos dos mais importantes...
Pediram-vos a Liga dos Campeões quando a época começou ou este campeonato é tão surpreendente quanto nos parece?
-Aquilo que percebi é que a ambição são as competições europeias, Liga Europa claro e, se as coisas correrem bem, Champions. Mas com o trabalho que temos feito, temos motivos suficientes para ambicionar entrar na Liga dos Campeões. Mas neste momento é apenas um sonho, espero que seja algo real no final da época.
O que mudou de um ano para o outro para que os resultados tenham melhorado tanto? Os jogadores são praticamente os mesmos...
-O que torna tudo tão diferente foi termos percebido as nossas fraquezas e qualidades. Percebemos o caminho a tomar e tentámos limar as arestas que faltava. Nós temos perfeita noção das qualidades e coisas menos boas de cada um e tentamos ajudar-nos uns aos outros. No final tornámo-nos uma equipa e o treinador também tem vindo a ver esses pequenos detalhes que fazem toda a diferença.
"Lewandowski tem feito uma carrada de golos e demonstrado ser o melhor"
André Silva não participou no recente triunfo do E. Frankfurt sobre o Bayern, mas já defrontou Lewandowski antes. Apesar de adversário direto nesta batalha de goleadores, o polaco é referência e o português não tem problemas em assumi-lo. "Se é o melhor ponta-de-lança do Mundo? Tem demonstrado isso. Nos dois últimos anos tem feito uma carrada de golos e sem golos as equipas não ganham. Tem feito muito bem o trabalho dele. É, talvez, entre os verdadeiros pontas-de-lança, "9" claros, o número 1, atendendo ao trabalho que tem feito e ser aquele que tem mais golos", elogiou.
"Percebi que muitas vezes preciso de apoio"
A evolução na dimensão enquanto jogador tem muito de físico mas, essencialmente, de mental. A postura para reagir às adversidades mudou nos últimos tempos, essencialmente pelo reconhecimento. Por falar nisso, o avançado é agora marcado de forma diferente pelos adversários.
O André pareceu sempre muito focado em si, disposto a investir na sua carreira, na sua evolução física e mental. Pergunto de forma muito clara qual a dimensão desse investimento?
-A minha forma de pensar levou-me sempre a tentar perceber a razão das coisas. E sempre gostei de ganhar e de conquistar. Por vezes, as coisas não correram bem, mas sempre olhei para elas de forma a perguntar o que poderia fazer para não se repetirem no futuro. Sempre fui uma pessoa reservada, nunca quis que as pessoas ao meu redor, nomeadamente a família, ficassem afetadas. Então acabava por não pedir ajuda e tentava chegar a uma conclusão sem que os outros estivessem mal. E acabei por perceber que, muitas vezes, preciso de apoio, preciso de coisas à minha volta, que há outras maneiras para chegar lá mais rápido. Mas, em contrapartida, em muitas situações não consigo ter apoio e só me posso apoiar em mim. E essa visão ajudou-me muito. Em várias coisas que me aconteceram senti que estava sozinho e não sabia a quem recorrer, porque ninguém próximo de mim ou de confiança estava na mesma posição que eu. Em termos físico sempre tentei melhorar características como força, velocidade e diferentes aspetos. Tirava informação dos clubes, dos livros, da internet, de pessoas à minha volta. Acabava por ter toda a informação junto a mim, mas às vezes sem plano nem organização e talvez isso me tenha causado alguns problemas, como lesões, por exemplos. Mas, como disse, esses problemas todos me ajudaram a conhecer a mim mesmo, saber o que precisava, arranjar o meu plano e encontrar um caminho em que pudesse andar só para a frente. Neste momento as coisas são estáveis e posso desfrutar do que aprendi e as coisas boas acabam por acontecer.
Nota alguma diferença na forma como os defesas o encaram? Quando chegou à Alemanha era um jovem promissor, agora marca golos todas as semanas, imagino que o respeito e a preocupação sejam outros...
-Penso que no futebol as pessoas acabam por ter mais em atenção aos nomes que mais se falam e aos resultados dos adversários. Ao jogar contra o Bayern, as equipas focam-se em todos os segundos. É diferente de jogar com quem está no fundo da tabela. Não devia ser assim, devia ser o máximo em todos os jogos. Portanto, é inevitável... Com os jogadores também é assim, os defesas acabam por ter mais atenção, mas isso também pode ser uma vantagem, é importante pegar nisso e transformar numa vantagem.
De que forma isso pode ser uma vantagem?
-Se me tiverem mais em conta e olharem demasiado para mim, podem perder um pouco o foco do jogo e isso leva a minha equipa a progredir e a criar outros perigos que os meus movimentos podem ajudar. Se estiverem muito focados apenas em mim podem perder a noção do espaço e eu consigo aproveitar esse espaço. No futebol está sempre a haver mudanças e desafios novos de jogo para jogo. Onde há desvantagens há sempre alguma vantagem.
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