Aos 40 anos, uma sensação de realização suprema: subir a equipa do coração e recolocá-la em La Liga e poder brilhar pelos asturianos entre os mais poderosos. As histórias felizes da era moderna
Corpo do artigo
Um fenómeno técnico, régua na direita, esquadro na esquerda e linhas medidas ao detalhe. Santi Cazorla conquistou os adeptos espanhóis a partir do Villarreal, com breve passagem pelo Málaga e anos num Arsenal de eleição. O futebol perfumado do médio-ofensivo misturou-se com a geração dourada espanhola, impondo a sua presença nos títulos europeus de 2008 e 2012, equipando por La Roja 81 vezes. Um verdadeiro craque, que não dispensou um capítulo final no clube do coração, pelo qual nunca jogara como sénior, pois deixou o Oviedo com 18 anos, rumo ao Villarreal. Ficou essa dívida de gratidão de Cazorla pelos “carbayons”, que desceram fatalmente no final de 99/00 e só agora lograram recuperar assento no primeiro escalão espanhol, cumprindo pena pesada de 24 anos.
Foram 24 anos de espera para o Oviedo regressar à elite do futebol espanhol. Subida amplamente comemorada teve um genial artífice de 40 anos, um duplo campeão europeu pela Espanha.
Com a magia de um veterano de 40 anos - 35 jogos, 5 golos e 5 assistências -, Cazorla guiou pela certeza do destino, enfeitiçado pelo azul da camisola e pelo encanto de fazer história. Tudo se conjugou com o médio a ajudar a sentenciar o Mirandés no play-off de acesso à La Liga, validando um júbilo avassalador dos asturianos. É uma daquelas fitas que inspira, tem final feliz e muito sacrifício, um herói descarado, sempre sedutor, coberto de mistério e alma de campeão, durando e durando, mesmo passando por um calvário de lesões entre 2015 e 2018.
Cazorla, o homem amado em Oviedo, que completa 41 anos em dezembro, já renovou para jogar pelos asturianos em La Liga, o que não acontece desde 99/00, um desígnio mágico para quem perpetua um poder supremo nos relvados. Desafiado por O JOGO, desfiou as emoções que o preenchem. Abundantes ondas de satisfação envolvem as suas palavras. “Desde que parti com 18 anos, tive sempre em mente voltar e defender a camisola do meu clube profissionalmente. Acabo por ser um sortudo de voltar e, ao fim do segundo ano, chegar com a equipa à primeira divisão, após mais de duas décadas de espera”, relata, percorrendo as imagens de uma festa imensa, arrepiante e regada de toda a loucura. “A cidade e os nossos adeptos levavam anos a sonhar com isto, o regresso à La Liga. Houve muito sofrimento. Depois do último jogo, que nos deu a consagração, vi amigos a chorarem de alegria. Para eles, e para mim, foi um sonho concretizado”, releva Cazorla, orgulhoso do seu contributo. “Senti-me bem toda a época, mas consciente que não estou já ao mesmo nível físico dos companheiros. Tento marcar o campo com experiência nos momentos-chave. Por isso estava tranquilo na hora dessa cobrança de penálti tão importante”, assinala.
O internacional espanhol não tem dúvidas em classificar a sua façanha, mesmo com as proezas no Arsenal ou enormes conquistas com a Roja. É o aroma do primeiro amor, a paixão de criança e a nostalgia dos primeiros toques. “Subir com a equipa da minha infância, da minha cidade, está ao mesmo nível de todos os troféus que já levantei. Há um sentimento inexplicável pelo clube”, ilustra, analisando duas épocas e um total de 61 jogos pelos oviedistas. “Sonhava voltar com este desfecho, mas sabia que era difícil chegar à elite. Era um objetivo, sim, um sonho também. Felizmente pude cumpri-lo e agora espero que a equipa consiga manter-se na categoria”, vinca, adivinhando transformações no meio dos tubarões. “Temos um bom plantel para ser competitivo, mas é certo que o clube tem de contratar jogadores que nos ofereçam um salto de qualidade. A chave será sermos muito fortes no Carlos Tartiere, com a nossa gente”, destaca Cazorla, visualizando alguns craques que lhe marcaram a infância, um deles português. “São várias recordações do Oviedo na primeira divisão, de jogadores como Carlos Muñoz, Dubovski, Paulo Bento ou Dely Valdés. Faziam-se sonhar ser profissional”.