A permissão concedida a 3500 mulheres para assistirem ao vivo ao último jogo do Irão recolheu aplausos pelo mundo inteiro, mas ainda há demasiadas coisas seriamente erradas
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Quinta-feira foi um dia histórico para o desporto iraniano: 40 anos depois, as mulheres tiveram autorização para assistirem a um jogo de futebol masculino ao vivo, no caso a receção do Irão ao Camboja, que terminou com um triunfo por 14-0 da equipa da casa.
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As fotografias das adeptas, sorridentes, divertidas e vestidas com as cores do seu país a vibrarem nas bancadas correram o mundo e a FIFA encabeçou o aplauso mundial. No entanto, este é um daqueles casos em que convém observar a floresta com atenção e não apenas a árvore. O cenário continua a ser absolutamente vergonhoso e as garantias que deixe de o ser são escassas.
Estamos em 2019 e a entrada de mulheres num estádio é notícia. Porque não acontecia há 40 anos. Isto por si só seria suficiente para celebrações comedidas, mas atente-se no resto.
O estádio Azadi (liberdade em persa, ai a ironia), onde decorreu o jogo, tem capacidade para 78 mil pessoas, mas as mulheres só tiveram direito aos referidos 3500 lugares, bem delimitados no recinto. As restantes bancadas estavam praticamente vazias.
Desengane-se quem pensa que as mulheres já podem ir ao futebol no Irão. Não. Algumas mulheres (as que conseguirem comprar os bilhetes disponibilizados para o sexo feminino) poderão assistir a jogos da seleção iraniana. Qualquer outra partida, como do campeonato nacional ou da Liga dos Campeões asiática, continua barrado a mulheres. Está quase tudo na mesma.
Gianni Infantino, presidente da FIFA, afirmou que "não pode haver paragem nem recuos a partir de agora", mas o que agora fica é a dúvida se esta ação do Irão foi apenas a cedência a uma chantagem, ou de facto o início do caminho rumo à normalidade. É que o organismo que tutela o futebol mundial ameaçou excluir a seleção do Irão se as mulheres não pudessem assistir aos jogos de apuramento para o Mundial.
A pressão intensificou-se depois de Sahar Khodayari se ter imolado e falecido, como protesto a uma sentença de prisão por ter tentado assistir a um jogo de futebol no Irão. Nos últimos dois anos, 40 mulheres foram detidas pelo mesmo motivo.
É claro que esta cedência não deixa de ser positiva e não é menos verdade que há problemas e discriminações bem mais graves que afetam as mulheres naquele país. Também por isso é imperativo continuar a batalhar pela igualdade de direitos.
Isto não acabou e oxalá esteja só mesmo a começar.
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