Mino Raiola lidera grupo contrário às regras que a FIFA quer instaurar, do qual Jorge Mendes faz parte. Regresso do controlo da carreira de agente e a definição de comissões, estão entre as medidas mais quentes a avançar até setembro. O JOGO sentiu o pulso à batalha que pode mudar o jogo do negócio... e a incerteza impera
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A relação da FIFA com os maiores agentes de atletas está num ponto crítico, numa altura em que a instituição que rege o futebol mundial se prepara para avançar e aprovar uma série de medidas para regular, controlar e dar transparência ao mundo das transferências.
Órgão que gere o futebol mundial quer racionalizar o que liberalizou: a guerra é fiscalizar lucros de agentes
Depois de ter entregue nas mãos das associações nacionais boa parte do controlo, em particular o licenciamento dos agentes/empresários, a FIFA já admitiu que falhou e que, por causa disso, contribuiu para aquilo que alguns chamam de "selva" no mundo dos negócios.
O reassumir do licenciamento dos agentes, com avaliações de carácter, a limitação nas comissões recebidas pelos representantes dos atletas e a publicação dos valores ganhos pelos empresários são algumas das medidas prestes a avançar mas que já têm pela frente a promessa de confronto jurídico com os maiores agentes no mercado: Mino Raiola, que representa atletas como Pogba, Ibrahimovic ou Haaland, criou em 2019 uma associação, a The Football Forum (TFF), onde o português Jorge Mendes é um dos vice-presidentes, organização destinada a defender as suas posições frente à FIFA.
"A FIFA desresponzabilizou o agenciamento e agora quer impor regras para quem faz o que lhe apetece" - Rui Vieira Costa, empresário
O JOGO avalia aqui o que se está a preparar para mudar a relação dos agentes, que viram nos últimos anos os seus ganhos em comissões disparar, com clubes e jogadores. As várias pessoas ouvidas acabam por entender que a regulamentação que se avizinha é positiva mas também tardia, ficando no ar a incerteza quanto à eficácia da mesma.
Desde logo, contactada por O JOGO, a FIFA começou por se mostrar satisfeita com o processo até ao momento.
"A FIFA conduziu uma consulta muito robusta junto de 23 partes interessadas, incluindo agentes-chave de jogadores, num longo processo iniciado em 2018. O processo ainda está a decorrer e todos os feedbacks recebidos foram e serão tidos em conta e podem resultar em alterações à legislação", aponta-nos a entidade.
Ora, a visão de Mino Raiola, empresário que tem dado a cara contra a FIFA, não podia ser mais distinta. "Não falamos mais com a FIFA, é o fim, haverá um caso em tribunal. Não temos problemas com transparência mas sim com quem não sabe como funcionam as transferências, criando regras ridículas. O TFF vai levar a guerra à FIFA no próximo ano [2021]", afirmou o agente em novembro do ano passado. O JOGO contactou a TFF, da qual não obteve resposta, assim como a Gestifute, de Jorge Mendes, que optou por não comentar este assunto.
Do lado dos agentes, há quem aponte o dedo à FIFA por ter, em 2015, deixado de controlar o agenciamento.
"A FIFA cometeu o erro de desresponsabilizar o agenciamento, transformando-nos em intermediários e não em agentes. O importante era fazer o negócio e que o dinheiro rolasse, não era acompanhar o atleta. Deixou de haver curso e deu-se lugar a profissionais sem formação desportiva, académica, jurídica ou empresarial. Deixou-se que isto se tornasse uma selva", aponta Rui Vieira Costa, que representa, por exemplo, Ricardo Quaresma. E acrescenta: "Sou favorável a que volte a haver curso, mas a FIFA primeiro liberalizou e agora quer implementar um pacote de medidas rígidas para quem se habituou, na última década, a fazer o que lhe apetece." Rui Vieira Costa é contra limitações de comissões pois "o agente tem impacto diferente de negócio para negócio". "Um agente pode ser fundamental para uma operação e ser pouco ativo outra, lucrando o mesmo", frisa.
Licenciamento negligenciado faz disparar número de agentes
Já Emanuel Medeiros, CEO da Sport Integrity Global Alliance (SIGA), aplaude a mão mais dura da FIFA sobre os agentes.
"A FIFA reconheceu que a implementação da legislação a nível nacional não era feita em moldes eficientes. Além disso, há muita conivência dos clubes pois só querem os jogadores, não importa como. Os clubes ficam reféns porque querem. Nestes negócios, o jogador, o empresário, os intermediários e o clube vendedor ganham, a única parte que perde dinheiro é o clube que compra", refere, ele que vê aqui "uma chaga aberta". "As federações negligenciaram o licenciamento e a proliferação de agentes piratas, sem nenhum título, foi mato e continua a ser", assegura Emanuel Medeiros.
"A "Clearing House" está a dar passos de caracol. E há alguém ingénuo para acreditar que os tetos [nas comissões] vão ser respeitados?" - Emanuel Medeiros, CEO da SIGA
Sobre a chamada "Clearing House", instituição onde se registam os valores dos negócios para controlar os fluxos financeiros e de onde se assegurarão todos os pagamentos, incluindo os da formação, é algo bom... se acelerar.
"Está a dar passos de caracol. Sem uma cultura de transparência e quem supervisione, haverão consequências", entende Medeiros, que desconfia dos tetos nas comissões pagas: "Há alguém ingénuo para acreditar que esses tetos vão ser respeitados? Já disse isso a Gianni Infantino [presidente da FIFA] que acho muito difícil estabelecer esse tipo de tetos. Prioritário era haver uma profunda reformulação dos critérios de acesso à profissão."
Refira-se que em Portugal, e segundo dados da Federação Portuguesa de Futebol, estão licenciados 397 agentes quando, em 2017/18, eram apenas 366.
Exemplo americano e o "nojo" a Raiola
O desporto profissional norte-americano tem regras muito específicas e o tema das comissões está devidamente regulamentado. Na NBA (National Basketball Association) e na NFL (National Football League), já há limites de três e de quatro por cento nas comissões, respetivamente.
"Na Europa, as instituições de jogadores não têm peso porque não há apoio dos grandes craques, que não precisam delas. Nos Estados Unidos, o empresário representa o jogador e é o clube que envia para o jogador o cheque de compensação pela comissão. Aqui tudo é dividido igualmente e os empresários perceberam que o melhor para um é o melhor para todos, que todos os barcos podem flutuar", aponta a O JOGO Francisco Marcos, fundador da USL Championship. Este ex-dirigente que reside nos Estados Unidos explica que "o que está definido na NFL serve de exemplo ao mundo, que apenas copia a capa da organização sem ler o resto do livro".
"Quando vejo o que se passa, por exemplo, com agentes como Mino Raiola, isso mete-me nojo. Se for verdade que estão a pedir 20 milhões para o jogador e 20 milhões para o pai antes de entrarem em negociação com o Dortmund, é insultuoso. Isso era impensável no desporto norte-americano", diz Francisco Marcos.
"Explosão" na Premier League
De acordo com os dados mais recentes da Premier League, entre fevereiro de 2020 e fevereiro deste ano, foram pagos 315,8 milhões de euros em comissões, valor que superou os 305,5 M€ da época anterior e quase sextuplicou os 54,3 M€ verificados em 2015/16.
No último ano, Chelsea, Manchester City e Manchester United foram os clubes que mais pagaram a agentes desportivos, com o Tottenham de José Mourinho e o Wolves de Nuno Espírito Santo a ocuparem lugares cimeiros.
Os valores pagos em Inglaterra sextuplicaram desde 2015
Já em Portugal, de acordo com os dados disponíveis na Federação Portuguesa de Futebol, no último ano houve uma quebra de 83,7 M€ para os 59,9 M€. Os números relativos a transferências mas também a renovações de contratos foram tornados públicos no início deste mês e revelaram o Benfica como o clube que, no período entre 1 de abril de 2020 e 31 de março passado, mais pagou a agentes (20,3 M€), superando FC Porto (15,4), Braga (9,9), Sporting (8,5) e V. Guimarães (2,4). No comparativo com a temporada passada, aliás, apenas os bracarenses tiveram um crescimento.
Por cá, houve uma redução em relação ao ano passado, mas o Benfica mantém-se na liderança
Todos estes valores são, no entanto, relativos pois têm a ver com as quantias brutas usadas pelos vários emblemas nacionais em contratações sendo, por isso, lógico que o Benfica lidere por ter investido mais.
Principais medidas da FIFA para 2021/22
- Reintrodução na FIFA do sistema de licenciamento de agentes/empresários, com avaliação de seu carácter e cadastro
- Comissão do agente que representa o clube vendedor limitada a 10 por cento do valor do negócio
- Quando representa o jogador, o agente só pode ficar com comissão de 3 por cento do salário
- Quando representa o clube comprador, o agente só pode ficar com comissão de 3 por cento do salário
- Se representar jogador e clube comprador, o agente pode ficar com 6 por cento
- Fim da representação tripla, ou seja, representação em simultâneo de jogador e dos clubes vendedor e comprador
- Contrato de representação dos atletas com máximo de dois anos, podendo ser renovado
- Todos os pagamentos feitos pela "Clearing House", uma câmara de fiscalização das transferências e de distribuição dos direitos de formação
- Insistência no passaporte electrónico dos jogadores
- Publicação de todos os negócios e valores das transferências de cada agente
- Familiares deixam de poder representar atletas, excepto se forem agentes licenciados