PREMIUM >> Há 17 clubes que não vão pagar março e mais 12 que não sabem se ou quando o poderão fazer. Centenas de famílias afetadas.
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Mais de 900 elementos de clubes do Campeonato de Portugal (CdP) não vão receber o salário de março, têm o mesmo em risco ou vão recebê-lo depois dos prazos habituais.
Um número assustador, porque, mesmo sendo este um campeonato não profissional, a maioria dos indivíduos em causa tem nesta a sua única ou principal atividade de subsistência. Esta é a principal conclusão retirada por O JOGO, que perguntou aos 72 clubes da prova se têm os salários/subsídios pagos até ao mês passado e se existem condições financeiras para se processar o pagamento de março, na sequência dos vários constrangimentos causados pela covid-19.
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No CdP, há vários tipos de competidores. As SAD têm investimento externo, mas as principais receitas dos clubes chegam dos protocolos com câmaras municipais e dos patrocinadores, em virtude de não existirem receitas televisivas, que tanto jeito fazem aos clubes de I e II Ligas. Poucas são as sociedades anónimas desportivas e ainda menos são os emblemas que possuem um plantel totalmente profissional e com contrato de trabalho. A esmagadora maioria é amadora - o Olhanense, por exemplo, é SAD, mas reconhece no depoimento ao lado que os atletas são amadores - e muito poucos são os que passam recibo verde para terem um mecanismo legal que comprove a ligação laboral. Assim sendo, tudo se resume a um acordo verbal de um subsídio que, para muitos, é mesmo um salário real ou um extra importante que completa a atividade profissional.
O "lay-off" só está ao alcance dos jogadores profissionais e uma eventual suspensão do CdP deixa os jogadores sem possibilidade de receberem o que lhes foi prometido até ao final da época. Além de março, haveria abril e maio, pelo menos. Dos 72 clubes, 17 não têm condições para pagar março e uma dezena destes tem mais do que um salário em atraso. Uma dúzia de clubes estão a tentar encontrar apoios para efetuar os pagamentos, mas não estão certos de que o consigam, quatro pagaram meio mês e o Armacenenses liquidou um terço de março.
Problema: cerca de 40 por cento dos emblemas não têm fundos imediatos para liquidar março
Posto isto, 29 clubes não deverão pagar nas próximas semanas, o que, multiplicando por um plantel de cerca de 25 jogadores mais cinco elementos externos (entre equipas técnicas e funcionários), dá um total de cerca de 870 pessoas sem possibilidade de verem a cor do dinheiro. É uma estimativa, é certo, mas não andará longe dos números reais. Falamos de salários/subsídios que podem ser modestos, entre 100 a 200 euros nos orçamentos mais baixos da competição, mas que também podem chegar a alguns milhares de euros entre as equipas com projetos de subida, valores que quase equivalem aos cinco mil euros a atribuir a cada clube pela linha de crédito aberta pela FPF. Acrescem a isso as despesas extras decorrentes da suspensão da competição, que também complicam a vida dos clubes. Muitos dos jogadores almoçam e jantam em restaurantes a troco de publicidade nos clubes. Com o fecho destes, a alimentação passa a ser uma despesa extra. Outros já regressaram aos respetivos países e obrigaram alguns clubes a comparticipar nas despesas de repatriamento.
O JOGO tentou confrontar Joaquim Evangelista, presidente do Sindicato dos Jogadores, com estes números, mas sem sucesso. Contudo, o dirigente já havia alertado anteontem para o "drama humano" do CdP. "Temos recebido muitos pedidos de ajuda, especialmente do CdP. É momento de os dirigentes serem chamados a assumir os compromissos a que se vincularam", atirou. O organismo acionou recentemente o fundo de garantia salarial para ajudar o Olímpico de Montijo e o União da Madeira. O futuro dirá se o drama varrerá centenas de elementos do futebol. Entretanto, vários estrangeiros já abandonaram os respetivos clubes, voltaram para os países e dificilmente regressarão se o CdP for reatado. Algumas equipas estão por isso bastante desfalcadas para um eventual regresso do futebol. Por outro lado, Vizela, Canelas, Arouca, Espinho, Real, Alverca, Louletano e Esperança de Lagos garantem que vão pagar tudo o que acordaram. Outros não o disseram, mas também poderão ter condições para o fazer.
Evangelista pede adiar da decisão
Evangelista contactou Fernando Gomes no sentido de este não decretar a breve trecho o fim do CdP, porque acredita que isso seria mandar para o desemprego a larga maioria dos jogadores e demais funcionários. O líder sindical vincou que acredita que muitos clubes aguardam por este pretexto para não ter de pagar mais. Evangelista criou um grupo de trabalho com os capitães das 72 equipas e explicou que pediu à FPF que esta não tome à pressa a decisão e que só o faça se garantir algum mecanismo que garanta que os clubes mantêm os postos de trabalho.
U. Santarém exige recibos verdes
A competição é amadora e os amadores recebem subsídios em vez de salários. Por isso, José Gandarez, presidente do U. Santarém, exige recibos verdes aos seus jogadores para receberem a verba por transferência bancária. Sem recibo... não há dinheiro. O líder defende ainda um controlo salarial nesta competição.
Mês de março pago aos bocados
No lote dos clubes que dizem ter pago ou em condições de pagar os salários de março, há cinco que não o pagam na totalidade. Leça, U. Santarém e Fontinhas pagaram meio mês, "até quando os jogadores treinaram". No Sertanense, falta pagar uma parte e o Armacenenses vai pagar um terço do valor do mês.
Eleições paradas e SAD em análise
O Condeixa deveria ter eleições neste mês de abril. No entanto, a assembleia geral para aprovação das contas e convocatória da sessão eleitoral, de 14 de março, foi adiada, atrasando todo o processo. Outros processos suspensos foram os da eventual criação de SAD por parte de Anadia e Leça.
Sernache dispensa duas colaboradoras
O Sernache garantia serviços de cozinha e lavandaria ao seu plantel. Sem atividade, com a suspensão do campeonato, o emblema acabou por dispensar as duas funcionárias destacadas nessas funções. Os cinco elementos que se mantêm na localidade recebem a alimentação por elementos da Direção do clube da Série C.
Ansiedade por definição das provas
O plantel do Fontinhas tem apenas jogadores açorianos, todos amadores, pelo que não há despesas extra nesta altura. No entanto, o clube aguarda pela definição do CdP para saber se terá de ajustar orçamento. "Precisamos de saber o que vai acontecer, porque estávamos em zona de descida. Não sabemos se vamos continuar no CdP ou se descemos ao campeonato dos Açores", disse Fábio Valadão.