ENTREVISTA, PARTE II - Varela chegou ao FC Porto com um treinador que lhe deu "muitas duras", mas com resultados práticos. O salto para o principal clube da carreira de Silvestre deu-se após vários obstáculos ultrapassados. Os dragões já o encantavam desde criança e marcaram a diferença na corrida com o Benfica.
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Assina pelo Estrela da Amadora e o FC Porto foi um dos grandes que bateu à porta. Como foi esse processo de decisão?
-Fiz uma grande época no Estrela e só tinha um ano de contrato. Apareceram vários clubes, nacionais e internacionais. O FC Porto foi a equipa que mostrou mais interesse, que desde início se preocupou sempre comigo em todos os aspetos. Tive o interesse do Benfica também, mas escolhi o FC Porto por ter a estabilidade que eu achava que um jogador de futebol teria de ter. O presidente ligou para o meu empresário e falou comigo também. Estar ao telefone e ouvir a voz do presidente é outra coisa e logo aí marca a diferença pelo interesse que tem no jogador.
Mas já tinha um fraquinho pelo FC Porto...
-Há coisas que não são por acaso e isto é uma prova viva. Quando eu tinha 12, 13 anos, era sportinguista, como toda a minha família. E eu gostava do FC Porto. Via os jogos e identificava-me com aquela raça, aquela entrega que eles punham nos jogos e a maneira como ganhavam. Um dia, peguei num poster do FC Porto, colei no meu caderno, levei para a escola e os meus colegas fizeram-me uma pressão... a dizer que eu era vira-casacas e tal. Já sentia que gostava muito do clube.
Tudo o que teve de lutar antes de chegar ao FC Porto deu-lhe argumentos para se impor?
-Todo esse processo com os empréstimos ajudou-me a crescer como jogador e pessoa, porque passei por momentos difíceis e tive de superá-los. Quando estive em Espanha, no Huelva, foi dos anos mais difíceis da minha carreira e tive uma situação em que nem sei se chame lesão. Foi uma alergia, apareciam-me bolhas nos pés e com o calor, as temperaturas muito altas de lá, ficava com bolhas e não conseguia sequer calçar as botas, tinha dores horríveis. Aí, a minha mulher foi muito importante, estava comigo e deu-me todo o apoio. Foi um ano de aprendizagem e, quando fui para o Estrela, já fui com isso. Tinha o objetivo de fazer uma excelente época e poder dar o salto para uma equipa grande. O mais difícil não é chegar, é manter. Agarrei ao máximo as oportunidades que me foram dadas. Lembro-me que trabalhei imenso nas férias para chegar bem na pré-época e começar logo a fazer a diferença. Na altura, o míster Jesualdo deu-me muitas duras. Mas eu entendia que era para o meu bem e ele gostava de mim, percebia que eu tinha potencial e que precisava de moldar ali algumas coisas.
Muitos jogadores dizem que o Jesualdo Ferreira foi um dos treinadores mais importantes pela forma como os fez evoluir. Também sentiu isso?
-Também sou uma testemunha disso. No treino, ele deixava-me jogar livre para poder errar e ele corrigir. Dava-me muito na cabeça por causa das receções de bola, porque eu recebia para trás e ele queria que recebesse a bola orientada para a frente e encarasse logo o adversário. Ficava mais fácil para mim e mais difícil para o adversário. Cada vez que eu não fazia isso, ele parava o treino e dizia, com todo o respeito pelo Estrela, clube pelo qual eu tenho um grande carinho, "oh miúdo, tu pensas que estás no Estrela da Amadora?". Eu ficava todo envergonhado, mas sempre com vontade de aprender e ver que ele estava a falar assim para mim com o intuito de me querer ajudar. Eu, o Hulk, o Falcao e todos os jogadores que apanharam o Jesualdo Ferreira entendiam que o que ele dizia era o melhor para a equipa e para o jogador. Ele tirava o melhor de cada jogador.
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Moutinho: o olhar bastava para se entenderem em campo
No Dragão, Varela reencontrou um amigo desde os juvenis do Sporting, João Moutinho. "Mal comecei a ouvir assim uns zunzuns, liguei ao João. Nos primeiros dias em que esteve aqui no Porto até ficou em minha casa. Conhecia-me muito bem e foi fácil jogarmos juntos. Às vezes só de ele olhar para mim, já sabia que tinha de fazer um movimento na profundidade ou ameaçar e ir buscar outra vez e jogar com ele", explica Varela, rindo com as recordações. "Era muito chatinho [risos]. Tinha esta brincadeira de tocar em mim e eu nele. Ganhava quem fosse o último a tocar e e ele não parava de correr atrás de mim, não desistia."
"Nunca vi as pessoas a festejar assim"
Em 2012/13, Varela assistiu ao histórico golo de Kelvin ao Benfica, que selou a reviravolta depois de Silvestre ter provocado um autogolo de Maxi Pereira. O empate dos encarnados com o Estoril, dias antes, devolveu o destino ao FC Porto. "Quando soou o apito final disse "vamos ser campeões, desta não vai passar, aconteça o que acontecer".Treinámos focados, trabalhámos bem a nível psicológico. E começámos a perder [risos]", lembra, com a ressalva de que "ninguém mandou a toalha ao chão". Afinal tudo pode mudar num segundo. "Há um lance em que vou para dominar a bola e passa-me por baixo do pé, é uma coisa para deixar uma pessoa em desespero. Depois, acontece aquilo... Foi o golo que mais me marcou, nunca vi as pessoas a festejarem daquela forma, foi arrepiante e uma sensação incrível. Dificilmente haverá um momento como este", vaticina.